A cidade despediu-se do líder-mor do catolicismo mundial e o fato é que mandachuvas tupiniquins dessa religião se mostram resolutos a lutar pela sacralização oficial dos úteros nativos.
Carismático, como o era João Paulo II, o papa Francisco não dá sinais de que promoverá reformas dogmáticas. Apenas administrativas. O que, aliás, se mostram suficientes para uma instituição milenar, que até a cinco décadas considerava o pontífice literalmente rei. Era o papa-rei. Como o papa já declarou que tem mais medo dos corredores do Vaticano do que andar de metrô, é lícito supor que mexer nas estruturas administrativas da Santa Sé não é uma reforma qualquer. É coisa para sacudir as batinas católicas do planeta.
{mp3}images/stories/2013/AGOSTO/a_cidade_e_o_fato-29-07-2013.mp3{/audio\}
O papa propôs que os católicos, principalmente os jovens, saíssem pelo mundo e fizessem novos discípulos. Até aí nada de mais. Mesmo por que interessa somente aos fiéis católicos. O problema é que o país, em especial a mídia, envolveu-se tanto com a estadia do papa no Brasil, que há chances dos grupos fundamentalistas do catolicismo se arvorarem em evangelizar até mesmo a Constituição Federal do Brasil.
Os sinais são fortes. Antes do desembarque de Francisco no Rio de Janeiro, no dia 22 de julho, eram claros os sinais de que o Palácio do Planalto enfrentava um lobby para vetar o projeto para as vítimas de estupro que a Igreja associa a aborto. Uma matéria que tramitava no Congresso Nacional desde 1999 e está pronto para ser sancionada pela Presidência da República.
Caso não haja veto, todos os hospitais públicos serão obrigados a atender em caráter emergencial e multidisciplinar as vítimas de violência sexual. Um direito garantido constitucionalmente há 25 anos, mas quase nunca acessíveis às mulheres pobres, pois a maioria dos médicos de hospitais públicos não quer encrenca com a Igreja Católica.
É que um dos artigos do projeto determina que a rede pública precisa garantir, além do tratamento de lesões físicas e o apoio psicológico, também a profilaxia da gravidez, assegurar acesso a medicamentos, como a pílula do dia seguinte. E é este ponto que estimula o Pró-vida a rotular o projeto de abortivo e ameaçar a presidente Dilma Roussef com diversos movimentos paredistas, afirmando que as consequências chegarão a militância pró-vida, causando grande atrito e desgaste à presidência.
Francamente, é o fim da picada. E sabem quem é esse movimento que quer colocar rosários nos úteros alheios? O mesmo que teve mais de 19 milhões de panfletos apreendidos pela Polícia Federal, na eleição de 2010, por associar à aprovação do aborto a então candidata Rousseff. Será que esses arautos da moral e dos bons costumes conhecem o termo livre arbítrio dado à Humanidade por Deus?
No capítulo dois de Gênesis, nos versículos de 16 até o 19, está relatado como Deus deu ao homem a oportunidade de decidir e de escolher, ao dar-lhe a ordem: “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás”.
E considerando a fé católica e o Novo Testamento, há dois mil anos, os julgamentos e as punições são exclusividades de Deus. Mas isso é outra história. O certo é que um Estado laico não tem direito de submeter a sociedade inteira a uma minoria de fanáticos decididos a impor suas intolerâncias em nome de Deus.