Três dias depois da final entre Estados Unidos e Holanda, a Copa do Mundo Feminina ainda rende bastante assunto no mundo do futebol. A competição realizada na França bateu recordes de audiência e se provou um sucesso não apenas pelo envolvimento, mas também pelo nível técnico. Nada disso, porém, foi surpresa para Ana Thaís Matos, comentarista dos canais SporTV e que também participou das transmissões da Rede Globo.

Convidada especial do programa K é Nacional dessa terça-feira (9), a jornalista destacou que “o futebol feminino vive um momento muito especial, com bastante investimento na Europa. Os Estados Unidos já são um caso à parte, porque faz esse investimento há 30 anos, aproximadamente. Na Europa, principalmente, tem dado bons resultados nos últimos quatro anos em termos de público, nível técnico e engajamento, então acho que essa Copa do Mundo consolidou o bom momento que vive o futebol feminino”.

Com tanta repercussão, comentários preconceituosos não deixaram de ser lidos e ouvidos durante o torneio, porém algumas barreiras foram quebradas. As goleiras tiveram destaque especial e para Ana Thaís um dos preconceitos superados foi a questão do tamanho do gol. “Durante muitos anos se falava que o gol tinha que diminuir, porque a goleira não alcançava a bola e sofria gol de cobertura, o que não se comprovou nesta edição”.

“O que faz com que as goleiras fiquem melhores é a preparação física. E quanto mais mulheres praticarem futebol, mais atletas de diversos tipos de altura e porte físico estarão no futebol, assim como mais goleiras, consequentemente levando mais investimento na preparação para ter goleiras tão boas quanto as que vimos nessa Copa. Foi a melhor em relação à goleiras. O preconceito está mais na cabeça de quem não acompanha do que na realidade”, completou.

De qualquer forma, enquanto a competição viveu sua consolidação na oitava edição, nem tudo foram flores para o Brasil. O comando técnico de Vadão, por exemplo, foi muito questionado e expôs o momento da Seleção feminina, que pela primeira vez entrou em um Mundial sem otimismo. “A volta do Vadão nunca se justificou, nem pelos resultados. Em nível internacional, o Brasil ficou para trás e é impossível pensar que uma seleção que disputou todas as Copas tenha regredido em questão de peso e favoritismo”, frisou a jornalista que foi entrevistado por Juliano Moreira. 

(Foto: Reprodução Sportv)

Mais do que defender a bandeira do feminismo, o trabalho da antecessora Emily Lima foi tido como um ponto importante para a comentarista no sentido de que a atual treinadora do Santos conhece a realidade do futebol feminino brasileiro. “Quando você tem profissionais com conhecimento de causa, você encurta caminhos para coisas básicas que tem necessidade que outros profissionais, que por mais boa vontade que tenham, em algum momento irão travar o processo”, destaca Ana Thaís.

Outro ponto bastante discutido em relação à Seleção feminina é a dependência com jogadoras como Marta, Cristiane e Formiga, veteranas na equipe. Para a jornalista, “a dependência se justifica a partir do momento que a comissão técnica opta por não testar outras. Esse é um ponto importante da preparação para a Copa. A Formiga era uma jogadora que estava aposentada depois do que aconteceu nos últimos anos e foi chamada de volta, então a Seleção fez questão de se tornar um time dependente dessas jogadoras”.

“Claro que se você tem elas em um bom nível físico e adiciona mais atletas, ameniza a questão. Esse é o ponto fundamental, não é uma dependência porque não há mais jogadoras, mas porque foi uma escolha da comissão técnica que a Seleção dependesse e não criasse outros laços. Claro que não quero dizer que a Marta deveria ficar fora da Seleção, mas há outras jogadores e nós poderíamos ter feito uma preparação melhor”, ressalta.

Segundo a jornalista paulista, “nós temos total potencial de descobrir novas Martas. Acontece que o futebol feminino, assim como o esporte feminino, foi muito negligenciado. E ainda é, não mudou nos últimos anos. Acho que a renovação acontece, essa seleção que disputou a Copa do Mundo tem potencial para se renovar com esse grupo de jogadoras, inclusive”. A imposição da Fifa para que os clubes tenham times femininos pode ajudar a acelerar o processo, enquanto Conmebol e CBF responderam positivamente a isso.

“A minha projeção é que para a Copa do Mundo de 2023 tenhamos uma seleção brasileira bem melhor do que a gente pode esperar nesse momento. Temos potencial, mais mulheres praticando futebol e necessidade disso. As federações estão cuidando, os clubes estão cada vez mais entendendo que o futebol feminino não é um custo, e sim um investimento que tem retorno. Eu acho que vai ser um processo natural essa renovação e nós temos muitas jogadoras boas”, completou Ana Thaís.

Falando na realidade de Goiás, em que recentemente o próprio Goiás Esporte Clube iniciou parceria com a Universidade Salgado Oliveira para ter seu time, a comentarista destaca que esse “é um ponto de partida, mas não pode ser o suficiente. Principalmente pelos clubes não terem laço com futebol feminino, conhecer um projeto a partir de uma parceria é importante para saber quais são as necessidades, como o público reage, o que precisa, quanto vai gastar, o que pode ser feito para melhorar, mas não pode se limitar a isso”.

“Se eu pudesse falar com cada clube no Brasil, recomendaria olharem um pouquinho para trás na história do futebol feminino brasileiro. Sissi, Roseli, Thaís Picarte, Juliana Cabral, Aline Pellegrino, tantas outras que ficaram no passado e que podem contribuir com uma consultoria ou captação e prospecção de jogadoras. Alguma coisa essas mulheres têm como oferecer para ajudar, porque embora tenham vivido em outra época, elas têm conhecimento de causa e isso pode ajudar os clubes a tocarem seu projeto”, acrescenta.

Outra luta para as mulheres é a da igualdade. “Ninguém fala que a Marta tem que ganhar o mesmo que o Cristiano Ronaldo, embora ela mereça, mas o futebol feminino foi negligenciado por muitos anos. A Copa do Mundo masculina existe desde 1930 e a feminina, desde 1991. As mulheres passaram 40 anos proibidas de jogar futebol, então nessa corrida é claro que as mulheres saem em desigualdade”, destaca Ana Thaís, que continua.

“O esporte feminino é muito mais recente que o masculino. Quando falamos em igualdade é para diminuir a diferença com o pouco que as mulheres ganham. Tem jogadora de time grande, de Série A, que faz faxina para poder pagar a condução para o treino, então precisa dar um pouco melhor de condição para essas meninas e, com isso, consequentemente o futebol feminino se tornará um produto melhor. Eu tenho certeza que nos próximos cinco, dez anos o futebol feminino no Brasil evoluirá”.

Portanto, a lição que fica é a de que os brasileiros precisam “acreditar mais no projeto e não ficar refém de detalhes para fazer o projeto acontecer. O futebol feminino passar na televisão é só a consequência de um projeto bem feito. Cito muito a questão da Superliga de vôlei e o quanto a TV foi importante para o desenvolvimento. No sentido de acreditar, cobrar melhoria das quadras e tornar o esporte mais comercial”.

O sucesso das transmissões, seja na televisão aberta, com audiência digna de novela das nove – como nas oitavas de final quando a partida entre Brasil e França foi acompanhada por mais de 30 milhões de telespectadores, recorde mundial -, quanto na televisão fechada, com aumento superior a 300% em relação ao último torneio, “é um caminho sem volta. Nunca mais vamos falar de futebol feminino do jeito que falávamos antes do Mundial de 2019 e isso se reflete na seleção brasileira”, acrescenta Ana Thaís.

“Agora vem um ciclo olímpico e vai ser muito importante o Brasil dar um resposta já em Tóquio com uma boa preparação. Enquanto seguirmos engajados, cobrando e atentos, a tendência é ter mais procura. Isso ficou muito claro nessa Copa com um nível altíssimo de audiência e retorno”, finaliza a jornalista. Sucesso tão incrível que o Brasil teve o maior público no mundo para a final, superando os Estados Unidos, que por sua vez tiveram 20% mais espectadores do que na última final da Copa do Mundo masculina.