A cidade padece com a falta de médicos e o fato é que nenhuma das soluções apresentadas resolve em definitivo o problema. Médico, desde os primórdios da civilização, existe para cuidar de gente doente. Um ser mítico que povoa o imaginário coletivo como um ser acima das questiúnculas materiais. A tecnologia e a indústria farmacêutica colocam em xeque esta aura.
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Extremos à parte, a medida provisória que criou o programa Mais Médicos e os 12 vetos à lei do Ato Médico, que regulamenta a medicina, expuseram em praça pública as vísceras do setor médico brasileiro. O Planalto é hostilizado, como se a administração pública não tivesse sempre caminhado a reboque do setor médico, que sempre foi coeso na história da construção da saúde pública.
O problema direto é que, nas últimas três décadas, os médicos dividem o papel de protagonista do setor de saúde com outras categorias médicas. A opção estratégica da categoria, então, foi deixar, paulatinamente, a saúde pública e viabilizar musculatura em outra seara, o atendimento semiprivado, ou o intermediado pelos planos de saúde. Uma estratégia conhecida por Síndrome do Retorno Triunfal.
As demandas da população por saúde se agigantam, enquanto entidades representativas dos 370 mil médicos brasileiros decidem emparedar o poder público. Haverá necessidade de se abrir inúmeras valas comuns que acomodem aos mortos, pois eles brotarão aos borbotões. A Prefeitura de Goiânia, responsável pela atenção básica, garante que o médico que atua em suas unidades é capaz de conquistar um salário mensal entre 15 e 20 mil reais (quase cinco mil, por 20 horas semanais trabalhadas, ou quase 10 mil, por 40 horas semanais; além de 800 reais por cada plantão de 12 horas).
Esta suposição salarial pode vir a ser inflada nas próximas semanas, com a instituição de um bônus por desempenho a médicos e a funcionários da Secretaria de Saúde. As entidades representativas da categoria, assim como as cabeças pensantes do mundo acadêmico nacional, garante que nada disso surtirá efeito, pois não há estrutura nas unidades de saúde. Tudo é ruim e tendo a piorar.
Logisticamente, o setor seria um caos e que a saída estaria na institucionalização da carreira de médico semelhante ao do juiz. Será? A carga horária do magistrado é teoricamente de 40 horas, o salário é bacana (entre 20 e 26 mil reais), a estrutura é interessante e o plano de cargos e salários palatável. O entrave, talvez, seja o da progressão. É que todos os aprovados em concurso são enviados para municípios de terceira entrância, bem distante da capital, com uma população reduzida, o que permite organizar blocos municipais para atendimentos.
O retorno do juiz para a capital, ou primeira entrância, ou acontece por vacância ou por QI (quem indica – os magistrados e suas entidades negarão). Uma cota não superior a 35% em média do quantitativo existente da categoria. E aí, vão encarar? Dificilmente, dizem estudiosos e contratantes. O próprio titular da Secretaria de Saúde de Goiânia, o médico Fernando Machado, revela que é quase impossível encontrar um profissional da medicina para trabalhar na periferia da capital. Mexer com pobre não é fácil. Geralmente esse paciente tem um histórico de dor generalizada pelo corpo e um prontuário preenchido pela ineficácia e negligência de outros colegas.
Não? Basta passar os olhos sobre parte dos documentos da saúde mental. A maioria dos esquizoides e bipolar são diagnosticados como esquizofrênicos e, portanto, medicados. Seis meses mais tarde, o paciente conquista o título e está nocauteado. Nas perícias do INSS e nas interpelações judiciais à União, que não concede a aposentadoria por invalidez.
Enquanto isso, na realidade nua e crua dos moradores da cidade, que precisam de assistência médica pública, não há razões profissionais suficientes que justifiquem falta de médicos, UTIs e aportes logísticos ao setor. Todos pagam impostos e trabalham diariamente para dar conta de suas responsabilidades. Não querem e nem vão compreender os motivos das paralisações se a estrutura de saúde sempre foi ruim. Será que a chegada dos médicos estrangeiros e a obrigatoriedade em trabalhar no SUS seriam os sintomas da atual realidade?