Há pouco mais de dois meses a bola não rola em jogos oficiais nos campos de futebol goianos. Diante da inatividade de competições, e até mesmo de treinamentos, ainda sem uma definição de retorno para clubes como Atlético Goianiense, Goiás e Vila Nova, como os funcionários dos clubes seguem trabalhando?

Em entrevista à Sagres 730, Zuza Falcão, analista de desempenho do Goiás, afirmou que “no futebol, não dá para ficar parado. Nós, como analistas, temos a grande parte da nossa demanda no dia a dia a análise de adversários, da nossa própria equipe, dos treinamentos e das competições que o Goiás está envolvido. Quando conseguimos ter um tempo, tentamos acompanhar um jogador ou uma competição que não recebe tanta cobertura da mídia”.

Sobre o trabalho realizado durante a pandemia, “com essa paralisação, a nossa demanda de adversário acabou, então como resultado temos conseguido aprofundar muito mais na análise de competições e atletas que não conseguimos acompanhar na televisão. Por exemplo, a segunda divisão argentina é um campeonato que não se tem acesso aos jogos aqui no Brasil, mas que produz excelentes jogadores no quesito custo-benefício”.

O analista citou o exemplo do argentino Paulo Dybala, que se destacou de forma precoce na Primera B Nacional com a camisa do Instituto, de Córdoba. Da segunda divisão do futebol argentino, o jovem atacante se transferiu direto para o Palermo-ITA. No futebol italiano, Dybala se transformou em um dos principais jogadores da sua posição no mundo, hoje protagonista da Juventus-ITA e da seleção argentina.

Segundo Zuza, “é um mercado que o Goiás entra para brigar pelo que tem de melhor naquela competição. Além de ser uma competição que você consegue comprar jogadores mais novos, que estão com sede na carreira e querem crescer, são jogadores que você consegue fazer propostas salariais mais dentro da realidade, e consegue reduzir aqueles ‘caras’ já com um excelente avanço na carreira”.

Outro exemplo é o Campeonato Equatoriano, “que produz jogadores com uma parte física muito privilegiada, mas que também tem técnica para jogar. Já é uma outra característica que ajuda, por exemplo, na adaptação desses atletas aqui no Brasil. Às vezes ele não rende tanto tecnicamente, mas já compensa fisicamente. Então, com essa parada, temos conseguido manejar melhor o tempo para focar nesses atletas e competições que na correria do dia a dia acabamos não aprofundando tanto”.

Processo de análise e integração com diretoria e comissão técnica

Acerca da forma como é feita a observação de atletas e times que interessem a análise ao clube esmeraldino, Zuza Falcão ressaltou que “o Goiás investe no nosso departamento de análise em uma ferramenta de software que nos permite ver os jogos de um determinado jogador ou equipe de uma maneira muito mais reduzida e específica”.

O analista explicou que “por exemplo, se estou observando um lateral-direito e durante os 90 minutos a equipe dele constrói e finaliza uma jogada pelo lado esquerdo, sem o lateral-direito ter nenhum envolvimento direto naquele lance. Essa ferramenta identifica esse lance, tira do ‘bolo’ dos 90 minutos e deixa para eu assistir apenas os lances que o atleta, ou em um comportamento coletivo da equipe, está envolvido diretamente”.

“Pode ser, por exemplo, uma cobertura ou um movimento diagonal. Mesmo que o atleta não receba a bola ou que faça a cobertura e não dê o combate, o software identifica o lance como importante, então a ferramenta nos permite assistir uma quantidade muito maior de jogos. Se são só os lances que o atleta está envolvido, por vezes tem partidas que duram de 10 a 15 minutos dos lances daquele determinado atleta. Nesse período de quase dois meses, conseguimos assistir entre 500 e 600 partidas”, completou.

Se a direção ou a comissão técnica requisitarem análises de jogadores, “hoje temos uma lista de 53 nomes preparados para caso o professor peça alguma indicação”. De acordo com Zuza, “fornecemos indicações ou alternativas. Eu nunca cravo se um jogador é bom ou ruim, até porque ele pode não ter uma característica que você esteja procurando”. Quando internamente “surge um nome, pode ser por uma indicação ou por alguém que tenha assistido, esse nome é discutido na diretoria e chega até mim”.

“Vamos dar o exemplo do Keko Villalva: vou buscar os últimos jogos, de preferência sete recentes no mínimo, também não pode ser muito antigo, e disso vou compilar um vídeo mais curto com as ações principais e as características dele ressaltadas. Desse relatório de vídeo, também vou fazer um relatório escrito dizendo as principais características e deficiências”, acrescentou.

Além de jogadores, o departamento também é responsável por estudar as equipes adversárias, “um trabalho que divido com o Rodolpho (Chinem), que é o nosso outro analista de desempenho, e nós que fazemos todo esse processo de assistir pelo menos aos sete últimos jogos daquela equipe que vamos enfrentar e mapear organização ofensiva e defensiva, transição ofensiva e defensiva e bola parada, escanteio e falta lateral”.

Além das observações sobre as fases do jogo do adversário, os analistas também preparam materiais para os jogadores do Goiás, a exemplo do goleiro Tadeu, que recebe informações de cobranças de pênaltis e faltas diretas e como os adversários agem. Segundo Zuza, também “fazemos um trabalho de vídeo individual de cada atleta e temos esse material específico para cada jogador sobre o adversário que ele vai enfrentar”.

A análise também faz parte da preleção e orientação do time antes do jogos. O responsável pelo departamento frisou que “fazemos um vídeo, que primeiro é apresentado para o Rodney (Gonçalves, auxiliar técnico), ou para o Ney Franco, que às vezes participa dessa primeira seletiva. O Rodney discute conosco e depois preparamos a versão final, que então é apresentada para os nossos atletas em um vídeo-apresentação sobre esses detalhes do time adversário”.

Mercado sul-americano e os ‘gringos’ esmeraldinos

Como destacou, o departamento de análise de desempenho tem tido um foco no mercado sul-americano. Para Zuza, “preferimos e vamos continuar focando no mercado sul-americano, enquanto departamento de análise, porque nos estaduais já conseguimos acesso à informações com membros da comissão técnica, que já trabalharam em outros grupos. Em compensação, no mercado sul-americano, se não buscarmos através da nossa ferramenta do departamento, é mais difícil que consigamos essas informações”.

O analista detalhou que “a escolha pelo mercado sul-americano se deve fundamentalmente por dois motivos: a adaptabilidade e a questão financeira de mercado. É mais difícil, e às vezes até posso conseguir uma oferta em níveis iguais por um jogador africano, da Oceania ou do leste europeu, vou conseguir equiparar em valores com o mercado sul-americano, mas a adaptabilidade desse atleta ao futebol brasileiro e à nossa cultura é muito mais difícil do que se trago um atleta do Chile, do Equador, da Argentina ou do Uruguai”.

“A adaptação desse atleta ao nosso futebol, quando ele está mais próximo e já acompanha pela televisão o futebol brasileiro ou às vezes já enfrentou equipes brasileiras e sabe mais ou menos como é a nossa cultura do futebol aqui, facilita na adaptação e eu diminuo a minha chance de erro ao trazer um jogador. A questão do mercado é uma questão de economia, a moeda ainda entra muito em fator quando vou tentar trazer um jogador”, explanou.

Nesta temporada, o Goiás trouxe seis jogadores estrangeiros. Além do ítalo-brasileiro Daniel Bessa, que nunca jogou profissional no Brasil e está emprestado pelo Hellas Verona-ITA, a direção esmeraldina também contratou o lateral-direito uruguaio Juan Pintado, o meia-atacante chileno Ignacio Jara e os atacantes Keko Villalva, argentino, e Kevin Quevedo, peruano.

Sobre a avaliação dos ‘gringos’, “acredito que o saldo seja extremamente positivo no desempenho até agora no ano. Um fator que me chamou muito a atenção, principalmente nos primeiros meses, foi a adaptação deles ao grupo. Foram muito bem recebidos, até porque são muito profissionais, sérios e esforçados, e isso facilita. Os atletas que já estavam aqui reconhecem e aceitam muito melhor a chegada deles no grupo”.

Jogador a jogador, Zuza destacou que “o Keko Villalva foi um jogador que chegou para nós e que até já superou as expectativas, porque tinha uma certa dificuldade em finalização e no passe final. Na temporada passada, por exemplo, acabou não fazendo nenhum gol, e esse ano já fez dois gols, então está com uma média de gols até alta em relação ao número de jogos. Acredito ainda que ele vai melhorar na questão física, de adaptação à intensidade do nosso jogo e à própria competitividade”.

Já “Juan Pintado é um jogador que tem muita intensidade, força de vontade, força e explosão, mas que ainda está sentindo um pouco essa adaptação da parte ofensiva do jogo dele. O lateral, no futebol brasileiro, temos uma expectativa ofensiva alta e ele ainda vai se adaptar melhor nessa parte”.

Sobre os outros dois estrangeiros, fez a ressalva de que “o Ignacio Jara e o Kevin Quevedo tiveram muito pouco tempo de jogo para dizer concretamente o que eles precisam melhorar ou não no jogo deles. Acho que ainda estão em uma fase de adaptação inicial que os outros dois e com o tempo vou poder dizer melhor”.