A cidade vive uma epidemia de crack e o fato é que essa peste não atinge apenas os usuários. Toda a sociedade está doente. A mais recente vítima do crack é um bebê de apenas 40 dias. Ele morreu sábado, no Hospital Materno Infantil (HMI), depois de inalar a fumaça do crack que a mãe, Daiane Lima Feitosa, estava consumindo com a criança no colo. Daiane, a outra vítima da droga, tem 24 anos e outros três filhos. O pai da criança também é usuário de crack.
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A criança que morreu já era um viciado em crack. A mãe usou a droga durante a gestação e o bebê nasceu sofrendo crises de abstinência. Provavelmente morreu de overdose. Os filhos de usuários que sobrevivem nascem com sequelas, má formação e distúrbios mentais. Já existe uma geração deles no País, filhos de pais que tiveram o primeiro contato com o crack ainda na década de 80, quando a droga surgiu no Brasil.
Esse quadro chocante tem números: De acordo com pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 2,3 milhões pessoas experimentaram a droga no último ano; 442 mil são crianças e adolescentes. O Brasil é o maior mercado de crack do mundo, aponta o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. Só no último ano, um em cada cem adultos fumou crack no Brasil. Uma estatística que contraria o que a OMS (Organização Mundial da Saúde) observa no resto do mundo, onde o consumo de cocaína e seus derivados vem diminuindo.
O crack está por trás de outra estatística alarmante: o aumento da criminalidade. Pesquisa realizada pela Unifesp com os usuários aponta a relação entre o crack e alguma forma de criminalidade. Dos dependentes pesquisados, 13% afirmaram roubar para conseguir a droga e 13% disseram prestar serviços aos traficantes. Uma em cada dez usuárias já sofreu violência sexual e um em cada dez usuários faz sexo em troca da droga. Do total de pesquisados, 53% já testemunharam mortes na Cracolândia.
Enquanto essa droga se alastra pelo País, matando, deformando e enclausurando os mais pobres, profissionais da saúde mental se engalfinham numa luta insana sobre o melhor tipo de tratamento: ambulatorial ou interno. A reforma manicomial de 2001, que pôs fim na “internação de portadores de transtornos mentais em instituições psiquiátricas com característica de asilo”, não previa essa epidemia de crack.
Vivemos uma nova era das drogas e o tratamento desses milhões de pessoas que já não colocam apenas a própria vida em risco, mas que abriram mão de tudo em troca de uma pedra de crack – inclusive da vida dos próprios filhos – deve ser repensado sem a hipocrisia do politicamente correto, mas tendo como base a emergência da situação. Não se trata de encarcerar os viciados, mas talvez de lhes dar a derradeira chance de vida.