Em meio às ações da campanha Maio Laranja, que marca o mês de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, o projeto Arena Repense promoveu mais uma edição especial nesta semana, diretamente do auditório da Renapsi, com transmissão ao vivo pelo YouTube do Sistema Sagres. Com o tema “Proteção e Consciência: um papo sério sobre violência”, o evento reuniu jovens, educadores e especialistas em uma conversa franca e informativa.
Um dos destaques da programação foi a palestra do promotor de Justiça Pedro de Mello Florentino, do Ministério Público de Goiás, que atua na área da infância e juventude. Ele iniciou sua fala lembrando a origem da data de 18 de maio, que homenageia a menina Araceli, brutalmente assassinada em 1973. “Os culpados nunca foram condenados. E, em razão disso, se fez uma homenagem a essa criança, no dia 18 de maio, como um símbolo da luta contra esse tipo de violência”, explicou.
Pedro ressaltou que o enfrentamento à violência sexual exige não só a punição dos agressores, mas principalmente ações de prevenção, com foco na informação. “Crianças e adolescentes bem informados estão menos vulneráveis à violência sexual. São pessoas que vão saber desconfiar da presença de um agressor, saber dizer não e buscar ajuda quando necessário”, afirmou.
Durante sua apresentação, o promotor alertou que, na maioria das vezes, o abuso acontece dentro do ambiente familiar ou próximo à vítima. “É um crime que, não raro, é praticado por um padrasto, um tio, um vizinho, um avô, e até pelo pai”, disse, com base em dados estatísticos.
Pedro de Mello também esclareceu que o conceito de violência sexual vai além do ato sexual. “Mostrar conteúdo pornográfico para crianças, fotos de pessoas nuas ou manter relações sexuais na frente delas são formas de violência sexual. Muitos nem sabem que isso é crime”, alertou.
Um ponto central da palestra foi o alerta sobre os riscos no ambiente virtual. Segundo o promotor, criminosos usam redes sociais e jogos online para se aproximar das vítimas, fingindo ser adolescentes. “Eles conquistam a confiança da criança ou adolescente, depois começam a pedir fotos íntimas. Quando conseguem, passam a chantagear com ameaças de exposição. Isso se chama sextorsão”, explicou.
Pedro deixou um recado direto aos jovens: “Não conversem com estranhos na internet. Não mandem fotos íntimas, por mais que a outra pessoa diga que apagou, isso nunca será totalmente apagado.”
Ao final, o promotor reforçou a importância de denunciar. “A primeira atitude é contar para um adulto de confiança: pai, mãe, professor, médico. Se isso não for possível, busquem o Conselho Tutelar, a delegacia, o Ministério Público. Existem canais online e também o nosso Canal do Cidadão, onde é possível fazer denúncias anônimas”, destacou.
O Arena Repense recebeu também a policial e psicóloga Aliciana de Oliveira Freitas, referência em investigações de crimes contra o público infantojuvenil na Polícia Civil de Goiás. A especialista reforçou que o debate, apesar de difícil, precisa acontecer com clareza e empatia.
“Esse tema é complexo e nós temos que falar de uma maneira leve. Não é fácil. Mas nós precisamos falar. Precisamos encarar algumas coisas”, afirmou Aliciana ao iniciar sua fala.
A policial destacou que os índices de violência contra crianças e adolescentes continuam altos e que, embora o Maio Laranja concentre ações de mobilização, o combate deve ser contínuo. “Não que a gente não tenha que falar disso o ano inteiro. Mas, nesse mês, falamos de forma mais direta e objetiva, porque ainda há muitos casos acontecendo.”
Fatores de risco e vulnerabilidade
Com formação também na Psicologia, Aliciana abordou os chamados fatores de risco que tornam crianças e adolescentes mais expostos a situações de abuso. Entre eles, destacou o isolamento social, a solidão, o uso indiscriminado da internet e a falta de diálogo em casa ou na escola.
“Um dos lugares de risco é o campo da internet. Eu amo tecnologia, amo inteligência artificial, mas nós sabemos que é um lugar vasto. A gente não conhece a pessoa do outro lado”, alertou. E completou: “Ah, mas eu estou sozinha, me tranco no quarto e é ali que tenho amigos. Isso também é um fator de risco.”
A psicóloga chamou atenção também para os pensamentos negativos e a exclusão social: “Nós somos responsáveis pelos nossos pensamentos. Quando você percebe que está sozinho, precisa chamar atenção para isso, para você mesma. Você precisa ter uma rede de apoio.”
A importância da rede de apoio
Segundo Aliciana, a construção de uma rede de confiança é um dos principais fatores de proteção contra a violência. E essa rede não precisa se limitar a estruturas públicas ou institucionais: ela pode começar com uma pessoa próxima e confiável.
“Rede de apoio não é só governo, não. Pode ser a sua colega do lado, a professora, a coordenadora. O detalhe é: alguém de confiança”, orientou. “O problema é quando você constrói essa rede com quem você não pode confiar.”
Ela reforçou que mesmo ambientes instáveis, como um lar marcado por conflitos ou uma escola excludente, não devem impedir o jovem de buscar apoio. “Talvez a professora ou o supervisor possam chamar os pais para conversar, tentar organizar de alguma forma. Todos nós temos dificuldades. Mas temos capacidade de buscar saídas e alternativas.”
Limites, autoestima e transformação
Encerrando sua participação, a delegada falou sobre autoestima e autopercepção — especialmente importantes na adolescência, fase marcada por transformações hormonais e emocionais. “Às vezes, estou me achando linda, às vezes, estou me achando feia. No adolescente, isso também acontece. E, quando temos esse tipo de sentimento, nós baixamos a guarda. Ficamos vulneráveis.”
Ela explicou que a vulnerabilidade emocional pode abrir caminho para relacionamentos abusivos, inclusive com colegas ou parceiros amorosos. “Não é só um adulto que pode ser o agressor. Pode ser um colega, um namorado, uma namorada. Você precisa fortalecer sua percepção de quem você é.”
Ao final, deixou uma mensagem de conscientização e fortalecimento: “Pare para perceber como você está. Se você se encaixa em algum desses sentimentos que falei, procure ajuda. Sempre tem alguém do seu lado que pode estender a mão.”
Participação da plateia
Em um bate-papo interativo, os especialistas responderam perguntas do público, tanto no auditório quanto pelo chat do YouTube, e destacaram os sinais de alerta e formas de prevenção.
A psicóloga Luciana explicou como identificar relacionamentos tóxicos, destacando que o abuso nem sempre é explícito. “A partir do momento que algum comportamento daquela outra pessoa gera prejuízo físico, emocional, psicológico e comportamental em mim, ela sai da esfera do respeito e do amor para vir para a esfera do desrespeito e do abuso”, afirmou.
Segundo ela, críticas constantes, manipulação emocional e agressões verbais fazem parte de um ciclo de violência que pode evoluir. “É quando a pessoa critica tudo o que você faz, culpa você pelos erros dela, e depois pede desculpas dizendo que vai mudar, mas tudo se repete”, exemplificou.
Perguntas do público trouxeram à tona preocupações comuns. Maria Clara quis saber como lidar com pensamentos negativos persistentes. A psicóloga explicou que esses pensamentos, chamados de “intrusivos”, geram mal-estar e devem ser observados. “Quando você percebe que o pensamento está te gerando um sentimento ruim, é sinal de que ele é negativo. Mas, se isso estiver afetando sua vida, busque um terapeuta”, aconselhou.
Outra dúvida recorrente foi sobre como ajudar alguém que está em um relacionamento tóxico ou que sofre com problemas psicológicos. Luciana alertou sobre os limites da atuação de amigos e familiares. “Você pode oferecer apoio, mas não substitui um profissional. Diga: ‘Eu estou aqui para te dar a mão, mas você precisa buscar ajuda’”, disse.
A questão da segurança nas redes sociais também foi discutida. O promotor de Justiça Pedro explicou que manter perfis privados e conversar com os pais são atitudes essenciais. “Uma rede aberta permite que qualquer pessoa veja onde você mora, do que você gosta. Isso facilita o acesso de criminosos. Grupos perigosos se disfarçam de amigos, se mostram simpáticos, mas querem praticar crimes”, alertou.
Ao final, o programa deixou uma mensagem clara: a prevenção começa com informação, diálogo e acolhimento. “Não se isolem. Desconfiem de grupos estranhos, e conversem sempre com alguém de confiança”, reforçou o promotor.
Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes
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