Fernando e Ana são o casal protagonista de “Alaska”, longa de estreia do diretor goiano Pedro Novaes.

Tudo é travessia em “Alaska” (2019), primeiro longa de Pedro Novaes. Tendo espalhado seu nome com curta-metragens em documentário como “Cartas do Kuluene” (2011) e “Nostalgia” (2014), mas vindo de outras experiências cinematográficas significativas como direção e roteiro em “Quando a ecologia chegou” (2006) e “Os pescadores do boqueirão” (2013), as primeiras travessias são dele: de curta para longa, de doc para fic.

E aqui, Novaes constrói um delicado ‘road movie’ fermentado no cerrado para metaforizar os caminhos sinuosos das relações humanas. Já diria Drummond: o amor é isso que aí está. Hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo, e segunda-feira ninguém sabe o que será. Mas será possível chegar a um destino novo, percorrendo a mesma estrada?

Fernando acabou de perder o pai. Superar o luto passa por resolver as pendências deixadas pelo genitor, inclusive dar destino a uma fazenda situada em Alto Paraíso. Fernando é da cidade, não tem vocação para fazendeiro – em que pese a desenvoltura em dirigir uma caminhonete ou lidar com o gado, os animais e as criações (quem é da roça sabe que são três coisas absolutamente diferentes). Coisas de Goiás.

Ana, relacionamento antigo de Fernando, vê no passamento uma oportunidade para contato. Que começa meio truncado, desconfiado, por meio de mensagens de celular – e não de uma ligação franca e direta. Quer marcar um café para uma conversa, alguns pontos finais ou para o que o fluxo trouxer. E acaba se convidando para a viagem-closure de Fernando. Que topa o convite. Ninguém tem nada a perder.

Aliás, a escolha de jogar as mensagens de áudio desse primeiro contato entre Ana e Fernando sobre as cenas do primeiro terço do filme, dando uma liga e um sentido ao rapport que os dois tentam (re)engendrar soa ao mesmo tempo econômica (porque direta), equilibrada (já que não apela para clichês ou ao didatismo de uma carta, um narrador ou um personagem-meio) e contextualizada (afinal, quem não usa WhatsApp hoje em dia, né?). Bela cartada!

O nome do filme (que em algum ponto deixou de se chamar “Bem pra lá do fim do mundo” e virou simplesmente o nome de um lugar bem pra lá do fim do mundo) segundo o próprio diretor, vem dessa noção de lugar idealizado, distante – tal qual um relacionamento amoroso. Porque, em algum ponto de uma estrada deserta no nordeste goiano, Ana e Fernando chegam sonhar em dirigir de Goiânia ao Alaska. Não rolou quando eram mais jovens. Daria certo agora?

divulgado primeiro trailer de alaska do diretor pedro novaes

Ana e Fernando: pelas encruzilhadas da vida. (Foto: internet/divulgação)

Há uma intenção em transformar as paisagens e o ambiente da Chapada dos Veadeiros em um personagem à parte, com seu clima, seus personagens reais (exceto os protagonistas, a maioria dos outros personagens tem ligações reais com a Chapada, e muitos deles sequer são atores profissionais), sua mística. Certamente reflexo da bagagem documental que Novaes traz consigo. Mas sem pretensão nenhuma de esgotar o tema ou transformar a ficção num recorte completo do que seja o agreste goiano. O interessante é que nessa tentativa, a própria caminhonete, como expressão ora do ambiente, ora dos próprios personagens, se transforma num personagem também. Quase tudo gira em torno dela. Os personagens se movem por meio dela, se protegem nela. Se conhecem e reconhecem nela. Expressam seus sentimentos por meio do arroubo em desbravar, da velocidade, da troca de motoristas ou do vidro abaixado para buscar informações. E se perdem, no que é a transição para o ato final. Não há “Alaska” sem caminhonete, tanto quanto não há sem o casal.

Rafael Sieg está bastante consistente como Fernando, impõe um ritmo mais cadenciado, introspectivo, de certa forma misterioso sobre seu personagem – o que é fundamental para os rumos da história. Bella Carrijo também está muito bem e dá vida a uma Ana esperançosa mas desconfiada. Traz a mente e o coração abertos para o que o destino trouxer, mas sabendo que qualquer escolha trará consequências inevitáveis. Muitas delas já conhecidas.

A trilha também foi bem escolhida, e evoca o bucolismo da paisagem e a curiosidade pela jornada existencial – temperos vitais para o longa. A fotografia, simples, mas que alterna bem entre a captura da Chapada em grandes planos e a tensão da viagem numa cabine de caminhonete, também faz a sua parte bem feita.

Sente-se certa falta na caracterização dos personagens principais, entretanto. São personagens universais, claro, mas não reconhece-se neles a particularidade goiana. Estão mais para paulistas e cariocas do que para pessoas nascidas e criadas em Goiânia. Sim, é claro que a caricaturização é – e sempre será – negativa. O filme não pede “Nersos da Capitinga” ou “Jecas Gays” – longe disso!! Mas a identificação cultural – um dos elementos que Pedro Novaes busca nesse filme, implícita ou explícitamente – ocorre de forma muito tímida, frágil, praticamente nula em relação ao casal. O que vemos em personagens coadjuvantes maravilhosos como Zé Ronaldo e o peão Ananias – mais carregados na “goianidade”, porque a situação pede – não conseguimos notar em Fernando e Ana. É bom ressaltar, entretanto, que isso influencia muito pouco no conjunto do filme.

Fato é que “Alaska” consegue se apresentar bem como um “road movie” delicado, que explora uma esquina da vida de Ana e Fernando sem desprezar o restante de suas histórias (e sem entregar ela de bandeja no colo do espectador também). É cativante sem ser piegas, profundo sem ser pretensioso, e certamente reverbera fundo no espectador. Quem é que nunca se pegou em dúvida numa das encruzilhadas da vida? Para que lado fica o Alaska?

O filme estreia nacionalmente nessa quinta (21/03/2019), e pode ser assistido de forma exclusiva pelo público da 12a Mostra “O amor, a morte e as paixões”, no dia 22 de fevereiro passado.

*Texto em parceria com o site Pipoca com Pequi