Um terço dos postos de combustíveis de Goiânia não existiria caso a legislação municipal tivesse alguma eficácia. Um episódio tipicamente de incompatibilidade legal, ou seja, uma lei impossível de ser executada.
Para que a lei fosse, realmente, tida como sensata, a Prefeitura de Goiânia teria que escolher entre autorizar, por exemplo, a construção de postos ou escolas. Para o promotor Maurício José Nardini a lei, neste caso específico, é mais verdadeira do que a realidade.
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A protagonista central deste imbróglio é a Lei Complementar 125, de outubro de 2003. Ela é uma atualização de outra complementar, a 31, de 1994. Nesta última, o limite mínimo entre o posto e outras 12 atividades era de cem metros. Pela atual, a distância foi ampliada para 300 metros.
Vias vicinais
Para driblar este cenário de exclusão, o setor de Uso e Solo da Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo (Semdus) aciona o Ministério Público, que por sua vez requisita estudos técnicos ao Corpo de Bombeiros.
Caso os Bombeiros considere que a proximidade fora dos padrões não fere a lei estadual de Incêndio e Pânico, além de exibir total segurança às instalações e aos seus futuros usuários e vizinhos, o alvará de uso e solo será emitido.
A validade da liberação, entretanto, apenas acontecerá caso o futuro proprietário do empreendimento assine um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no Ministério Público.
O promotor Nardini está convencido da necessidade de uma lei mais clara e coerente. Para ele, em 2006, quando se discutia o Plano Diretor de Goiânia, perdeu-se a grande oportunidade de rever esta aberração legal. Para ele, a atual legislação sobre o assunto é é um desserviço, principalmente, para o setor educacional em Goiânia.
Engodo legal
O périplo de legalização do negócio terá que ser seguido pelo dono do futuro posto de combustível, cujo terreno está localizado na esquina da Avenida Alexandre de Moraes com a Rua Caguaçú, no Parque Amazonas, a nove quilômetros da Praça Cívica, em Goiânia.
Vizinho do lavajato Skinão e do Buriti Shopping, o empreendimento, à luz da legislação municipal, está perigosamente próximo de um hospital e de uma escola particular. Alguns moradores chegaram a se mobilizar contra a instalação da empresa, até mesmo com abertura de processo junto a Ouvidoria da Prefeitura de Goiânia.
Eles alegam que a região é servida por diversos postos de combustíveis e eles temem tanto pelo meio ambiente, quanto por suas seguranças. Ao responsável técnico pela edificação, engenheiro José Ricardo da Costa, deixou-se inúmeros contatos no canteiro de obras.
O Sindicato dos Postos de Combustíveis de Goiás (Sindiposto) não fala sobre o assunto e muito menos indica quem será o proprietário do futuro empreendimento. Com base na placa de identificação sabe-se apenas que o a propriedade da obra comercial é de ADM Combustível 03 Ltda.
Apesar de desconfiados, alguns operários calculam que até a primeira semana de dezembro, o espaço estará em funcionamento. A Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) chegou a ser acionada, para tentar impedir a montagem do canteiro de obras, que, além dos equipamentos de perfuração e concretagem, conta, também, com um gerador de energia elétrica.
Todavia, a assessoria de imprensa da Amma informa que o empreendimento atendeu aos critérios exigidos e por isso conseguiu a emissão da licença prévia, não existindo impedimentos ambientais no processo de licenciamento em andamento. A obra, contudo, terá, ainda, que pleitear mais duas licenças à Agência – instalação e operação.
O interessante nesta situação entre a Amma e o grito de socorro dos moradores é que a mesma mão que sancionou a lei que teoricamente impediria a existência de um posto de combustível na esquina em questão é a mesma que dirige, atualmente, a Agência. Ou seja, o ex-prefeito Pedro Wilson (2000/2003)
Legislação sem noção
Titular da 8ª Promotoria de Justiça, responsável pelo Meio Ambiente e Urbanismo, Maurício Nardini, garante que na legislação brasileira existem inúmeros casos da impossibilidade de se executar a lei. Ou seja, a lei é totalmente insensata. Considerando a que delimita distâncias, tendo por referência os postos de combustíveis, Nardini está convencido de que tanto a Prefeitura Goiânia, quanto a Câmara de Vereadores, tem que fazer algo, pois do contrário, a legalidade terá que ser construída não pela lei municipal, mas por uma força tarefa representada pelo Uso e Solo, Ministério Público e Corpo de Bombeiros.
O ordenamento urbanístico de Goiânia está ou não comprometido pela legislação municipal?
Em parte sim. Em especial no que diz respeito aos postos de gasolina, a legislação se revela excludente para escola, por exemplo. Se pegarmos um compasso e esquadrinhamos os espaços que estão sendo requisitados para instalação, algumas regiões de Goiânia não poderão ser sedes de unidades de ensino.
Como driblar o problema?
O trabalho para liberação do uso e solo é feito em consonância entre Prefeitura de Goiânia, Ministério Público e Corpo de Bombeiro. Este último checará as condições de seguranças para instalação tanto do posto de combustível, quanto da escola.
Logo e literalmente, a lei em questão é morta?
Este é um dos inúmeros exemplos de incompatibilidade legislativa existente no país.
Ao invés de eternalizar o uso do TAC não seria melhor retirar da lei as distâncias mínimas exigidas para a emissão do alvará de funcionamento?
Acho que precisaríamos fazer uma compatibilização no uso dessas atividades. Cabe, agora, ao Legislativo municipal promover estas adequações, para que tenhamos um corpo legal coerente com Goiânia.
A instalação de posto de combustível, assim como outras 13 atividades, dependem da aprovação do MP?
Não. Todos devem entrar com um pedido de uso e solo junto a prefeitura. Encontrando-se problema nas distâncias é que o procedimento passa a incluir o MP, que irá ouvir o Corpo de Bombeiros. O aval do CB é que indicará a assinatura ou não do TAC. Em certas ocasiões a instalação de qualquer uma dessas atividades fica totalmente desaconselhada.
O porque deste périplo?
É que existe uma lei estadual de incêndio e pânico, que rege o Corpo de Bombeiro. Nessa lei, as distâncias são diferentes. Não são todas as situações que podem ser modificadas, pois elas foram criadas antes de 2003, quando a lei previa uma distância mínima de 100 metros. Ao aumentar a distância de 100 metros para 300 metros, a lei tornou impraticável a coexistência as atividades de vender combustível e promoção do ensino em Goiânia. É um absurdo diminuirmos o quantitativo de escola, pela existência de um posto de combustível.
A incompatibilidade legislativa pode desaguar no atrito sócio-urbanístico?
O MP tenta evitar a situação buscando informações técnicas junto ao corpo de bombeiros.
Lei Complementar Nº 125, de 22 de outubro de 2003.
Introduz alterações no artigo 122 da Lei Complementar nº 31/94. A Câmara Munici8pal de Goiânia aprova e eu sanciono a seguinte lei complementar:
(…)
Art. 122 – O uso identificado como posto, para abastecimento de combustíveis, troca de óleo e serviços de veículos, somente será admitido quando, além das normas gerais de uso e ocupação do solo urbano, sua localização adequar-se as seguintes exigências:
§ 2º – Somente serão aprovadas as plantas para construção, bem como expedido o respectivo alvará de funcionamento de posto para abastecimento, troca de óleo e serviços de veículos, quando além de satisfeiras as exigências do parágrafo anterior e da legislação pertinente a edificações, observarem a distância mínima de:
A) 300 (trezentos) metros dos limites de escolas, asilos, creches, quartéis, hospitais, casas de saúde, albergues, hipermercados, shopping centers, estádios de futebol. Ginásios de esportes, estação e sub-estação de distribuição de energia elétrica e vice-versa;
(…).
Gabinete do prefeito de Goiânia, aos 22 dias do mês de outubro de 2003. Pedro Wilson Guimarães / Prefeito de Goiânia.