“De todos os gols que eu narrei em toda a minha vida, o grande gol foi um de Dirceu Lopes, em um Cruzeiro 3, Santos 2 no Pacaembu”. Com recém completados 50 anos de carreira na crônica esportiva, o narrador Édson Rodrigues não tem dúvidas ao fazer esse registro. Ele se referia ao gol de empate do time celeste contra o peixe na partida decisiva da Taça-Brasil de 1966, que deu o título da competição à raposa. Na partida de ida o Cruzeiro venceu o Santos de Pelé por 6 a 2 no Mineirão, com nada menos do que três gols de Dirceu Lopes.

O ex-atacante, juntamente com o ex-meia José Carlos e o também ex-atacante Palhinha, todos representantes da grande era do Cruzeiro entre as décadas de 1960 e 1970, e o ex-goleiro do Atlético-GO, Pedro Bala, estiveram na RÁDIO 730 para contar os feitos de um período em que o futebol dava outro tipo de brilho aos olhos do torcedor. Uma transferência internacional, a consagração em um grande clube europeu, um bom contrato de marketing, todas pretensões frequentes entre os novos atletas que surgem no futebol atualmente, e que não eram prioridade antigamente.

“Nascemos na época de ouro do futebol brasileiro, porque tivéssemos nascido hoje, com certeza não teríamos vínculo nenhum com o Cruzeiro. Isso que eu penso que é a melhor fortuna, mesmo porque a gente nasceu em uma época em que a gente preocupava em ser, não ter”, diz Dirceu Lopes, com nenhuma mágoa por não ter aproveitado as inúmeras vantagens financeiras que o futebol fornece hoje. “Antigamente tinha talento em excesso”, analisa Dirceu. “Agora para montar uma seleção, é uma luta”, completa José Carlos, que ficou de fora da Copa de 1970, assim como craques do nível de Ademir da Guia, o próprio Dirceu Lopes, e tantos outros, porque era impossível não levar Tostão, Pelé, Rivelino e companhia.

Problema na base

A grande mudança que o futebol viveu está fortemente representada nas categorias de base. Os ídolos revelam a insatisfação com as prioridades atualmente na hora de selecionar uma jovem promessa. “Hoje não há preocupação de revelar o jogador para o clube, tanto que a gente quando leva algum jogador para um clube grande, eles não perguntam se eles jogam, eles perguntam a altura”, afirma em tom descrente Dirceu Lopes, que trabalha no futebol amador do Cruzeiro atualmente.

Palhinha tem noção exata de quando o panorama atual do futebol começou a se consolidar. “O futebol começou a acabar, para mim, em termos de espetáculo, de qualidade, no momento em que entrou o Coutinho. Entrou a teoria, e não entrava a prática”, afirmou o atacante campeão da Libertadores com a camisa cruzeirense em 1976. Ele se referiu ao técnico da seleção brasileira na Copa de 1978, Cláudio Coutinho, que durante a Copa na Argentina foi duramente criticado pelo esquema burocrático que mantinha.

Todos concordam que hoje a preparação física é essencial no futebol, o que tem prejudicado o espetáculo, e diminuído os lances mágicos que eram constantes antigamente. “Para essa parte (física) entrou muitos teóricos. Entrou muito professor de educação física, que hoje passaram a serem treinadores, que nunca deram um chute numa bola, não tem capacidade de dar um fundamento”, esbraveja Palhinha. “Honestamente, eu joguei bola 20 anos, fui treinador 10 anos, e hoje eu não consigo ver um jogo de futebol. Não tem qualidade, o jogador não consegue dar um passe de meio metro”, completa. “Aparece alguns talentos, mas igual antigamente vai ser difícil”, reconhece José Carlos.

“Hoje jogador profissional ganha em um mês o que a gente ganhava em três anos”

O dinheiro envolvido no futebol chega a cifras inimagináveis a cada ano. Os salários e contratos de publicidade aumentam cada vez mais, e fazem do jogador uma celebridade de uma indústria forte. “O futebol brasileiro se divide em duas etapas, antes e depois do Pelé. Antes do Pelé o jogador não se dava valor, ele não tinha a vida digna de um atleta. E depois do Pelé as coisas mudaram. O próprio jogador era um marginalizado na sociedade. A partir do Pelé o jogador passou a se valorizar, aí começou o procurador, assessores”, analisou Dirceu.

Um depoimento descontraído de Pedro-Bala exemplifica bem a discrepância entre essas épocas distintas no mundo do futebol. Na final do Campeonato Goiano de 1970 entre Atlético-GO e Vila Nova, ele fez uma defesa plástica de um chute do meia Mosca, um dos maiores ídolos do colorado goiano, o que garantiu o título para o Atlético-GO. “Essa defesa me rendeu o quê, é claro que é gozação: um pijama, uma bicicleta, um moto-rádio… mas foi bom pelo prestígio que eu consegui no futebol goiano”, contou o ex-goleiro atleticano. Por essas e outras Palhinha não tem dúvidas quando afirma que “hoje um jogador profissional ganha em um mês o que a gente ganhava em três anos”.