Só este ano, 3.172 veículos foram furtados ou roubados no Estado, cerca de 30 por dia, sendo 1.769 apenas em Goiânia. Segundo dados da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos Automotores (DERFRVA), o número é 13,1% maior que o registrado no mesmo período de 2012. Os motivos ou demanda para os furtos e roubos de veículos são diversos: moeda de troca por drogas, desmanche para venda irregular de peças, clonagem. O delegado titular de repressão a furtos e roubos de veículos, Edson Carneiro, alerta que uma nova modalidade tem incentivado esse tipo de crime e estabelecido uma espécie de “indústria” do carro roubado em Goiás, definida pela polícia como máfia dos salvados. “Nós observamos que todas as vezes que tem leilão de um grande lote de camionetes, o índice de roubo desse tipo de veículo aumenta porque, em Goiás, há centenas de donos de oficinas clandestinas que encomendam carros roubados, jogam em cima daquele sinistrado todo arrebentado e monta um veículo novo com documentação regular.”Delegado Edson Carneiro

Salvados são aqueles veículos sinistrados ou acidentados com laudo de perda total, que são vendidos irregularmente como se fossem carros recuperáveis. Desta forma, descumpre-se o disposto no art. 126 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), segundo o qual “o proprietário de veículo irrecuperável ou definitivamente desmontado deverá requerer a baixa do registro no prazo e forma estabelecidos pelo CONTRAN”.

De acordo com o superintendente executivo da Secretaria de Segurança Pública, Cel. Edson Costa de Araújo, esses veículos segurados, quando sinistrados com laudo de perda total, são indenizados e transferidos para a propriedade das seguradoras às quais compete a proceder a baixa do registro do veículo. Isso é o que diz a lei.

De forma ilegal, muitos desses veículos são revendidos como recuperáveis e, como em Goiás não há regulamentação adequada e nem fiscalização eficiente, a documentação e chassis do veículo são mantidos válidos. Assim dá-se início a um grande negócio criminoso. “O bandido se aproveita da omissão da lei, encomenda o roubo de veículo igualzinho ao adquirido no leilão e faz a “trepagem” no documento. A legislação ineficiente permite uma concentração muito grande de “salvados” em Goiás, o que vem fomentando o roubo de veículos no Estado. Muitos dos frequentadores dos leilões não estão nem aí para as condições do carro que estão comprando, o interesse deles mesmo é pelo documento. Aí acontecem aberrações de venda de sucatas definidas como recuperáveis”, relata Cel. Edson Costa.

edson costaA reportagem da Rádio 730 participou de um dos diversos leilões realizados em Goiânia todos os meses e constatou a facilidade para se comprar um veículo irrecuperável com documentação regular no Detran. O processo é tão corriqueiro que, sem se identificar, um participante deu detalhes do processo e nem se incomodou com a falta de fiscalização que acaba atraindo criminosos. “O sinistrado é melhor para comprar porque sai bem mais barato e os documentos são quentes. Eu, por exemplo, compro para tirar peças, mas conheço gente que vem aqui só por causa do documento”.

O comércio de veículos sinistrados deve obedecer aos ditames da Resolução nº 011/98 do CONTRAN e apenas os veículos recuperáveis, ou seja, com danos máximos de média monta, podem voltar a circular. Veículos irrecuperáveis, enquadrados com “perda total”, só podem ser vendidos como sucatas. O órgão executivo de trânsito deve baixar os documentos e inutilizar partes dos veículos que contenham o número de identificação. Porém, são as  próprias seguradoras que definem o enquadramento dos sinistrados – se de pequena, média ou grande monta – que vão a leilão, obedecendo aos seus interesses econômicos. Isso possibilita que sucatas sejam arrematadas como veículos recuperáveis.CARROS SUCATEADOS

CORONEL SEBASTIÃO VAZEm nota, a assessoria de comunicação da Federação Nacional de Seguros de veículos se defendeu alegando que desconhece esse tipo de prática. De acordo com o Guia de Boas Práticas desenvolvido pela entidade, as seguradoras são orientadas a efetuar a baixa dos veículos sinistrados com danos de grande monta ou irrecuperáveis nos departamentos de trânsito, atendendo assim ao Código Brasileiro de Trânsito e a regulamentação do Contran, antes da venda como sucata. No caso da venda de sucata em leilão é recomendada a marcação das principais peças do veículo e é sugerida também a criação de cadastro dos compradores de salvados e sucatas. O problema é que essas recomendações são ignoradas pela maioria das seguradoras do País.

O próprio Detran revela-se impotente diante o esquema. Em março do ano passado foi editada uma portaria que torna obrigatória a chamada vistoria prévia dos veículos que vão a leilão.  Uma determinação que, segundo o diretor técnico do Detran, Cel. Sebastião Vaz, não é cumprida porque as empresas que realizam os leilões simplesmente não comunicam as datas dos eventos. “Em certa ocasião, nossos vistoriadores foram barrados pelas empresas e, por isso, acionamos o Ministério Público e a Polícia Civil”, conta o coronel.Polyanna-Borges

O MP investiga o caso e providencia uma ação civil para que a portaria seja obedecida pelos leiloeiros. O Detran tenta ainda normatizar o emplacamento do veículo, inclusive com código de barras e lacre rastreado, para combater a clonagem e transplante de carros, medidas que só devem ser adotadas no próximo semestre deste ano.

A publicitária  Polyanna Arruda foi uma das vítimas desse sistema criminoso. Conforme concluiu a Polícia Civil, Polyanna foi morta em 2009 durante uma tentativa de roubo especificamente por estar dirigindo um automóvel Prisma preto com as mesmas características de um veículo sinistrado que havia sido arrematado por criminosos em um leilão para que dele fosse construído mais um “salvado”.

Em janeiro deste ano, 90 pessoas foram presas por envolvimento com roubo, furto ou receptação de veículos e foi registrada ainda a participação de mais de 50 menores na prática do delito. A prisão das quadrilhas não tem efeito prático, pois os criminosos ficam pouco tempo presos ou são rapidamente substituídos por outros dentro da máfia dos salvados.