Cada um dos 30 idosos que residem no Centro de Convivência Vila Vida, da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), escreve e descreve as mais diferentes histórias de vida. Em cada uma das pequenas, mas aconchegantes casas do local, os moradores dão exemplos de determinação. Frente ao esforço para viver o futuro e deixar as mágoas e o sofrimento para trás, novas possibilidades se abrem. Uma delas é a de frequentar uma sala de aula pela primeira vez, e, ao menos, aprender a escrever o próprio nome.
Na Vila Vida, um curso de alfabetização oferece aos idosos acima de 60 anos essa oportunidade de conquistar o desejo suprimido, na maioria das vezes por duras jornadas de trabalho. Assim foi a vida do piauiense Sebastião Rozeno de Carvalho, de 80 anos, morador do Centro de Convivência a mais de cinco. Órfão de pai desde muito cedo, a mãe não teve como cuidar dos filhos e a melhor solução encontrada para sobreviver durante a aspereza da seca foi entregar os quatro para diferentes famílias cuidarem. “O homem que me criou tinha condições de me colocar numa escola, mas ele nunca deu estudo nem para os próprios filhos”, lamenta Sebastião.

Tentativa
Vítimas de um tempo difícil, ao então jovem restou a oportunidade do trabalho rural, que alguns anos mais tarde teve continuidade no interior do Estado de Goiás. Agora, após mais de sete décadas de espera, o nordestino finalmente teve a chance de pegar o lápis e o caderno. Matriculado no curso de alfabetização a uma semana e satisfeito com a chance, ele se mostra cauteloso. “A pessoa com 80 anos não tem aquela memória boa que tinha quando era novo. Eu posso não aprender nada, mas eu vou tentar”, brinca o agora estudante, que mesmo com os desafios da memória e do corpo já ensaia a escrita do nome.

Método Paulo Freire
Em função das peculiaridades da fase de vida, a pedagogia utilizada nas aulas do Vila Vida difere do método utilizado na alfabetização de crianças. As duas turmas existentes no local têm cerca de dez alunos cada, para facilitar o atendimento individualizado. As aulas têm duas horas de duração – pela manhã das 8 às 10 horas, e à tarde, das 14 às 16h. De acordo com a professora Eva de Fátima Reis Martins, responsável pelas turmas, o curso dura em média seis meses, nos quais os alunos vão aprender os conceitos iniciais de matemática, língua portuguesa, atualidades, cidadania, educação para saúde e cuidados com o corpo.

“Nós não ficamos só na questão da escrita, nós queremos ir além para fazer com que eles tenham mais interesse e não haja desistência”, explica. Segundo a educadora, a pedagogia usada para a alfabetização tem como base o chamado “método Paulo Freire”, isto é, a maneira de ensinar leva em conta a vivência e a realidade dos alunos. “Você alfabetiza, porque você contextualiza o tema de acordo com as necessidades dos alunos”, explica Eva.

Aprendizado livre
Para que o aprendizado aconteça de forma positiva, a rotina escolar, bem como o dia a dia dos idosos, é acompanhada por uma equipe multiprofissional, formada por psicólogo, fisioterapeuta, médico e enfermeiros. Assim, se durante as aulas for detectado, por exemplo, que o idoso precisa de um trabalho de fisioterapia para se adaptar melhor ao estudo, o profissional é acionado. Mesmo assim, as aulas não são obrigatórias e como os idosos têm livre arbítrio, a professora responsável explica que a qualquer momento o aluno pode parar e recomeçar os estudos, sem ser penalizado pela rigidez da frequência. Da mesma forma, se a aula em sala estiver cansativa, passeios com foco pedagógico ao ar livre são realizados.

Satisfação em aprender
Apesar das limitações físicas constituírem uma barreira ao aprendizado, para Eva, o maior limitador ainda é o preconceito social. Na avaliação da professora, a ideia de que o idoso não consegue aprender porque está “velho demais” e por isso o mais indicado é descansar, é uma barreira que passa a ser interiorizada e atua de forma negativa. Para mudar isso, na Vila é feito um trabalho construtivo que consiste em não remoer as coisas do passado, mas ter como foco os aspectos construtivos do presente.

A psicóloga Liliane Medeiros Camilo, que atua no Centro de Convivência, destaca que o objetivo é criar uma situação de bem-estar e otimismo nos idosos. Ela lembra, ainda, que os exemplos positivos aparecem. “Eu já escutei idoso dizendo: ‘Hoje eu estou satisfeito porque eu consigo ler o letreiro no ônibus e não preciso perguntar para ninguém’. ‘Hoje eu não senti vergonha porque eu fui ao cartório e dei conta de escrever meu próprio nome'”, destaca Liliane.

Para a psicóloga esse nível de satisfação é o objetivo maior dos profissionais que trabalham com os idosos, pois é o momento em que eles conseguem romper as barreiras sociais impostas em troca de uma perspectiva de que é possível continuar aprendendo. De que eles aprenderam muito com a vivência, mas que ainda há muito pela frente.

Exemplos
Um exemplo de que novos sentidos podem ser dados para a vida há qualquer momento, inclusive na fase senil, está na trajetória da estudante de 76 anos, Edite Tavares da Silva. Moradora da Vila Vida, a empregada doméstica aposentada que só pôde estudar até a terceira série quando jovem, agora faz o curso Qualidade de Vida na Terceira Idade, oferecido pela Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati), que é intermediado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

A experiência possibilitou que ela conquistasse um grande número de amizades e, além disso, Edite ganhou o reconhecimento de diversas pessoas pelo exemplo de dedicação, até de “políticos importantes de Goiás”, o que ela conta com muito orgulho. “Para mim a melhor coisa do mundo é o estudo. É lindo a pessoa que estuda, porque quem não tem estudo não tem nada na vida”, diz satisfeita.

Também ciente da importância da escola está Sebastião Messias Luiz, de 66 anos, que, ao contrário da vizinha de bairro, está no início da sua vida escolar. Matriculado na escola da Vila Vida, ele está na expectativa porque teme que um problema na mão o impeça de ter um desenvolvimento pleno em seus estudos. Mesmo assim mantém as esperanças porque poderá contar com o apoio da fisioterapia do local, caso haja necessidade.

“Aprender a ler, estudar é bom. Mas se eu tivesse aprendido quando eu era novo, tinha pegado uma profissão boa”, lamenta Sebastião, cujo trabalho na roça foi a principal causa para que o estudo não se concretizasse. Ele lembra que quando tinha 60 anos contratou um professor particular para ensinar a ele e a um amigo a ler, mas não deu certo porque faltou dedicação do profissional, segundo o aposentado.

Vila Vida
Segundo Maralice Leal, que dirige o Centro de Convivência Vila Vida, a oferta da alfabetização para o idoso é muito importante pelo entendimento de que a possibilidade de estudar eleva a auto-estima dos idosos. Ela lembra que por trás da vontade de estudar, muitas vezes, está a busca pela autonomia, para conseguir tomar um ônibus sem a necessidade de ter alguém para ajudar a ler o destino.

Coordenador-geral da OVG, Luiz Otávio do Nascimento complementa que, ao criar a oferta de alfabetização, que também se estende a não moradores da Vila Vida, a instituição colabora para o aumento da longevidade dos mais velhos na medida em que ao estudar eles se sentem mais úteis e por isso mais satisfeitos. Segundo ele, muitas são as histórias de vida e os exemplos de superação que mostram o quanto é preciso reconhecer os idosos como os valorosos cidadãos que são.

(com texto de Alessandro Copetti, do Jornal Tribuna do Planalto)