Só quem já bateu um carro ou se envolveu de alguma forma num acidente e precisou de algum reparo em seu veículo vai entender o que tem passado uma profissional liberal de Goiânia. No início de fevereiro, a personal trainer Roberta Moreira se envolveu num acidente de carro, acionou o seguro e o conserto, que parecia simples, tem se arrastado até hoje. O carro dela, um Punto ano 2010 fabricado no país, só precisa de um farol. Ela já utilizou o carro reserva do seguro por 15 dias. E nada da peça chegar. Soube que, nesse período, o carro ficou parado na oficina autorizada, mas sem passar pela manutenção. O carro dela continua encostado e para não perder clientes, a personal se viu obrigada a alugar um carro.

A reportagem percorreu algumas oficinas na cidade e constatou que são muitos os carros que ficam parados por longo período à espera de peças para reposição.

carros paradoUm dos proprietários diz que muitas vezes ele perde o serviço porque o cliente não pode esperar o prazo para a chegada da peça. Em outra oficina, o dono admite que muitas vezes é preciso recorrer ao mercado negro e até mesmo ao ferro velho para conseguir a peça necessária para o conserto do veículo. “O cliente reclama muito do tempo de espera e a oficina perde tempo, dinheiro e até espaço, porque os carros parados ocupam o espaço. Necessitamos de mais agilidade e as concessionárias não estão conseguindo abastecer o nosso mercado”, argumentou um dos donos de oficina.

Um representante de uma oficina autorizada diz que esse desabastecimento de peças para carros se deve ao aumento da frota. “Antigamente, uma família tinha um carro ou nem tinha. Hoje uma família tem 3 até 4 carros e o fabricante não estava preparado para essa demanda de veículos”, explica. Para atender o cliente, a oficina onde ele trabalha mantem dois estoques de autopeças e, dependendo da urgência, eles recorrem a outras concessionárias e até direto ao fabricante, quebrando a cadeia do setor.

Ouça a matéria na íntegra: {mp3}stories/audio/2013/Marco/denise_santiago-autopecas{/mp3}

Explicações

Segundo o diretor executivo da ANFAPE, Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças, Roberto Monteiro, a crise no setor de reposição já ocorre há muito tempo, desde 2007, mas agora se agravou e a tendência é piorar. Ele atribuiu esse desiquilíbrio ao aumento da venda de carro zero quilômetro no País e ao fato das montadoras não estarem preparadas para abastecer o mercado no pós-venda.  Para Monteiro, outro agravante é o fato de as montadoras impedirem as fábricas de peças de atenderem o mercado independente. “Elas querem o monopólio do setor e conseguem isso por meio de ações judiciais”, lamenta.

Para garantir a presença das autopeças no mercado, a Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças entrou com ações contra as montadoras junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica e ao Ministério Público do Rio de Janeiro, que já iniciaram suas investigações. Sem precisar números, o diretor da associação garante que algumas fábricas tiveram que encerrar suas produções de peças para automóveis por ordem judicial das grandes montadoras. Ao banir as fábricas de autopeças do mercado, as montadoras querem garantir o monopólio do mercado de peças, mas como não conseguem abastecer esse mercado acabam empurrando os consumidores para os desmanches ilegais,
fomentando ainda mais a criminalidade. O desabastecimento aquece também a importação de produtos da China, que ganham cada vez mais espaço no mercado brasileiro. Um crescimento que dificilmente é controlado.

O Sindicato do Comércio Varejista de Veículos, Peças e Acessórios do Estado (Sincopeças) culpa à substituição tributária do governo pelo desabastecimento do setor de autopeças. O presidente da entidade, Walter de Oliveira, explica que hoje o lojista paga imposto antes da mercadoria circular e que por isso não é possível manter peças em estoque. Ele explica que reduzir ou zerar o estoque foi a forma que o pequeno comerciante achou para se proteger, mas as concessionárias foram as primeiras a perceber isso e nem mesmo elas mantem estoque parado. “Se hoje o proprietário fica 60 ou até 90 dias esperando uma peça de reposição é porque todos querem se resguardar.”

walter sincopecasSó em Goiás, o setor de autopeças tem cerca de oito mil lojas que empregam 120 mil trabalhadores. Micro e pequenos empresários respondem por 95 % dos lojistas do setor. Para tratar da guerra entre esses empresários e as montadoras, o Sincopeças instalou em 2003 um Fórum Permanente de Discussão Varejo/Atacado, para discutir o presente e o futuro do mercado independente de autopeças e acessórios em Goiás. A batalha vem se arrastando e até que se acertem os ponteiros, a personal trainer do início da reportagem, Roberta Moreira, continua pagando pela locação de um carro porque um bendito farol do carro dela ainda não chegou em Goiânia. Boa sorte, Roberta!