Foto: Agência Brasil

Mesmo depois de 132 anos da abolição da escravatura no Brasil, ações de fiscalização ainda identificam inúmeros casos onde os trabalhadores são encontrados em situações análogas de trabalho escravo. Um levantamento da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho da Secretaria Especial de Previdência do Ministério da Economia aponta que em 2019 mais de mil pessoas foram resgatadas destas condições. Em Goiás, o número foi de 135.

Em entrevista ao repórter da Rádio Sagres 730, Rafael Bessa, o presidente da Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho em Goiás, Rogério Araújo, falou sobre os desafios em acabar com essa situação no Brasil. “Essa é uma chaga que a gente ainda não conseguiu eliminar de nosso país. Em 2019 foram mais de mil casos e em 2018 incríveis 1745 trabalhadores foram resgatados em situação análoga de escravidão”, ressalta.

Os dados divulgados no último dia 28 de janeiro marcaram o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Essa data foi instituída em homenagem a três auditores fiscais e um motorista mortos no dia 28 de janeiro de 2004 em Unaí, Minas Gerais, quando se dirigiam para uma inspeção em fazendas. O episódio ficou conhecido como a Chacina de Unaí.

Em homenagem a data, a Polícia Federal (PF) promoveu ações. O presidente da comissão de direitos humanos da PRF, Fabricio Rosa, detalhou sobre elas. “A PRF está envolvida na fiscalizando tanto na rodovia, inibindo possíveis casos que passam pela rodovia”, explica. Segundo ele, a demanda desses trabalhos são maiores em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e Goiânia acaba sendo rota desses trabalhadores aos destinos finais.

“Goiás é especialmente um Estado de passagem onde as pessoas vão para o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e acabam sendo escravizadas”, ressalta. “Muitas vezes essas pessoas são levadas para fazendas de cana de açúcar, mineradoras e carvoarias”. Complementa.

O presidente ainda lembra das situações como essas pessoas são encontradas. “Eu já fui em operações onde flagramos situações degradantes. Pessoas que não conseguem ter liberdade e que se tentarem fugir são violentadas. Outras pessoas nem recebem pelo seu salário ou recebem muito pouco e são considerados trabalhadores escravos”, lamenta.

O perfil dos trabalhadores resgatados geralmente segue um padrão de vulnerabilidade social, como explica Rogério Araújo. “Pessoas das regiões mais pobres do Brasil, especialmente do interior do Maranhão, do Piauí e Para, recebem salários de R$ 200 ou R$ 250 por mês. Algumas sobrevivem apenas com o benefício do Bolsa Família, que é de mais ou menos R$ 130”, detalha.

Dentro dessa realidade Rógerio explica como os aliciadores se aproximam das pessoas. “O aliciador vai nas cidades menores do Maranhão, por exemplo, onde não há oportunidade de emprego. Cidades onde não tem comércio, indústria, não tem nada. Ele oferece emprego em fazendas no interior de Goiás, Pará ou Mato Grosso, com salários de R$ 1000. Para um cara que ganha R$ 150 por mês a proposta é uma completa transformação de vida,” explica.

“Nós chamamos esses aliciadores de gato. Ele seleciona várias pessoas e oferece o transporte. De uma só vez ele consegue recrutar de 20 a 40 trabalhadores. Por isso o trabalhador já chega na fazenda devendo, por exemplo, R$ 1000 da passagem. E esse se torna o primeiro débito do trabalhador. Além disso, quando ele vai para a fazenda qualquer equipamento de proteção pessoal, comida, qualquer coisa ele é cobrado um valor superfaturado. Então, quando chega o final do mês o trabalhador fica devendo e não recebe salário”, descreve.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da PRF, as soluções para os problemas de trabalho escravo no Brasil passam por medidas de fiscalização. Ele defende que é necessária uma articulação entre os órgãos, uma vez que as operações atingem fazendeiros que são grandes empresários e políticos.

“Precisa de uma articulação do judiciário, porque sempre que há uma fazenda de trabalho escravo os donos são políticos ou grandes empresários. Já aconteceu de ser até do prefeito da cidade. Então, é preciso uma articulação de vários órgãos para que haja responsabilização. É necessário o ponto de vista criminal, porque tem a previsão no código penal e o ponto de vista cível, porque essas pessoas devem que ser indenizadas. É quando o ministério público entra na justiça e ganhar cerca de R$ 20 a R$ 30 mil para o trabalhador. Também é necessário o ponto de vista administrativo, porque essas empresas precisam ser multadas”, defende.

Além disso, o presidente ressalta a necessidade de uma articulação na reinserção dessas pessoas no mercado de trabalho. Segundo ele, é muito comum encontrar essas pessoas novamente em situação análoga de trabalho escravo.

Uma medida que busca inibir o trabalho escravo no Brasil é a chamada lista suja. O presidente da Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho em Goiás, explica que os empregadores flagrados explorando trabalhadores são incluídos no cadastro.

“A lista suja é divulgada pela Secretaria de Inspeção do Trabalho. No Brasil, cerca de 190 empregadores constam nessa lista atualmente, sendo dez de Goiás. A lista é pública, e se encontra no site da Secretaria de Inspeção do Trabalho por estado que submeteram os trabalhadores a condições análogo a escravidão,” explica.

Dos dez casos registrados em Goiás, 7 são da zona rural, 1 da construção civil, 1 de uma fábrica de bijuterias e 1 clube de futebol. As ocorrências foram registradas em Aparecida de Goiânia, Caldas Novas, Jaraguá, Minaçu, Mineiros, Mundo Novo, Paraúna, Rio Verde e Santa Bárbara de Goiás.

O relatório disponível no site da secretaria atualizado em 13 de dezembro de 2019, listou as operações nas seguintes empresas:

 

*Com reportagem de Rafal Bessa