Qualquer pessoa pode ter acesso a uma carteira de estudante que lhe dê a garantia de meia-entrada em um evento cultural. Foi o que constatou o repórter da Rádio 730. Sem ao menos comprovar que estava devidamente matriculado em uma instituição de ensino, ele foi a dois locais que fazem esses documentos: em uma xerox no Obcursos da Av. T1, n° 1899, no Setor Bueno, e em uma banca de revistas no cruzamento da Av. Anhanguera com a Av. Goiás.
No primeiro local, por R$ 18, conseguiu fazer um documento como se fosse aluno do terceiro período de Publicidade e Propaganda pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Detalhe: o curso não existe na instituição. O documento foi emitido pela Associação Nacional dos Estudantes Universitários e Secundaristas (ANE). No segundo, por R$ 15, fez outra carteirinha através da Associação Nacional de Identificação Estudantil (ANIE) – que tem sede em Trindade. Dessa vez, informou ser aluno de Ciências Econômicas pela Faculdade Araguaia, que também não possui o referido curso.
O documento pode ser conseguido virtualmente também. No site Mercado Livre, há uma oferta para venda de carteiras de estudantes. Pela oferta, uma pessoa pode pedir mais de um documento sem nenhuma espécie de comprovação. A reportagem fez perguntas para o vendedor, questionando-o sobre a necessidade de comprovação de matrícula. Por sua vez, o vendedor respondeu que não havia necessidade, como pode ser constatado na cópia da página abaixo, e ainda informou que “as carteirinhas são fabricadas no novo padrão brasileiro: diretamente em PVC. O mesmo material do Cartão de Crédito.” O custo dos cartões: R$ 60 mais frete.
Em todos os casos, não foi solicitada nenhuma comprovação de que o repórter era efetivamente estudante e nem verificaram se os cursos realmente existem nas respectivas instituições. Logo, mesmo sem ser aluno, o jornalista conseguiu dois documentos com números inventados, podendo ter acesso à meia-entrada em qualquer evento cultural, shows, cinema, teatro, etc.
A reportagem entrou em contato com as associações, mas os telefones disponíveis nos documentos irregulares não atenderam. Em Goiânia, o grande número de associações estudantis, e a falta de legislação que estabeleça parâmetros para fiscalização, faz com que essa ação seja praticada por várias pessoas, o que configura crime de falsificação de documento particular e até estelionato, como explica o delegado adjunto Delegacia de Proteção ao Consumidor, Itamar Lourenço.
Segundo ele, tanto quem confecciona os documentos sem pedir a devida identificação dos supostos estudantes, quanto os próprios usuários dessas carteiras podem, se condenados, pegar pena de um a seis anos de reclusão, além de multa a ser estipulada pelo juiz. “E essas pessoas também podem responder por estelionato, pois essas carteirinhas são utilizadas para que pessoas se beneficiem de descontos que não lhe são devidos”, afirma.
Porém, o delegado diz que a polícia não tem condições de investigar ou mesmo prender alguém por esses crimes, pois é necessário que haja um padrão para que as carteirinhas falsas sejam diferenciadas das verdadeiras. “Precisamos de informação. A polícia não pode apreender o documento de alguém sob a alegação de que irá periciá-lo, pois poderíamos incorrer em abuso de autoridade. Quem faz o documento sabe que está cometendo um crime, mas nós não sabemos quem são os criminosos, nem temos formas para punir essas pessoas”, declara Itamar Lourenço.
Para o delegado, é necessário que as principais entidades responsáveis pela emissão das carteirinhas, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), tomem providências e ofereçam subsídio para que a polícia possa identificar essas instituições que estão fazendo as carteiras de forma fraudulenta; criar um padrão na confecção dos documentos, por exemplo. “Essas instituições que fazem carteirinhas sem observar nenhum critério estão cometendo fraude, mas não podemos provar sem que haja um padrão na confecção dos cartões.”
Sem um documento padrão, a possibilidade de fraudes é grande e, assim os produtores culturais, cientes das ações para burlar os preços, cometem outras irregularidades, como aumentar o valor dos ingressos cobrando inteira de quem paga meia e o dobro de quem paga inteira.
Padrão
Até o fechamento desta matéria, a UNE não respondeu às ligações da reportagem. Contudo, em entrevistas recentes, a presidente da entidade, Virgínia Barros, tem concentrado seus comentários na possível aprovação do Projeto de Lei (PL) 4571 de 2008, em tramitação na Câmara dos Deputados. A PL dispõe sobre o benefício de meia-entrada para estudantes e idosos em espetáculos artístico-culturais e esportivos.
A PL propõe que as carteiras de estudantes sejam padronizadas e que apenas algumas instituições possam emitir os documentos a serem confeccionados pela Casa da Moeda. Seriam elas: a Associação Nacional de Pós-graduandos, a UNE, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), além dos diretórios centrais de estudantes e instituições de ensino superior e uniões estaduais de estudantes.
Defendendo esse projeto, a UNE pretende, por exemplo, diminuir o número de fraudes e o preço dos eventos culturais. Mas não há outras formas de identificar se o usuário é ou não estudante? Teria se fosse permitido que o comerciante exigisse um comprovante de matrícula junto com a apresentação da carteira de estudante. Mas, como explica o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público de Goiás (MP-GO), Vinícius Marçal Vieira, é vedado ao comerciante requerer qualquer documento complementar ao suposto estudante.
“Como isso não pode ser feito, o que deve ser reforçado é a exigência de comprovação na gênesis, isto é, quem fabrica a carteira deve se certificar de que aquela pessoa é de fato estudante. Se não o faz, posso enxergar que ele assume o risco de que aquela pessoa pode não ser matriculada, o que fere a lei”, declara.