Chega à Assembleia discussão sobre a possibilidade de transferência de Padre Luiz Augusto da igreja na Vila Canaã. Católicos descontentes com projeto da Arquidiocese fazem manifestações, abaixo-assinado e debates pela internet
Cerca de 6,5 mil pessoas movimentaram por mais de duas horas as ruas do Centro de Goiânia na tentativa de reverter a articulação da Arquidiocese de Goiânia para transferência de Padre Luiz Augusto Ferreira da Paróquia Sagrada Família, na Vila Canaã. O cálculo estimativo foi feito pela equipe da Agência Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (AMT), que organizou o tráfego nas imediações da Rua 10, onde se localiza a Catedral Metropolitana de Goiânia. Antes da passeata que percorreu a Praça Cívica, as Ruas 10 e 83, os fiéis reuniram-se em oração em favor do padre e do arcebispo metropolitano Dom Washington Cruz.
(veja artigo de Dom Washington Cruz em que sustenta a movimentação dos padres, em Goiás) |
A movimentação começou em frente ao coreto da Praça Cívica às 16 horas. Católicos rezaram terço, cantaram músicas religiosas e se pronunciaram em favor da permanência de padre Luiz. Às 17 horas, a multidão começou a passeata. Músicas católicas e orações estiveram presentes em todo o percurso. Faixas com frases de agradecimento pelo trabalho desenvolvido pelo padre e pedindo que Dom Washington se sensibilize eram carregadas pelos fiéis.
Ao longo do percurso, moradores do Centro saíram às ruas, acenaram da janela, balançaram panos brancos em manifestação de apoio à causa dos membros da Sagrada Família. Condutores de veículos buzinaram e pessoas que aguardavam nos pontos de ônibus fizeram o sinal da cruz, rezaram junto, entoaram os cânticos e até aplaudiram a marcha. A passeata ganhou adeptos durante o percurso. A movimentação terminou no mesmo local da concentração, em frente ao coreto, às 18h15. Os fiéis voltaram a rezar e defender publicamente a permanência de padre Luiz.
Assembleia Legislativa
A possibilidade de saída de Padre Luiz Augusto da igreja que conduz a 15 anos desencadeou manifestação católica jamais vista em Goiás. Tanto, que a questão já chegou, inclusive, ao parlamento. Os deputados estaduais Francisco Júnior e Paulo Cezar Martins, ambos peemedebistas, usaram o púlpito da Assembléia Legislativa de Goiás para se posicionar de maneira favorável à permanência do líder religioso.
Ao usar a tribuna, Francisco Júnior enalteceu o trabalho realizado pelo titular da Sagrada Família. “Como missionário dentro da Igreja Católica conheço a realidade no país inteiro e posso afirmar que não sei de nenhum trabalho parecido como o desenvolvido pelo padre Luiz Augusto. É um homem de uma grande liderança, de uma grande competência, e um carisma enorme” disse o deputado. “Considero muito bom que o padre Luiz Augusto permaneça na paróquia,” acrescentou. “Com certeza será muito bom se o padre Luiz puder dar sequência ao seu trabalho onde está.”
Mais incisivo, o deputado Paulo Cezar Martins afirmou ser absurda a tentativa de transferência. “Ele, que tem sempre mais de 15 mil pessoas assistindo à missa, é preocupado com a nossa sociedade, e, agora, Dom Washington quer transferi-lo para fora do Estado, o que é terrível”, afirmou. Paulo Cezar se dispôs, inclusive, a lutar e organizar abaixo-assinados em favor permanência do padre. “Não vamos deixar este absurdo acontecer”, finalizou.
Abaixo-assinados, no entanto, já estão correndo a internet e os bairros de Goiânia. Até ontem, o virtual (www.peticaopublica.com.br) já contava com quase cinco mil assinaturas. Outras listas semelhantes estão correndo os bairros da cidade. A expectativa é que, ainda este mês, o número de assinaturas de favoráveis à causa ultrapasse a casa das 10 mil. Todos pedem que o arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz, reconsidere.
A cabeleireira Simone Auxiliadora da Silva está entre o grupo que decidiu coordenar abaixo-assinado em favor da permanência do padre. A iniciativa de clientes do salão que Simone mantém no Setor Cidade Jardim, já angariou mais de seis páginas de assinaturas. “É uma tentativa de tocar o coração do bispo para não tirá-lo,” diz. A última missa do padre estaria prevista para o dia 15 de maio.
Tentativas
A passeata deste domingo foi mais uma etapa da série de tentativas de sensibilizar a Arquidiocese de Goiânia. Na última segunda-feira, por exemplo, fiéis reuniram-se na praça onde está localizada a igreja para um encontro de orações pela reversão da decisão de Dom Washington e pelo futuro dos projetos sociais desenvolvidos pela paróquia. Há possibilidade de outros atos públicos contra a transferência. A data e do local para onde o padre seria deslocado ainda não foram confirmadas pela Arquidiocese.
“Vamos lutar até o último minuto. Fazer tudo o que for possível. Vale a pena, quando o amor é causa maior,” adianta Rodrigo Borges, membro da igreja. O próprio padre já manifestou o desejo de continuar à frente da paróquia.
Os rumores de que o padre pode ser transferido para outra paróquia ou até outra cidade (27 municípios compõem a arquidiocese) circulam no meio católico desde janeiro. Mas foi no dia 06 de abril, quando a Arquidiocese de Goiânia confirmou que articula a transferência, que os católicos começaram a se mobilizar.
Apesar do carisma do padre, o principal motivo para a tentativa pública de reverter a situação é o temor dos fiéis quanto à continuidade dos trabalhos sociais coordenados por Luiz Augusto. A sagrada família mantém números impressionantes de projetos sociais, que vão desde distribuição de cestas básicas, disponibilidade de abrigos, creches, atendimentos médico e odontológico, fornecimento de remédios, aulas de teatro, música, idiomas, informática, matemática e português; até serviços jurídicos, atendimentos em hospitais, presídios e aos moradores de lixões.
Obras sociais
Cerca de 200 profissionais das áreas de Saúde – desses, 50 são médicos de diferentes especialidades -, Direito e Assistência Social prestam serviço na paróquia. Há, ainda, núcleos destinados à promoção da atividade esportiva na terceira idade, à inclusão de deficientes auditivos, físicos e visuais.
As obras sociais da paróquia já foram, inclusive, tema de documentário realizado pela jornalista Mirian Tomé. Ela está entre os defensores da permanência do padre na igreja da Vila Canaã. “Padre Luiz merece seguir a trajetória dele. Trabalho que atende e salva vidas,” afirma Mirian. “Além das obras materiais será difícil outro Padre conseguir fazer tantas obras nos corações dos fiéis,” diz Amarildo Júnior, outro defensor da permanência.
Cada missa celebrada por Luiz Augustos recebe, em média, cinco mil pessoas. Diariamente ele celebra duas missas. Aos domingos, o número sobe para cinco. A paróquia tem média de 40 mil frequentadores assíduos. Nas missas, a igreja recebe fies de outros bairros, cidades goianas e até de outros Estados. Para comportar o aumento da demanda, desde que Padre Luiz assumiu, em 21 de março de 1996, a paróquia já passou por três reformas.
Na última delas, foi construído um segundo andar. Com capacidade para cinco mil pessoas sentadas, ainda assim fiéis assistem missa de pé e até de fora da paróquia. A rua e a praça onde se localiza a igreja ficam lotadas de pessoas que acompanham via telão as celebrações de Luiz Augusto.
Transferência fomenta debate nas redes sociais
O movimento, intitulado Fica, Padre Luiz!, ocorre, inclusive, nas redes sociais. Twitter (twitter.com/ficapadreluiz), Facebook (Paróquia Sagrada Família – Goiânia/GO) e Orkut (Paroquia Sagrada Familia Gyn e Eu Amo o Pe. Luiz Augusto) mantêm discussões ativas sobre o tema. Blogs também tratam do assunto. É o caso do Família Pioneira (http://familiapioneira.blogspot.com), diário virtual de propriedade da administradora Maria Dulce, casada com um dos netos de Pedro Ludovico, nora de Mauro Borges Teixeira.
Além de falar sobre os trabalhos desenvolvidos pelo padre, a blogueira afirma que milhares de pessoas deixarão a paróquia junto com ele. “A fé é em Deus, mas os padres de hoje estão longe de ser o que o padre Luiz Augusto é e de transmitir tamanha confiança como ele consegue,” escreve. O texto tem mais de 100 comentários. Todos favoráveis à permanência de Luiz Augusto.
A hipótese levantada por ela também corre nos bastidores. Empresários que ajudam financeiramente a manter os trabalhos sociais na Sagrada Família tendem a por fim no apoio, caso a saída do padre se consume. Sem a contribuição deles e com a diminuição expressiva do número de fiéis, os projetos podem ser inviabilizados.
“As pessoas ajudam financeiramente também pela postura que o padre mantém. Ele não tem carro, ainda mais de luxo como a maioria dos líderes religiosos; não tem nem telefone celular, veste roupas usadas, não fica fazendo viagens internacionais. Na verdade, nem se ausenta da paróquia. Padre Luiz não proclama o evangelho. Ele o vive,” declara a advogada Gisele Mendonça. “Não é uma questão de obediência ao pagamento do dízimo é ter certeza, perceber de maneira palpável, como ele é transformado para o bem. Padre Luiz prega com a vida,” acrescenta depois de citar Francisco de Assis: “pregue sempre o evangelho. Se necessário, use palavras.”
Debates
Até mesmo a minoria que é publicamente favorável à articulação da arquidiocese reconhece a importância do trabalho realizado pelo padre. A maioria das argumentações favoráveis à saída de Luiz Augusto sustenta-se na tradição católica de rodízio entre os padres e no voto de obediência feito por todos os religiosos no ato de consagração. Mas os argumentos são insuficientes para enfraquecer o movimento e desencadearam forte debate sobre tradição e obediência dentro das religiões.
“Padre Luiz é ótimo. Por isso precisa ser transferido. Não sejam egoístas. Outras comunidades precisam de trabalhos como o dele,” expões Ricardo Lima. “Que outras comunidades desenvolvam ações semelhantes então. Bons exemplos estão aí para serem copiados. Em time que está ganhando não se mexe,” responde Carlos Dias. Em artigo público no dia 17 de janeiro, o arcebispo Dom Washington Cruz afirma que “transferência de lugar é um recurso antigo na igreja para ajudar todos, padres e paroquianos, a oxigenar suas práticas e a crescer na fidelidade ao evangelho.” Mas o texto do arcebispo metropolitano de Goiânia também não conseguiu apaziguar os debates.
“O que é mais importante a tradição ou o bem que se faz ao próximo?” questiona Lourdes Pereira. “Entendemos toda essa parte burocrática da Igreja Católica, mas convenhamos: bom senso e os códigos e normas da igreja católica devem andar de mãos dadas,” diz Ricardo Basílio. “Será mesmo que essa transferência envolve motivos puramente missionários? Principalmente agora, depois da completa reforma e ampliação da paróquia,” indaga Taís Melo.
“Não podemos ser egoístas ao ponto de ir contra a vontade de Deus já que acreditamos que tudo acontece pela vontade de Deus,” contrapõe Leh Oliveira, favorável à decisão da arquidiocese. “Como se pode ter certeza de que o interesse do bispo em mudar o Padre Luiz de paróquia é a vontade de Deus? E outra, nem tudo acontece pela vontade de Deus. O pecado entrou no mundo não pela vontade de Deus. Ou você acha que Ele mandou Adão e Eva pecarem?,” responde Ricardo.
“Padre Luiz fez voto de obediência. Se Dom Washington mandar ele tem que se sair e pronto. Chega de rebeldia,” afirma Ana Lúcia Santos. “Foi essa mesma ideia de obediência incondicional às decisões da igreja, mesmo quando equivocadas, que sustentou barbáries como a violenta catequização de índios e a inquisição. Muitos erros e pecados já foram – e continuam sendo – cometidos em nome de Deus. Fé e bom senso devem coexistir e não se repelir. Um olhar um pouco menos alienado e mais apurado pode indicar que a decisão sobre a transferência do Padre Luiz não envolve fatores puramente missionários,” pondera Giselle Vanessa Carvalho.
Até ontem, mais de 200 posts tratavam no assunto apenas nas páginas do Orkut. A tag#ficapadreluiz aparece em centenas de posts do Twitter.
História
Nascido na cidade de Rio Verde no dia 15 de abril de 1960, Luiz Augusto cursou estudou na Escola Agrícola de Rio Verde e, aos 19 anos, veio para Goiânia onde se formou em Letras e Direito, com especialização em Teoria Geral do Direito. Cursou também dois anos de Medicina Veterinária na Universidade Federal de Goiás. Em 1982, começou a participar do grupo de oração Maria de Nazaré na Catedral Metropolitana de Goiânia, onde descobriu a vocação ao sacerdócio.
Entrou para o Seminário Agostiniano permanecendo lá por um ano. Tempos depois, conheceu a Comunidade Canção Nova (Cachoeira Paulista – SP), onde teve a primeira experiência de vida comunitária. Concluiu o curso de Teologia no Instituto Sagrado Coração de Jesus em Taubaté (SP). De volta a Goiânia, foi ordenado diácono e começou a exercer esse ministério na Paróquia Sagrada Família ao lado do Padre. Leonir. Foi ordenado sacerdote em 01 de outubro de 1995. Foi nomeado administrador paroquial da Paróquia Sagrada Família pelo Arcebispo Dom Antônio Ribeiro de Oliveira no dia 21 de março de 1996.
(Com texto da equipe do Movimento Fica Padre Luiz)