Já no apagar das luzes de 2014, surgiu o principal personagem do ano.
E olha que ele se destacou em um ano de Copa do Mundo no Brasil e Eleições.
Belo exemplo, que todos sabemos não será seguido por muitos.
A matéria é do jornalista Cleomar Oliveira na edição de quinta-feira dia 17/12/2014 – Jornal O Popular.
—
Dono de uma voz calma e pausada, o desembargador Alan Sebastião de Sena Conceição, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), explica o motivo de ter abdicado do auxílio-moradia. “Não achei confortável receber este tipo de auxílio.” Ele tem 65 anos e foi promovido em 1968. Hoje já com os cabelos brancos, o magistrado acredita que os julgadores devem se afastar da política de classe.
Conhecido no tribunal pela postura discreta e técnica, Alan também não recebe auxílio-livro, em torno de R$ 2,6 mil, nem usa o carro oficial colocado à disposição de desembargadores. Os livros Os Irmãos Karamazov, romance de Fiódor Dostoiévski, e Para Sentir Deus, de Wanderley Oliveira, também estão entre as obras empilhadas à mesa.
Filho do comerciante Antônio Francisco da Conceição e da dona de casa Corina de Sena Conceição, Alan chegou ao tribunal por merecimento, depois de ingressar na magistratura, em 1976. Formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), ele é esposo da jornalista aposentada Nalva Rocha de Carvalho de Conceição e pai dos bacharéis em Direito Matheus Carvalho de Sena Conceição e Alexandre Carvalho de Sena Conceição.
O senhor é o único do TJ-GO que não recebe, por opção, o auxílio-moradia. Por quê? A leitura que fiz da lei é de que foi editada para contemplar, principalmente, os juízes do interior que estão, constantemente, deslocando-se de uma comarca para outra. Esta é a leitura que eu fiz da lei. Como tenho moradia, não achei confortável receber este tipo de auxílio. Daí a razão porque abdiquei deste benefício.
A Associação dos Magistrados entende que, apesar de ser uma forma de amenizar a situação dos juízes que têm de se deslocar de uma comarca para outra, o benefício também deve ser estendido aos que não têm casa oficial à disposição. Qual o senão nisso? A justificativa é justamente esta: se tenho moradia própria, qual a razão de receber este auxílio. Pode ser legal, mas não me sinto confortável. Tenho moradia própria, não preciso deste auxílio como forma de valorização.
Pode ser legal, mas, se o senhor o recebesse, seria imoral?É difícil este tipo de avaliação. O que posso dizer para você é que não me sentiria confortável em receber este auxílio.
Para o juiz do Trabalho Celso Fernando Karsburg, do Rio Grande do Sul, que também optou por não receber o auxílio, o benefício é “imoral, indecente e antiético”, além de ser “reposição salarial espúria.” A concessão do auxílio também não seria um meio de aumentar o salário, o que não está conseguindo por projeto de lei? Se o subsídio está desvalorizado e se não acompanhou a recomposição da moeda, a luta nossa, a luta da classe, tem de se estabelecer em outro campo. O sentido é de lutar para a reposição do subsídio, e não receber auxílio-moradia ou qualquer outro tipo de auxílio.
A luta se enfraquece? Não sei se enfraquece, mas a sociedade não vai compreender porque nós estamos recebendo auxílio-moradia. O recebimento deste tipo de auxílio enfraquece o Poder Judiciário, como instituição, perante a sociedade.
Por quê? As pessoas não vão entender porque juízes percebem auxílio-moradia. Nós já temos um salário razoável, o bastante para vivermos com dignidade.
O senhor acredita que isso tem relação com o processo de Judicialização da política ou politização do Judiciário? Não sei se isso é politização. Mas, no meu entendimento, nós não devemos politizar o Judiciário. Como digo: devemos afastar da política de classe. A política lá na associação. Nós temos que cumprir a missão para a qual a Constituição nos reservou Está na Constituição.
Garantir Justiça… Justamente.
E o senhor acredita que isso tem sido feito? Acho que sim, com alguns desvios, no geral. Acho que o Judiciário tem cumprido o seu papel.
O senhor também não recebe auxílio livro e não usa o carro oficial que está à sua disposição com motorista. O que justifica esta postura do senhor?Auxílio-livro, no meu ponto de vista, nós temos uma biblioteca no Tribunal de Justiça. Se estamos precisando de um livro, por que não solicitamos que este livro seja adquirido pelo Tribunal de Justiça? E o livro fica à disposição de todos os servidores e de todos os magistrados, na biblioteca. Não seria justo adquirir livros com o dinheiro do poder público e, depois de aposentar, levar todos como se fossem propriedade privada. Está aí um motivo também de não comprar livros com verba do poder público.
E em relação ao carro? Resido a dois quarteirões do Tribunal de Justiça. Qual seria a necessidade de eu fazer uso do carro oficial? O motorista utilizo para trabalhar na secretaria de gabinete. Tenho meu carro próprio, também não faço uso dele, só nos finais de semana.
Se morasse mais distante do tribunal, o senhor usaria o carro oficial? Quando assumi, quando fui promovido para o cargo de desembargador, fiz a renúncia do carro de representação, mas sem nenhuma crítica aos que usam isso. Sem nenhuma crítica. Não é nenhum desejo de ser moralista, apenas ser coerente com uma história de vida.
O que fez o senhor escolher Direito e permanecer na magistratura? Eu amo a Justiça. Ou mal ou bem, sou julgador, por natureza. A profissão foi abraçada por vocação