CAROLINA VILA-NOVA
AMERICANA, SP (FOLHAPRESS) – O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) recriou a Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que ele próprio havia extinto no ano passado. O novo órgão perde, porém, as principais atribuições antes previstas, segundo ativistas ouvidos pela reportagem.

A principal alteração está no fato de que decreto, assinado pelo presidente e pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) na última quinta-feira (10), atribui à comissão papel de “consulta, estudos e articulação” para formular propostas na área, além de sistematizar e divulgar “materiais teórico-metodológicos sobre o tema”.

Já pelo decreto anterior, de 11 de outubro de 2017, a comissão tinha a finalidade de “articular ações e políticas públicas em consonância com o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”, além de estimular a criação de uma rede para o combate a esse tipo de violação.

“Não há atribuições e funções descritas no decreto, ou seja, ela não tem função, visto que o decreto anterior foi todo revogado”, avalia Irina Bacci, ex-ouvidora nacional de direitos humanos.

“Será um órgão de consulta, de estudos e de articulação, então não formulará [políticas], e sim dará subsídios. É como uma comissão consultiva.”

Outra mudança é que, antes, qualquer membro da comissão poderia convidar profissionais, especialistas e entidades para participar de suas atividades, subcomissões e grupos de trabalho. Agora, apenas o coordenador da comissão –a ser apontado por Damares– poderá fazê-lo. A secretaria executiva, que antes não existia, será exercida por seu ministério.

“A atuação do Estado brasileiro é pautada nos princípios da transversalidade, intersetorialidade, corresponsabilidade e participação social. Nós temos a missão de enfrentar essa violência a partir de medidas que envolvam articular, informar, sugerir e apoiar ações, tanto do governo quanto da sociedade civil”, afirmou Damares ao comentar a publicação do decreto.

Participarão da comissão representantes dos ministérios de Justiça e Segurança Pública, Educação, Cidadania, Saúde e Turismo, além do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Já os ministérios de Relações Exteriores, Esporte, Cultura, Trabalho e Transportes deixam de participar.

O combate ao abuso sexual de crianças é a principal bandeira da ministra Damares, ela mesma vítima de abuso na infância. Porém a extinção da comissão por decreto no ano passado foi considerada um retrocesso por ativistas, que afirmam terem perdido ali a principal interlocução que tinham com diversos órgãos do Executivo, outras entidades e organismos internacionais.

Outro retrocesso foi a omissão, em relatório do Disque Direitos Humanos, do encaminhamento dado e das respostas recebidas a denúncias de violações, apontada por reportagem do jornal Folha de S.Paulo e alvo de um pedido de informações pelo Ministério Público.

Além disso, a chefia da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos foi delegada a dois policiais rodoviários federais de carreira, sem histórico de atuação em direitos humanos.

Para o advogado Ariel de Castro, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), é “claro que esse anúncio agora de recriação da comissão intersetorial foi motivado pela reportagem da Folha”. A medida, diz ele, “demonstra que o desmonte das políticas públicas de proteção de fato ocorreu e que o governo agora está recuando e tentando mostrar serviço”.