Depois da esfolada que levou no Bar Progresso, onde paquerava a mulher do Paraíba, enquanto ele tomava o dinheiro dos fregueses jogando sinuca, Gegê parou de viver de aposta. Eram três mesas de jogo. Paraíba sempre jogava na mesa três. Conhecia as descaídas e bastava chegar um freguês novo para ele desafiar. Deixava o sujeito ganhar umas três, pateando e escondendo o jogo, elogiava o adversário, enchia a bola do sujeito até a frase manjada: “Você é bom demais, não tenho jogo para te enfrentar”. A partir daí começava jogar de verdade, sempre apontando a sorte como responsável e limpava o sujeito. Na maioria das vezes esta tarefa só terminava com o dia amanhecendo. Sem nenhum centavo, o adversário não se opunha à paralisação do jogo e o bar era fechado.

O Bar Progresso ocupava um salão grande no núcleo mais movimentado da Vila Operária. Além das mesas de sinuca, tinha um balcão que ia de uma extremidade a outra do salão, com bolos de três cores, pudim de padaria, ameixa de queijo e pão na vitrine. Em cima do balcão ficava o carrossel de balinhas e chocolates, a máquina de fatiar salame (com o salame em cima), a quentinha onde eram estocados pastelão, pastel, coxinha, empadinha e quibe (com e sem ovo). Ao fundo encostada na parede ficava a geladeira com Jaó, Chush, Bidu, Grapette e outros refrigerantes. Nos dias dos jogos do Atlético era ali que os torcedores se reuniam. Adultos na cachaça, pão com salame e salgados; crianças nas guloseimas. Nestes dias o Paraíba não jogava: Hélio Concho era um auxiliar desatento e aquele povo atleticano não era de confiança. Se bobeasse levava cano.

Era bonito por fora, pintado de azul claro e escrito bem grandão na faxada, em laranja “Bar Progresso”. Tinha também um luminoso com uma garrafa de Crusch pendurado no final do nome. O chão era de cimento vermelho, limpinho pela manhã e uma pocilga ao final do dia.

Gegê se misturava aos torcedores do Atlético nos dias dos jogos: camisa vermelha e calça preta. Bebia cachaça até o “Respeita as Cores” chegar com a charanga, onde tocava o tarol. O Respeita usava uma capa vermelha e preta sobre a roupa e já chegava bêbado, os companheiros não tinham a elegante capa, mas chegavam bêbados também e de lá iam fazendo barulho Rua Catalão acima, até chegar no Antônio Accioly. Embora barulhentos eram corteses. Nestes tempos de respeito entre as pessoas não havia agressões da torcida de um time com a torcida do outro. Se o Atlético ganhasse, as crianças eram levadas para casa, os adultos e a charanga voltavam para o Bar Progresso e a cachaçada só terminava quando muitos já tinham vomitado e poucos conseguiam ficar de pé. Nas derrotas do Atlético, ficavam todos murchos, colocavam a culpa no juiz e se recolhiam.

Gêge odiava o nome: Jerôncio, e por isto só se apresentava como Gegê. Baixinho, olhos verdes, cabelos loiros cacheados, parrudinho e bundudo. Gostava de roupa bonita e andava sempre limpinho. Quando passava na rua o cheiro do Lancaster era sentido lá nos fundos das casas. Prosa boa, fino com adultos e atencioso com as crianças, era tido pelos homens como gente boa e pelas mulheres como bonitinho. Tinha um esquema com o Paulinho Karajá, melhor taco da região. Paulinho chegava mais cedo ao Bar Progresso e ia jogando, perdendo tudo para o adversário. O Gegê chegava depois. O Paulinho pedia para parar pois o dinheiro havia acabado. Nesta hora o Gegê entrava em cena e se oferecia para fazer aposta alta no taco do Paulinho e não tinha quem não embarcava. Depois os dois rachavam o lucro e assim vivia e bem o Gegê.

Paulinho era sistemático, só jogava até a hora da novela Eu Compro Esta Mulher e depois ia pra casa ver o capítulo do dia. Era lei, enquanto o Paulinho jogava, o Paraíba ajudava o Hélio Concho no atendimento aos fregueses. Depois que o Paulinho ia embora o Paraíba entrava em ação. Era grandão e forte. O dinheiro para montar o bar foi ganho chapeando fardo de arroz na cabeça, carregando e descarregando caminhões no Arroz Ibiá.

Era músculo puro e falava com a conhecida firmeza do sotaque nordestino. Conheceu Neidinha quando era chapa. Morena de ancas largas, pernas retas, lábio carnudo, boca e cabelos (pretinhos como noite sem luar) grandes e juízo pequeno. Vivia por ali. Era falada e as más línguas diziam que ela ganhava dinheiro dos passageiros que chegavam de trem, na estação da Vila Abajá, para dormir com eles, lá na Pensão Santa Helena. Mesmo dando umas olhadas de rabo de olho para o Paraíba, quando ele era chapa, nunca deu bola.

Ao saber que o Paraíba montou o Bar e vendo o tanto de gente que frequentava lá, Neidinha logo se engraçou e acabou mudando para o barracão no fundo do bar, onde o Paraíba morava. Gegê espionava e ela retribuía. Foi assim que ele passou a dar a volta no bar, quando o Paulino Karajá ia embora e o Paraíba ia jogar, parando lá dentro do barraco com a Neidinha. O Paraíba desconfiou, interrompeu uma partida e foi averiguar. Pegou no flagra. Deus uns petelecos na Neidinha e uma sova no Gegê. A calça nova rasgou no joelho quando o Paraíba o jogou cascalho abaixo na rua. Nariz inchado, dente da frente mole, corpo todo doendo e joelho esfolado, o negócio ao ser jogado no cascalho foi superar tudo isto e vazar: foi o que Gegê fez. Dava pra jogar baralho na camisa dele pelas costas. O carreirão fez ela ficar reta no ar. A Neidinha voltou ao trabalho na estação, o Paraíba ficou com o bar e o Gegê mudou de casa e a parceria com o Paulinho Karajá acabou.

Só de ouvir falar em sinuca, Gegê já arrepiava. Foi lá pra Fama, arrumou um carrinho e vendia laranja no ponto de ônibus. Lá se meteu com a mulher do Negão Soldado. Foi descoberto. Outra surra levada e outra mudança, mas desta vez o casamento não acabou.

O Negão Soldado aplicou um corretivo na mulher, mas não deu conta de separar daquela loira linda. Nova mudança. Gegê foi morar abaixo do cemitério velho, do Bairro Bonfim, atrás do Morro do Além. Trocou o carrinho de laranja por um de pipoca e foi vender pipoca na Praça da Matriz de Campinas. Todos os dias, às cinco da tarde, se arrumava bem, se perfumava de Lancaster e atravessava o morro empurrando o carrinho rumo à Praça da Igreja. Missão dura. Além da distância, ainda tinha o peso do carrinho que tinha a parte de baixo de ferro e um fogareiro a querosene lá, ligado à panela com a tampa com a maçaneta de virar o milho. O fogareiro era de aço puro, pois tinha uma bombinha ao lado para agilizar o fogo.

Aprendeu a estourar e temperar pipoca. O negócio ia bem. Sem mais e nem menos, a loira do Soldado apareceu lá num domingo para assistir à missa. Viu Gegê e se tornou carola: ia a missa em todos os dias que o marido estava de serviço e outra vez se enrabichou com Gegê. Falta de aviso não foi. O Manquinho engraxate que sabia da surra dada pelo marido alertou: “Cabra, você já levou uma surra, agora vai vestir pijama de madeira se o Negão Soldado descobrir”. Gegê tranquilizou: “Eu não bebo mais, posso correr e ela só vem no dia que o homem está trabalhando”.

Não se sabe por qual meio o polícia descobriu. Também não se sabe por qual meio Gegê foi avisado quando chegou na Praça naquele sábado, que o Negão iria lá dar outra sova nele. Virou pra trás empurrando o carrinho. Subir o Morro do Além, escuro e empinado, naquela pressa deixou o Gegê sem fôlego. Lá de cima, antes de descambar para o outro lado, rumo ao barraco onde morava, parou pra respirar. Olhou pra trás e lá vinha o Negão Soldado com roupa de polícia e tudo. Correr que jeito? O fôlego não dava. Veio a ideia: entrou na parte baixa do carrinho, apertado, junto com o fogareiro, bateu a porta e a trança de fora travou. Ficou quietinho, custava a respirar e orava com fervor para não ser descoberto. Ao ver o carrinho de pipoca, o Negão falou em voz alta: “aquele safado correu e não vou encontrá-lo”.

Lá apertado com o fogareiro, sem saber o que o esperava, Gegê suspirou aliviado. Foi quando o Negão falou: “Mas não vou deixar barato. Vou empurrar está merda de carrinho até o despenhadeiro e jogá-lo lá em baixo. Não deu tempo do Gegê reagir. O carrinho foi capotando despenhadeiro abaixo, o fogareiro indo e voltando sobre o Gegê, que hora estava de cabeça pra cima, ora pra pra baixo, ora de um lado, ora do outros. Pular fora que jeito? A tranca da porta era do lado de fora.

No domingo a Folha de Goiás trouxe na capa uma foto de um carrinho de pipoca com a parte superior toda destruída e a parte de baixo, bem amassada ilustrando a Manchete: Mistério, pipoqueiro é encontrado morto dentro da parte metálica do seu carrinho.