Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

A Cúpula das Américas revela o declínio da liderança dos Estados Unidos

O final do século XX foi marcado por profundas transformações na organização do mundo. A ordem bipolar ia chegando ao seu final com eventos como a crise do socialismo no leste europeu, a queda do muro de Berlim, a reunificação da Alemanha, o fim da União Soviética e o chamado “processo de globalização”. Esse ambiente, do dito processo de globalização, exigia readequações dos sistemas envolvidos pelo capitalismo.

Todo esse quadro de adaptações econômicas teve como grande marca a constituição de blocos econômicos, pois um país sozinho não seria capaz de atender as demandas de um mundo multipolarizado. Dessa forma, a formação de blocos econômicos buscou agilizar e dinamizar as relações comerciais internacionais e baratear os custos das cadeias de produção e de distribuição.

Nesse processo de formação de blocos econômicos podemos destacar historicamente: em 1991, Brasil, Argentina e Uruguai formando o Mercosul e em 1992, conduzidos por Alemanha e França, países europeus formalizaram o início do Bloco da União Europeia. Assim é que foi se constituindo a nova lógica da engenharia econômica internacional, erigida e amparada nas pilastras da teoria neoliberal.

Os EUA entenderam a importância de buscar uma maior cooperação com os demais países americanos. Assim, em 1994, foi desenvolvido o projeto de formação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) envolvendo nações da América do Norte, Central e do Sul e que tinha como principais objetivos a progressiva eliminação de barreiras alfandegárias e, com o tempo, viabilizar a livre circulação de mercadorias e serviços. Porém, como as estruturas econômicas, sociais, políticas, ideológicas e de infraestrutura dos vários países envolvidos eram muito diferentes e assimétricas, a coisa ficou só no projeto.

É importante destacar também, que a proposta dos EUA não convenceu a maior parte dos países latino-americanos. Muitos desses países acreditavam que a implantação desse bloco econômico serviria apenas para garantir os interesses estadunidenses no sentido de ampliar seus mercados consumidores.

Outro aspecto que desagradou bastante foi o fato de Cuba não ter sido incluída no projeto.

Assim, em 2005, o projeto foi praticamente sepultado, na reunião de Mar del Plata, na Argentina. Nessa ocasião, a postura mais incisiva de Hugo Chaves e de seu movimento bolivariano polarizou totalmente as posições das lideranças da região.

Apesar da ALCA não ter se efetivado, o esforço dos EUA em buscar algum tipo de protagonismo regional tem prosseguido com as edições das reuniões da Cúpula das Américas. Esta foi criada em 1994, em Miami, com o objetivo de consolidar a criação da ALCA. Porém, em suas 9 edições, incluído esta última de 2022, esses encontros sempre estiveram envoltos em atritos e polêmicas.

Um desses momentos tensos ocorreu há dez anos, no encontro de Cartagena, em 2012, quando o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, insistiu que o líder cubano Raúl Castro fosse convidado. Os EUA não aceitaram e, em protesto, algumas lideranças se recusaram a participar, como foram os casos de Hugo Chavez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Daniel Orterga (Nicarágua), ou seja, algo semelhante ao que ocorreu agora, na 9ª edição da Cúpula.

Na 8ª edição da Cúpula (Lima-Peru), em 2018, a coisa não foi muito diferente. Devidamente “aconselhado” pelos EUA o presidente peruano, Martim Vizcarra, barrou formalmente a participação da Venezuela. O presidente cubano, Raul Castro, e o presidente equatoriano, Lenin Moreno, também não participaram. Mas, sem dúvida, o aspecto mais emblemático dessa reunião foi a ausência do presidente dos EUA, Donald Trump, que cancelou sua presença e enviou o vice-presidente, Mike Pence, para representá-lo. Foi a primeira fez que um presidente dos EUA não participou da reunião da Cúpula das Américas.

Já a 9ª edição da Cúpula das Américas – 2022, ocorrida em Los Angeles-Califórnia, foi marcada por um certo esvaziamento e por questionamentos sobre a perda de influência dos EUA sobre a América Latina. O fato do governo estadunidense não ter convidado Cuba, Venezuela e Nicarágua, sob a argumentação de que não são governos democráticos e respeitadores dos direitos humanos, levou o presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, a se recusar a participar da Cúpula. Ocorreram outras ausências notórias como as dos líderes de Bolívia (Luis Arce), Honduras (Xiomara Castro) e Uruguai (Lacalle Pou), que contraiu covid-19.

Pois bem, todo esse histórico que traçamos demonstra que ao longo dos últimos anos a diplomacia estadunidense não priorizou relações mais eficazes com os latino-americanos, ou seja, ocorreu um natural distanciamento, que o presidente Biden tenta reverter.

O fato é que atualmente a América Latina parece ter se aproximado muito mais da China. As necessidades durante a pandemia de Covid19 intensificou ainda mais essa aproximação. É o processo que tem sido denominado de “diplomacia da covid”, baseado na venda ou até mesmo na doação de equipamentos de proteção e vacinas, visando atender o caráter urgente no combate a uma crise sanitária desse porte.

Outro aspecto tem sido o crescente comércio que a China tem se empenhado em ampliar, com os países latino-americanos. A China tem intensificado cada vez mais a aplicação de recursos na região. Além de ser a principal compradora de carne suína, soja e cobre, a China também tem investido em financiamento de obras de infraestrutura. Assim, tem se constituído como a maior parceira econômica de países como Brasil, o Chile e o Peru. Convém ressaltar que nos últimos dez anos o presidente chinês, Xi Jinping, já visitou países da América Latina em 11 oportunidades.

Destaque-se a empresa chinesa Huawei, que está aumentando cada vez mais seus investimentos na América Latina, a atuação ocorre em diversas áreas, como computação em nuvem, equipamentos solares e transformação digital. Apesar da forte pressão dos EUA, os países latino-americanos têm contratado os serviços e produtos da gigante chinesa, pois é muito competitiva em inovação, como a tecnologia 5G, e nos preços de smartphones e equipamentos de rede. Ela tem investido também na computação em nuvem, transformação digital, equipamento solar e treinamento de novos talentos.

Jair Bolsonaro na Cúpula das Américas (Foto: Alan Santos/PR)

A postura da China é bastante incisiva e pragmática. Ela oferece crédito a custos mais baixos e para regiões que envolvem altos riscos, como a Argentina e a Venezuela. Dessa forma, não se encontram atores internacionais com a mesma capacidade de competição.

A Cúpula de Los Angeles estava repleta de expectativa dos EUA de que pudessem abrir caminho para uma maior cooperação econômica na região. O Objetivo dos EUA é buscar estabelecer pactos bilaterais com os países da região, principalmente nesse período de inflação internacional.

Contudo, a verdade é que essa cúpula esteve esvaziada. Apesar de alguns compromissos na área ambiental, na defesa da democracia e nas questões da imigração irregular, ela terminou com uma sensação de ceticismo para maior parte das lideranças. O duro é que a reunião só não foi um fiasco absoluto, na tentativa de resgatar um protagonismo estadunidense, porque o presidente Jair Bolsonaro aceitou participar, lógico que por motivos de estratégia política em ano de eleição.

Cabe aos EUA ampliar verdadeiramente a sua colaboração e parceria com os países latino-americanos. Só assim, será possível recuperar alguma credibilidade e espaço de influência nessa região há muito deixada de lado entre as prioridades dos yankees.

Norberto Salomão é advogado, historiador, mestre em Ciências da Religião, professor de História, especialista em Mídia e Educação e especialista em Geopolítica.

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