Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Entregadores enfrentam fome enquanto plataformas acumulam lucros, aponta pesquisa

Um levantamento da Rede Penssan, com apoio da Ação da Cidadania, indica que 30% dos entregadores vivem em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Ou seja, aqueles que levam comida à porta das casas brasileiras muitas vezes não têm o que comer ao final do expediente.

A pesquisa aponta que 69% dos entregadores ganham menos de um salário mínimo, 41% já sofreram acidentes de trabalho e quase 60% trabalham todos os dias da semana, muitos por mais de nove horas diárias. Apesar disso, permanecem invisíveis para as políticas públicas.

Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania, destaca a gravidade da situação, em entrevista ao Pauta 2 do Sistema Sagres. “Surpreende que esses trabalhadores estejam em situação pior do que a média nacional. Isso mostra como esse grupo é profundamente vulnerabilizado, sem qualquer suporte das empresas que mais lucram com o seu esforço”, afirma.

A pesquisa revela que grande parte dos entregadores são jovens, pretos e dependem exclusivamente das plataformas para sobreviver. A precariedade da relação trabalhista é escancarada. “As empresas criaram um modelo onde não têm praticamente nenhuma responsabilidade sobre o trabalhador. E alegam que não podem aumentar os preços para o consumidor, senão inviabilizaria o negócio. Mas se o modelo só existe com base na exploração, ele não deveria existir”, critica Kiko.

A desigualdade entre consumidores e entregadores também foi abordada. Kiko questiona: “Por que aceitamos pagar 13% de taxa de serviço num restaurante, mas achamos caro pagar R$ 5 pela entrega de um pedido feito na chuva, à noite, por um trabalhador que arrisca a vida de moto?”. Para ele, falta empatia e responsabilidade coletiva. “Aceitamos um modelo quase escravocrata de prestação de serviço porque nos convém. Isso precisa mudar.”

Regulamentação

Para Kiko, um dos caminhos é a regulamentação. “A empresa tem que ser obrigada a garantir condições dignas. Hoje, quem paga o preço é o trabalhador e o Estado. Eles não têm plano de saúde, usam o SUS quando sofrem acidentes – que, aliás, são uma das maiores causas de ocupação nos hospitais públicos. E, como não contribuem para a Previdência, vão depender de assistência social no futuro.”

Questionado sobre alternativas, o diretor da Ação da Cidadania propõe uma divisão mais justa de responsabilidades. “O valor da entrega pode ser maior, mas esse dinheiro precisa ir para o trabalhador, não para o lucro da empresa. Quem precisa cortar na carne são as plataformas. E nós, consumidores, também temos um papel nesse processo”, argumenta.

Kiko faz outro alerta: “Esse modelo, do jeito que está, é justo para as empresas, justo para os consumidores, mas injusto para o trabalhador e para o Estado. Ou ele passa a ser justo para todos, ou ele não faz sentido”.

Na mais recente atualização da “lista suja” do trabalho escravo divulgada pelo governo federal, 155 novos nomes foram incluídos, enquanto 120 foram retirados, totalizando um crescimento líquido de 35 empregadores. A lista, que aponta empregadores flagrados explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão, cresceu em meio a um número alarmante de denúncias. Somente no ano passado, mais de 3 mil casos foram registrados.

Em entrevista ao Pauta, o auditor fiscal do trabalho Roberto Mendes apontou a intensificação das fiscalizações como um dos fatores para o aumento dos resgates. “Nós tínhamos uma média de 800 a 1.000 denúncias por ano até 2018. Em 2023, esse número passou de 3.000. Isso reflete tanto o aumento de denúncias quanto a intensificação das operações”, afirmou.

O estado de Goiás segue entre os líderes em número de resgates. Mendes explica que isso se deve à forte atuação dos órgãos locais desde 2008. “Temos aqui um grupo regional, além do nacional, com uma presença muito incisiva”, explicou o auditor.

Apesar da ampliação da fiscalização, um ponto de preocupação destacado na entrevista foi a ausência de empresas de plataformas de entrega na lista. Segundo Mendes, essas companhias continuam à margem da responsabilização legal. “Infelizmente, a legislação atual não reconhece uma relação de emprego nesses casos. Por isso, ainda que os entregadores estejam submetidos a condições degradantes, não conseguimos enquadrar essas situações como infrações trabalhistas”, lamentou.

Realidade

A realidade desses trabalhadores foi duramente criticada por Kiko, que cobrou ação das autoridades. “A fala do auditor mostra o tamanho do problema. Não temos um modelo que regule esse tipo de trabalho, e quem deveria resolver, não está agindo. O Congresso, o Senado, o Executivo. Todos sabem do que está acontecendo e nada muda”, afirmou.

Kiko ressaltou que a precariedade dos entregadores é visível e cotidiana. “Todo mundo conhece alguém que já recebeu um pedido errado porque o entregador estava com fome e comeu parte do lanche. Isso é devastador. E mesmo assim, o Judiciário segue decidindo que não há vínculo de trabalho. Mas e a condição humana dessas pessoas?”, questionou.

Para Kiko, a solução passa por mobilização popular. “É preciso que a sociedade pressione por uma regulamentação justa, mas com o olhar no trabalhador. Sem eles, essas empresas não existem. O centro desse debate tem que ser o ser humano, não o lucro”, defendeu.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 08 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico

Leia também:

Mais Lidas:

Sagres Online
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.