O perfil de quem mora nas ruas de Goiânia mudou e, definitivamente, o “homem do saco” não está entre eles. A estimativa do poder público é que essa população fique em torno de 500 pessoas. A Secretaria de Assistência Social de Goiânia chegou a esse número a partir de um questionário respondido por 200 pessoas que moram nas ruas e estima que ainda existam outras 300 perambulando na cidade.
Já a Polícia Militar, com a Operação Salus realizada em 2012, contou 348 pessoas nessa situação. Segundo o levantamento da polícia, a maioria tem envolvimento com o crack e álcool, 65% deles tem passagem por homicídio e 70% não são daqui do Estado. Independentemente da natureza do levantamento a cerca da quantidade de mendigos, todos concordam que eles preferem ficar nas ruas por que não aceitam as regras dos abrigos
Goiânia tem apenas um abrigo público para receber essa população que está nas ruas, além das casas mantidas por igrejas. A Casa de Acolhida, mantida pela Prefeitura de Goiânia, no bairro de Campinas, foi criada em 2007 para ser um espaço temporário para essas pessoas. O local oferece banho quente, quatro refeições diárias, sala com televisão, quartos separados e atendimento com psicóloga e terapeuta educacional. Eles são encaminhados para fazerem documentos pessoais, que muitos não tem, e passam por consultas médicas. Mas por que eles preferem as ruas?
Para a coordenadora da Casa, Valdirene Ribeiro Marinho Leal, sempre há vagas por lá. “Mas eles não querem regras”. A maioria é dependente de álcool e crack e não consegue sequer esperar para ser encaminhado a uma vaga de tratamento, que leva até dois dias para sair. “Eles não conseguem seguir nossas regras. O horário de retorno ao abrigo, para eles, é uma das mais difíceis de serem seguidas”, justifica a coordenadora.
O diretor de Proteção Social Especial da Secretaria Municipal de Assistência Social, Manoel Severo Goulart Neto, também atribui à existência de regras a causa para muitos moradores nem procurarem o abrigo. Para ele, a grande dificuldade é a questão da liberdade. “Na rua, não tem limite, não tem horário para nada. E a partir do momento em que ele (o morador em situação de rua) sofre essa mudança e vai para um abrigo temporário, se sente preso, quer usar droga e fazer o que está acostumado a fazer na rua”, conta.
Quem procura o poio da Casa de Acolhida pode sair durante o dia, mas deve retornar no início da noite. Valdirene Ribeiro diz que esse horário é sempre um conflito porque muitos saem, bebem ou consomem droga e voltam alterados. Nessa situação, eles já não podem ser acolhidos na casa. São pessoas que perderam os vínculos com a família e, devido à carência de abrigos permanentes, voltam para as ruas. As casas de atendimento permanente só recebem idosos e portadores de transtornos. “O trabalho feito no abrigo acaba sendo em vão porque eles retornam para as ruas”, observa Valdirene Ribeiro. De acordo com ela, o necessário hoje é ter um local adequado para encaminhar esse morador de rua para se tratar.
Segundo Valdirene Ribeiro, somente as pessoas em crises de abstinência são atendidas no Hospital Psiquiátrico Wassily Chuck e, nessa condição, conseguem ser encaminhados para o tratamento. Como não há outra forma de acesso a atendimento dessa natureza mantido pelo poder público, a direção da Casa só consegue vaga de internação na Casa de Eurípedes, que chega a oferecer apenas uma vaga por semana.
Para 2013, a Semas pretende criar novos abrigos. Alugar prédios para acolher homens, mulheres, casais e idosos em espaços diferentes. É um projeto para longo prazo que começa a ser discutido. Atendendo grupos menores, eles acreditam que será possível até melhorar o serviço prestado pela Prefeitura.
Outra medida a ser tomada pela Semas, nos próximos dias, será acionar o Ministério Público quanto à ocupação de imóveis abandonados na cidade por parte de algumas famílias que não têm onde morar. Um desses imóveis está nos arredores da Marginal Botafogo, no setor Leste Universitário. No galpão embargado, que pertence ao Instituto dos Arquitetos do Brasil, hoje mora uma família com criança pequena, dois cães e muito lixo reciclável.
Das pessoas em situação de rua que a reportagem abordou, somente Roger, de 27 anos, aceitou conversar. Ele está em Goiânia há nove anos. Veio do maranhão para trabalhar como barmam e, como o serviço não saiu, ele foi se envolvendo com “as coisas da ruas” e “coisa ruim”, como definiu. Recentemente, ele foi esfaqueado por outro morador de rua. Roger conta que a mãe e as irmãs não sabem da situação em que ele se encontra, que se sente envergonhado e não teria coragem de voltar.
Há poucos dias no abrigo, ele confessou que estava lá porque foi convidado pela “tia” – como ele chama a assistente que o encaminhou para o abrigo – e tinha medo de desapontá-la, e também porque ainda estava fraco da operação. Roger disse que gosta mesmo é da liberdade e pode ser que ele nem esteja mais lá.
O comandante do Policiamento da Capital, coronel Márcio Gonçalves de Queiroz, atribui à rejeição pelo abrigo ao perfil desajustado dessas pessoas. “Muitos estão na rua desde a infância, geralmente são fruto de um lar desajustado em função da relação dos pais, que acabam por ‘jogar’ essa pessoa para a rua.” Outros, acrescenta, são criminosos, cumpriram pena, não conseguiram retornar ao trabalho e muitas vezes foram abandonados por suas famílias. “Não são qualificados para o mercado de trabalho e não conseguem nenhum emprego. Enfim, e gostam da vida libertina”, diz.
O comandante critica a atuação das entidades que acolhem os moradores. “Goiânia é uma cidade muito acolhedora. Existem várias entidades ligadas às igrejas e ao próprio município que acabam com que essas pessoas perpetuem na rua e eles realmente não querem abandonar essa vida.” O que, segundo o policial justifica a curta permanência dessas pessoas em abrigos. Ele disse que a preocupação da Polícia Militar é não deixar que a situação em Goiânia chegue à deprimente situação de São Paulo e se formem as cracolândias.
Tanto os representantes do poder municipal como a Polícia Militar concordam que simplesmente abrir mais abrigos não resolveria esse problema social e que essas pessoas de fato precisam de tratamento clínico. E isso, o poder público não está conseguindo oferecer.