José DeCoux, um norte-americano, mudou-se para a floresta equatoriana de Los Cedros nos anos 1980, impulsionado pelo desejo de “salvar a floresta tropical”. Com apoio de amigos e organizações sem fins lucrativos como Amigos da Terra Suécia e o Centro de Informações sobre as Florestas Tropicais da Austrália, ele comprou terras na região, iniciando um projeto de conservação e ecoturismo.

Ele cuidou da floresta até falecer em maio, quatro anos após ser diagnosticado com câncer. Apesar do desmatamento nas áreas vizinhas, a biodiversidade em Los Cedros prosperava em seus 4,8 mil hectares. Mais de 130 estudos científicos foram publicados sobre as espécies que habitam a floresta, incluindo fungos, orquídeas, caracóis, onças e o urso-de-óculos.

A floresta é predominantemente nublada, com umidade constante que sustenta líquens e orquídeas raras. Algumas espécies, como a rã-de-los-cedros, só são encontradas ali. No entanto, a sobrevivência da floresta nem sempre foi garantida.

Em 2008, o Equador foi o primeiro país a modificar sua Constituição para equiparar os direitos da natureza aos direitos humanos, impulsionado pelo movimento indígena equatoriano. Este foi um passo crucial para o movimento global pelos “direitos da natureza”, que busca reconhecer legalmente que o mundo natural merece a mesma proteção que pessoas físicas e jurídicas.

Movimento

Jacqueline Gallant, da Clínica de Defesa dos Direitos da Terra da Universidade de Nova York, explica que este movimento transforma entidades naturais de objetos a sujeitos perante a lei. “Mas, em sentido muito mais amplo, é um movimento para reavivar e recentralizar a natureza como tema de valor intrínseco”, afirma ela.

Até agora, iniciativas em 44 países, incluindo Brasil, Bolívia e Uganda, defenderam os direitos da natureza, abarcando desde animais individuais até rios, montanhas e a Mãe Terra. Em 2019, DeCoux levou seu caso aos tribunais quando uma mineradora começou a explorar a região, defendendo o direito da floresta de existir e se regenerar.

Apesar da rejeição inicial, o caso foi aceito pelo Tribunal Constitucional do Equador, resultando em uma vitória em 2021. A mineração foi proibida, protegendo a biodiversidade da floresta e definindo um precedente para futuros casos. “O sucesso do litígio foi além dos meus sonhos mais ousados”, declarou DeCoux.

Decisão

Gallant ressalta que a decisão sobre Los Cedros foi significativa, pois aplicou os direitos da natureza a todo o território nacional, não apenas às áreas protegidas. A proteção da floresta não foi apenas pelo valor dos recursos que ela oferece aos humanos, mas por seu próprio direito à existência.

“Existem pessoas em todo o mundo observando como um tribunal determinou o que os direitos da natureza significam na prática e dizendo ‘ótimo, vamos tentar fazer isso aqui’. E é assim que avança o movimento global”, explica Gallant.

No entanto, os desafios continuam. O governo equatoriano transferiu a responsabilidade de proteção para entidades públicas e privadas com recursos limitados. A mineração nas áreas próximas ainda representa uma ameaça indireta, incentivando atividades ilegais nas fronteiras da reserva. “As empresas fizeram as malas e saíram em menos de 10 dias após a decisão do Tribunal Constitucional”, contou DeCoux à BBC, em abril.

Direitos da natureza

O movimento pelos direitos da natureza tem avançado globalmente. No Brasil, 12 municípios reconheceram os direitos da natureza em suas leis orgânicas, e alterações constitucionais estão em trâmite em quatro estados.

No Peru, o rio Marañón recebeu direitos legais, em uma ação promovida por mulheres indígenas kukama contra o Estado e a Petroperú. Para Jacqueline Gallant, o movimento pelos direitos da natureza é essencial para todos, influenciando nossa linguagem e visão do mundo natural.

A anciã kukama Mariluz Canaquiri Murayari destaca a importância de cuidar e proteger a natureza, refletindo a visão indígena de valor inerente. “Toda planta e animal tem vida, tem um espírito”, explica ela. “Por isso, eles merecem ser reconhecidos como pessoas.”

Em Los Cedros, a vitória de DeCoux é uma demonstração do que pode ser alcançado. A floresta permanece um santuário de biodiversidade, graças aos direitos equiparados aos de uma pessoa.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 15 – Vida Terrestre

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