O uso excessivo das redes sociais tem ganhado novos contornos na discussão sobre saúde mental. Um termo em inglês tem se popularizado nas plataformas digitais para descrever um fenômeno preocupante: o brainrot, que em tradução livre significa “cérebro apodrecido”. Mas, afinal, o que isso quer dizer?
Segundo a neurologista Roussiane Gaioso, entrevistada no programa Tom Maior, o brainrot é um reflexo direto da sobrecarga de estímulos a que estamos submetidos diariamente, especialmente por meio de conteúdos em vídeo curto, como os populares Reels e TikToks.
“É um cérebro que está constantemente exposto a estímulos visuais e sonoros de forma muito intensa. Isso deixa o cérebro cansado e mal acostumado”, explica a médica. A especialista afirma que esse padrão de consumo impacta a memória, a atenção e o equilíbrio emocional, muitas vezes sem que o indivíduo perceba.
“Os pacientes chegam dizendo que estão esquecidos, desatentos, ansiosos ou até depressivos, mas não associam isso ao tempo exagerado que passam nas telas”, diz Rosiane. Ela ressalta que é comum encontrar no consultório casos de pessoas que passam entre seis e nove horas por dia em frente ao celular ou ao computador. “Nem sempre é TDAH. Quando investigamos, vemos que é uma disfunção causada pelo excesso de estímulos tecnológicos”, alerta.
Crianças: as maiores vítimas do excesso de dopamina
Se os adultos já sofrem com os efeitos do consumo excessivo de tecnologia, as crianças e adolescentes estão ainda mais vulneráveis. Roussiane destaca que o cérebro em desenvolvimento é especialmente sensível ao fluxo contínuo de dopamina — o neurotransmissor do prazer — gerado pelo uso das redes sociais.
“Quanto mais pudermos postergar o contato prolongado das crianças com essas redes, melhor. A gente está formando redes neurais, e o excesso de telas pode atrapalhar o raciocínio lógico e o desenvolvimento emocional”, afirma.
A neurologista relata que recebe em seu consultório crianças com sintomas de ansiedade, agitação, isolamento social e dificuldades de aprendizado, mesmo sendo inteligentes. “O conteúdo muito rápido, com alta luminosidade e sons intensos, predispõe a um cérebro inquieto e dependente de estímulos fáceis”, explica.
Alternativas saudáveis para estimular a dopamina
Para reduzir os impactos negativos, Roussiane defende o retorno a práticas que estimulem a dopamina de forma natural, sem o uso da tecnologia. “Brincadeiras ao ar livre, andar de bicicleta, jogar futebol, fazer um bolo com os pais… tudo isso gera prazer e libera dopamina”, afirma. “A atividade física, inclusive, é uma das formas mais eficazes e naturais de cuidar da saúde mental.”
Ela destaca que o prazer é subjetivo e que cada pessoa pode encontrar diferentes formas de se desconectar e sentir bem: “Tem gente que gosta de ler, outras de cozinhar ou dançar. O importante é criar momentos longe das telas e treinar o cérebro para outros estímulos”.
Como sair do vício?
O primeiro passo para mudar a relação com a tecnologia, segundo a médica, é reconhecer o problema. A partir disso, é possível estabelecer limites e criar rotinas mais saudáveis. “Tem que ter regra. Estabeleça horários para usar o celular, evite o uso antes de dormir e durante as refeições. O uso excessivo atrapalha o sono, a alimentação e até o rendimento no trabalho”, orienta Rosiane.
Ela destaca a importância do acompanhamento profissional e da conscientização familiar, especialmente quando se trata de crianças. “Criança não precisa de tablet para ficar quieta. Precisa de brinquedo, de interação. Quem organiza o acesso é o adulto. A responsabilidade é nossa.”
Roussiane finaliza com um exemplo pessoal. Em uma viagem de avião com os filhos pequenos, recusou-se a usar um tablet para entretê-los. “Brincamos, pintamos, e deu certo. Hoje, com 8 e 9 anos, eles não têm acesso a telas e estão super bem. A gente precisa tomar as rédeas”, conclui.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar
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