Os mais de três mil quilômetros de distância entre Brasília e Mérida representam quão diferente são os dois países. Apesar de todos os problemas enfrentados na nossa terra, a Venezuela, que faz fronteira com o Brasil a noroeste, mais precisamente na região de Roraima, passa por um momento de calamidade pública, de desilusão e pobreza extrema.

Minha passagem pela Venezuela durou cinco dias. Logo na chegada, me deparei com problemas que se tornariam corriqueiros ao longo da minha jornada. Eram dois fiscais para o serviço de imigração, as paredes eram sujas, com um corredor antigo, algo semelhante aos ginásios abandonados do nosso país.

Mais à frente, uma grande foto de Hugo Chávez, presidente do país entre 1999 e 2013, ano em que faleceu. A imagem era do político saudando todos com a mão esquerda, fora do padrão habitual de se cumprimentar com a direita. Faz parte do jogo político e da ideologia local.

volks fechada venezu 2Com a economia desamparada, era normal ver empresas fechadas. Já os supermercados e farmácias tinham um grande movimento, embora nem todos tinham capital financeiro para uma boa compra.

A água, um patrimônio essencial, era mais cara que o combustível.

Não existe casa de câmbio no aeroporto de La Chinita. Para trocar a moeda, é preciso fazer uso do mercado negro, algo que exige cuidado. Ciente disso, tive a ideia de entrar em uma igreja, onde conheci o pastor José Peñaloza, que fez a conversão do meu dinheiro para a moeda local. Conversei com Peñaloza e logo nos entrosamos. Ele me ajudou bastante e até me levou, em sua caminhonete, para um hotel em Maracaibo.

dinheiro venez bolivaresDurante o nosso jantar, ele me confidenciou seu desejo de se mudar para os Estados Unidos, embora ressaltasse o quanto gosta da Venezuela, mesmo sendo colombiano.

O companheiro de imprensa André Hernan, do canal por assinatura ‘SporTV’, em uma participação no programa ‘Tá Na Área’, mostrou a quantidade de notas que teve que levar para comprar um café para ele e seu produtor. Em suas mãos, André possuía 800 bolívares, que equivale à R$ 3,20. Hernan também guarda pra si uma história hilária da Venezuela, de quando foi tentar fazer cambio de seu dinheiro.

andre hernan sportv bolivares“Sabemos quanto o câmbio aqui é complicado. Fui trocar dinheiro em um hotel todo escuro lá em Caracas. Quando percebi que um rapaz todo performático e cheio de segredos estava fazendo câmbio, fui logo atrás dele. Porém, o mesmo começou a correr. Neste momento minha calça começou a cair e eu tive que colocar a mão para trás para segurá-la. Eu cheguei a gritar ‘amigo, espere aí’ e logo ele virou, colocou suas mãos para cima e implorou gritando ‘não me mate, não me mate’. Aos risos, o tranquilizei falando que eu era apenas um brasileiro querendo trocar dinheiro. Resumindo, ele achou que eu era um bandido e queria rouba-lo”, afirma André Hernan.

Às 3h50 da manhã, o pastor Peñaloza (que me serviu de caroneiro/cambista) me levou para a rodoviária da cidade, onde tive mais surpresas. O transporte público no país vive momento grave, com superlotação e veículos em mal estado de conservação.

carro velho venezCarros da década de 1970 e 1980 eram grande maioria nas estradas.

A viagem para Mérida durou mais de oito horas, com vários pedágios a 20 bolívares. A lotação que peguei tinha quatro mulheres. Uma delas é Claudia Paris, estudante de bioanálises da Universidade Luz, de Maracaibo.

carro lotado venezEla é mais uma que pretende deixar o país por não ver um futuro brilhante no país. Ao som de vários estilos, entre eles o merengue e o reggaeton, tão típico na América Latina, o motorista Nerio Cárdenas conduzia a nossa viagem.

A guarda nacional do país não tem uma fama confiável. Logo, mais uma vez, tive de ter cuidado redobrado. Por mais de dez paradas, o motorista teve que abaixar o vidro para que todos se identificassem.

Mesmo com o momento delicado pelo qual passa a Venezuela, a população não se entrega, tem felicidade e tem sonhos. Não é um cemitério de desilusões e depressões. Conheci uma menina que muito me marcou, com uma simplicidade que jamais vi.

ju com a moca 2Ela, com o conhecimento adquirido pelos árduos 21 anos no país, disse que não pretende ficar rica. Assim que formar, ela quer apenas trabalhar e ter o que vestir. Isso é o que basta, na sua visão, e deu uma lição para todos os nossos dias.

No dia do jogo, assim que cheguei no estádio Metropolitano de Mérida, tudo estava acontecendo inesperadamente bem. Minhas participações no programa ‘Enquanto a Bola Não Rola’ estavam todas acontecendo no nosso padrão de qualidade.

ju na cabine do metropolitanoAté que um membro da organização local passou em todas as cabines de rádio e TV, informando que haveria um apagão programado no momento em que, coincidentemente aqui no Brasil, estaria sendo veiculado o programa obrigatório ‘A Voz do Brasil’.

Fechamos com chave de ouro o ‘Enquanto’ e, justamente na hora do início do ‘Futebol Fantástico’, a energia voltou. Tudo transcorria normalmente bem, como o previsto pela organização, até que aos 28 minutos do 2º tempo, houve um novo blackout. Dessa vez imprevisto. Foram mais 22 minutos às escuras. Apenas a luminosidade das placas de publicidade e das cabines possibilitava uma visualização parcial do campo.

estadio apagaoOnde jogadores de ambas as seleções se aqueciam banhados por uma chuva fina. Tive uma grande surpresa quando da arquibancada ao meu lado, começaram a surgir gritos contra as autoridades locais. Logo, o estádio inteiro (às escuras) entoava “Fuera, Maduro”.

Com o retorno das luzes, porém, os gritos foram abafados por cânticos de incentivo à ‘Selección Vino Tinto’. Em campo, você já sabe. A Seleção Brasileira deu um show, conquistando a quarta vitória consecutiva sob comando do novo treinador.

Após a partida, vários atritos entre os funcionários da CBF e da confederação venezuelana aconteceram. A entrevista coletiva do técnico Tite foi mudada de horário e local por diversas vezes. Um acordo sobre os banners que estampavam os patrocinadores não foi respeitado. Eles queriam que todos da seleção brasileira concedessem entrevista em frente às logomarcas dos patrocinadores locais.

tite coletivaLogo, a coletiva do Tite teve de ser improvisada em um outro local. Tive o privilégio de abrir a entrevista com o comandante da Seleção. Depois, fui para a zona mista, também improvisada. Lá falei com vários jogadores, como Gabriel Jesus, Daniel Alves, dentre outros.

Sai do estádio por volta de 01h40 da madrugada (02h40 no horário de Brasília). Quando cheguei no hotel, tive a certeza que o trabalho de representar Goiás e o Centro-Oeste do pais junto da nossa Seleção na Venezuela foi muito bem executado.

No Brasil, fui muito bem respaldado pelos, além de colegas de trabalho, amigos: Arthur Magalhães, Arthur Barcelos, Nathália Freitas, Matheus Carvalho, Rafael Bessa e Nivaldo Carvalho.

onibus antigo venezFui embora no ‘Día de La Raza’ (Dia da Raça), feriado em comemoração ao povo venezuelano. Novamente, tive que enfrentar problemas com o transporte precário. Não existiam ônibus direto para a capital Maracaíbo. No meio do caminho, uma dura parada de mais de quatro horas em El Vígia, até retomar a viagem rumo à Maracaíbo.

Assim como na ida, passei por várias escoltas fortemente armadas. Em algumas abordagens apenas abrir o vidro bastava. Já em outras, foi necessário abrir as bolsas e também mostrar o passaporte.

mulher pegando papelO trecho em que estava era rota direta do tráfico. Algumas barreiras foram improvisadas pela guarda nacional. O clima era de tensão o tempo todo. Em Maracaíbo, foi marcante ver uma mulher guardando em sua bolsa um rolo de papel higiênico que estava no banheiro do Aeroporto de La Chinnita, já que este produto de cuidado pessoal estava faltando nas prateleiras dos supermercados venezuelanos.

No Brasil, quando deitei em minha cama pela primeira vez após o retorno, passava pela minha cabeça o clima de hostilidade e ao mesmo tempo de esperança que vivi na Venezuela. E a lição que tiro é a seguinte: as ingerências das autoridades podem até trazer consequências para o dia-dia das pessoas, mas são incapazes de ceifar-lhes o desejo de dias melhores.

Para encerrar, deixo um vídeo com os melhores momentos da minha jornada até Mérida, na Venezuela. Agradecendo sempre a boa companhia dos companheiros de viagem Zé Alberto, da Rádio Gaúcha, André Hernan, do SporTV, Wellington Campos, da Itatiaia e Rádio 730, e Tino Marcos, da TV Globo.

https://www.youtube.com/watch?v=YR54M6YE-pg