Por Jaime Balbino
Publicado originalmente na Edição nº 3 da Revista Espírito Livre
Há apenas alguns anos era fácil apontar onde se encontravam e quem detinha os saberes mais valiosos da humanidade. Escolas, universidade, bibliotecas, enciclopédias, governos, indústrias, empresários, cientistas, jornalistas e outras personalidades sempre foram referência de onde encontrar o conhecimento acumulado e organizado. Éramos consumidores daquilo que nos faziam chegar pela televisão, jornal, livros e discos, e nossa crítica se limitava a escolher no quê concordar e em qual mídia confiar.
A deselitização dos meios de produção e distribuição do conhecimento trouxe uma nova constatação, tão importante, revolucionária e perigosa que até agora não é encarada de frente pelos antigos donos do poder: era o controle das mídias e dispositivos, e não alguma visão superior da realidade, o responsável pelo monopólio dos saberes universais e pela lucrativa indústria cultural e da informação. Não há eleitos para guiar a humanidade pelo caminho da evolução, apenas déspotas visionários ou conservadores a ditar seus próprios interesses no que julgam ser benéfico para todos.
Hoje, no mundo, o embate sobre a qualidade do conhecimento cultivado dentro das novas mídias confrontam pesamentos velhos e novos, assim como modelos e personagens que tentam perpetuar a si mesmo e a seus negócios contra outros quase-anônimos que querem suas teses reconhecidas e suas opiniões validadas. São dois grupos diferentes que desenham dois mundos distintos e excludentes: aquele formado só por consumidores de informação e aquele formado só por autores/produtores de conhecimento – todos nós.
Conhecimento é a palavra-chave aqui. Ele representa tudo aquilo que se sabe, aplica e é aprendido. É mais do que educação, política ou técnica e não se limita a um único indivíduo por envolver também o processo coletivo que o construiu. É como concluiu Paulo Freire: “ninguém aprende sozinho”. Para nós da nova era o conhecimento é obrigatoriamente o produto de uma ação social coletiva e, por conseguinte, não se constrói individualmente ou pode ser “importado” de outra pessoa ou lugar, apenas reinterpretado.
O conhecimento como produto exclusivamente social torna evidente as contradições da indústria cultural, que aprendeu a transformar em produto arte, ciência e moda a partir do controle que tinha dos meios de produção e distribuição. Agora que os meios estão cada vez mais acessíveis e a distribuição independe das mídias físicas seu papel social tende a se reduzir, enquanto sua antiga voz de comando silencia por completo. A questão é que não há consenso possível para visões de mundo tão antagônicas. Se a excelência e profissionalismo das grandes corporações nos dá garantia de um conhecimento limpo e perfeito, nada de útil pode advir de qualquer produção gestada em público. E vice-versa.
A construção colaborativa do conhecimento nada mais é que o trabalho cotidiano que viabiliza a própria humanidade, já que o conhecimento é normalmente assim construído. Por toda a história as comunidades locais sempre tiveram a matéria-prima, a diferença é que agora elas também têm acesso às técnicas e às tecnologias para organizar e divulgar seus saberes. Assim, tal qual previu Milton Santos, a forma como o conhecimento se desenvolve está cada vez mais coletiva e ao mesmo tempo independente dos “intelectuais” de sempre e de uma globalização controlada.
O artigo “DE QUE MATÉRIA É FEITO O CONHECIMENTO?” foi escrito por Jaime Balbino e publicado originalmente na edição nº 3 da Revista Espírito Livre. Para ter acesso a este e outros artigos na íntegra, não perca tempo e baixe a edição nº 3 da Revista Espírito Livre ou as outras edições gratuitamente no site oficial da revista.