Como se não bastasse a disputa jurídica entre as organizações sociais (OSs), que manteve indefinida durante um longo período, por exemplo, o comando do Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia (Huapa), a batalha política tem descortinado uma série de irregularidades com as administrações dos principais hospitais do Estado e levantado a seguinte questão: o que estaria por trás dessas denúncias?
Na semana passada, um grupo de deputados estaduais da oposição encabeçado por Daniel Vilela (PMDB), protocolou no Ministério Público Estadual e no Ministério Público Federal um dossiê contendo vários documentos que apontariam irregularidades em três OSs. Os alvos da investida dos oposicionistas são o Instituto de Gestão em Saúde (Gerir), que administra o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), o Instituto Sócrates Guanaes (ISG), que comanda o Hospital de Doenças Tropicais (HDT) e o Instituto de Gestão e Humanização (IGH), responsável pelo Hospital Materno Infantil (HMI). Este último, a Rádio 730 já fez matéria questionando a atuação da diretoria no HMI.
Há duas semanas, Daniel tem exposto as irregularidades dessas três OSs e defendido investigação. Porém, nos bastidores, a artilharia do peemedebista contra essas administrações teria uma motivação. O deputado é cunhado do diretor de pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idtech), Marcelo Fouad Rabahi. O Idtech é quem administra hoje o Hospital Alberto Rassi – HGG.
A ligação do parlamentar com um dos diretores do Idtech levantou suspeitas, principalmente entre os governistas, que Daniel tem agido para favorecer a OS, caso o ISG, alvo de denúncias, seja obrigado a rescindir o contrato com o HDT por conta das irregularidades. É que o Idtech ficou em segundo lugar na pontuação das propostas do chamamento público ocorrido em abril de 2012 para a escolha da OS que iria administrar o HDT. Nesse caso, falam que Idtech assumiria a gestão do hospital com o afastamento da ISG. Porém, a Secretaria Estadual de Saúde explica que se ocorrer a anulação do contrato de gestão, o órgão é quem assumiria imediatamente a unidade até a contratação de outra OS via licitação.
Daniel se defende: “É meio ilógica essa colocação. Se eu tivesse algum interesse em uma organização social eu estaria atacando a falta de fiscalização do governo e defendendo uma investigação? Quem fala isso deveria, inclusive, investigar o Idtech do jeito que faço em relação aos outros institutos”. O peemedebista confirma que é cunhado de um diretor do instituto, mas que não existe interesse financeiro ou administrativo por trás que o levou a apontar as irregularidades em outras OSs.
O peemedebista também desafia aqueles que levantaram essas suspeitas ao pedir um pente-fino nos documentos do Idtech para ver se encontram a contratação de consultoria jurídica ou contratos superfaturados. “Vai lá ver se o Idtech tem consultoria jurídica. Ele tem advogado contratado e celetista, que é o que o estatuto das OSs determina. Eu acho que eles têm que ir lá para ver se encontram contratos superfaturados, consultorias não justificáveis, se as pessoas têm processos judiciais em outros Estados. Agora ficar questionando minha relação pessoal é bobagem”.
Daniel se refere ao Instituto Gerir, que contratou o escritório do advogado do governador Marconi Perillo (PSDB), João Paulo Brzenzinski, por R$ 50 mil mensais por um período de um ano, para prestar serviços de consultoria e assessoria jurídica.
Já o Idtech esclarece que em seu quadro associativo não consta o nome de Daniel e que o médico Marcelo Rabahi não é associado da entidade. Na nota, o Idtech explica que o médico foi contratado em regime celetista e nomeado como diretor de Ensino e Pesquisa do HGG, por “alta qualificação técnica na área da educação em medicina”.
Questionamento do MPC
Hoje, as organizações sociais ganham milhões para gerir a saúde do Estado. Como o dinheiro repassado vem dos cofres públicos, logo, os contratos firmados pelas OSs deveriam seguir os princípios básicos da administração pública, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade. Mas, para o procurador-geral do Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado, Eduardo Luz, o fato de o Instituto Gerir ter contratado o escritório do advogado de Marconi coloca em xeque o cumprimento desses princípios.
O procurador explica que dois decretos foram publicados tratando da transferência de recursos públicos para organizações sociais. Um traz a previsão que o repasse só deveria ser feito mediante processo de licitação, colocando a própria OS sob o princípio que rege a administração pública. O outro decreto estabelece apenas que os recursos repassados deverão observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia para contratação do serviço.
No entanto, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade está hoje parada no Supremo Tribunal Federal para decidir se uma OS contratada pelos governos e que recebe recursos públicos, deve ou não realizar processo licitatório para a terceirização de outras atividades. A ação não foi julgada em definitivo, mas o ministro relator, Ayres Brito, já se manifestou dizendo que os contratos a serem celebrados pelas OSs com terceiros e com recursos públicos precisam ao menos seguir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Dossiê recheado de supostas irregularidades
O dossiê com cerca de 400 páginas remetidas às autoridades fiscalizadoras apontam várias suspeitas de irregularidades. Como o contrato de prestação de serviço do Hugo com a Grifort Indústria e Serviço de Apoio e Assistência à Saúde Ltda. Daniel explica que se trata de uma lavanderia de Cuiabá que presta serviços ao Hugo no valor de R$ 600 mil mensais. Para o parlamentar, existe consultoria para todos os gostos e os valores estariam bem acima do mercado.
“A gente precisa saber se esse valor é o normal de mercado ou não. E a gente não tem conseguido avançar nisso. Todas essas consultorias são de fora de Goiás. Não entendemos os motivos para não contratar consultorias aqui do Estado”. No caso do HDT, o ISG tem utilizado parte dos recursos de forma irregular, como os R$ 70 mil mensais com aluguel de imóveis e contratação de consultorias. Como o instituto tem sua origem na Bahia, aqui na capital ela gasta R$ 800 mensais para alugar sua sede e mais R$ 2,7 mil para manter um apartamento no Jardim Goiás. O imóvel é utilizado para abrigar funcionários. Além disso, cerca de R$ 789 mil tem sido utilizados para bancar duas empresas de Salvador que prestam serviços de contabilidade e auditoria à OS.
Outro questionamento da oposição diz respeito ao fato de Maria Aparecida Leite ser consultora administrativa do Instituto Gerir. Ela e o marido Valmir Leite foram denunciados pelo Ministério Público Federal por formação de quadrilha e desvio de aproximadamente R$ 300 milhões no Paraná. Ela foi inocentada pela Justiça por falta de provas, mas, ainda sim, foi condenada pela Justiça de São Paulo por improbidade administrativa quando ocupou cargo na Secretaria de Saúde do Estado.
Ainda sobre o Gerir, no final de agosto, o MP-GO acionou a SES para que ela anulasse o contrato de administração sob o argumento que não havia comprovação que a OS teria experiência para administrar o Hugo. A Gerir foi fundada em dezembro de 2011, cinco meses antes assumir a gestão do Hugo, em maio de 2012. O secretário de Saúde, Antônio Faleiros, já afirmou que se for constatado irregularidades, as OSs serão punidas.
Diante das denúncias, o governo estadual resolveu elaborar um projeto de lei que será encaminhado à Assembleia Legislativa nos próximos dias para regulamentar a atuação das OSs no Estado. A estratégia é evitar mais artilharia da oposição e estabelecer regras e prazos específicos para todos os procedimentos tocados pelas instituições.
Mudança da água para o vinho
A convite do Instituto Gerir, a reportagem da Rádio 730 esteve na última quinta-feira (19) no Hugo para conhecer o que mudou no hospital desde que a OS passou a administrá-lo. Uma das principais mudanças foi a economia de gastos. Antes de transferir a administração do Hugo para a OS, o governo tinha um gasto médio de R$ 12 milhões por mês com o Hugo. Com a OS, o custo caiu para R$ 7,8 milhões. A nova gerência conseguiu reduzir também em 63% o gasto com medicamentos.
A economia possibilitou as primeiras reformas tanto na área externa como interna da unidade. Hoje o hospital dispõe de 58 leitos da UTI, 14 dos quais implantados na administração do Gerir. Outros 12 novos leitos serão entregues até o fim do ano. A enfermaria da Clínica Médica e Cirúrgica também foi ampliada e reformada. Outra mudança significativa constatada é com a reestruturação da Central de Hotelaria Hospitalar, que atende aos preceitos exigidos pela legislação sanitária e as normas preconizadas pelo Ministério da Saúde.
Para o diretor geral do Hugo, Ciro Ricardo Pires de Castro, a mudança foi da água para o vinho. “O Hugo passava por uma fase difícil de sucateamento. Com esse novo modelo houve uma mudança significativa. Hoje nós estamos com alto índice de resolutividade”.
Para Ciro, as críticas da oposição quanto à gestão das OSs possuem interesse político eleitoreiro. “Eu vejo isso como interesse puramente eleitoreiro. Todos eles (deputados) foram convidados aqui, inclusive, o Daniel. Mas nenhum se dignou a conhecer o hospital e agora tentam procurar chifre em cabeça de cavalo”. O diretor diz também que as prestações de contas são feitas por vários órgãos fiscalizadores como o Tribunal de Contas do Estado, a Procuradoria Geral do Estado, a AGR e também o MP-GO.
Sobre a contratação do escritório do advogado de Marconi, Ciro afirma que o advogado é um profissional liberal e nada o impede de prestar serviços para um instituto como a Gerir. A respeito da pouca experiência do instituto para administrar o hospital, o diretor geral diz que a Gerir ganhou a licitação de maneira correta e que não existia como pré-requisito a comprovação de anos de experiência.
Já Daniel rechaça que as acusações têm motivação política. “O governo trata isso como disputa política e o debate não é esse. Não estamos questionando o modelo. O que não pode é justificar essas irregularidades porque a saúde melhorou, porque os prédios foram reformados. A unidade pode estar bonita e reformada, atendendo bem, mas nada justifica qualquer ato irregular e ilícito. Esse é um desvio de foco do governo”.