Marcada pelo Golpe Militar, por renovações culturais destacadas no compasso da Jovem Guarda e do Tropicalismo, assim como pelos dribles desconcertantes de Garrincha, Pelé e companhia, os anos 1960 foram uma década distinta. Bicampeão mundial diante de um povo que aos poucos se distanciava da inocência, o Brasil revolucionou o futebol na Copa de 1962, transformando-o na paixão nacional que colocaria o país no posto de maior potência do esporte no mundo.
Os mesmos sentimentos que movimentavam a população de Norte a Sul do país encontravam eco na jovem Goiânia, que, com apenas três décadas de existência, viu surgirem ídolos que ficariam consagrados na história. Todos brilhando no mesmo palco: o Estádio Olímpico Pedro Ludovico Teixeira. Com capacidade para dez mil torcedores, era um gigante no seio da recente capital.
Goiânia crescia tão rápido que o estádio não suportou a lotação e viu-se obrigado a ceder espaço para um novo rei: O Estádio Serra Dourada. A partir dali, o Olímpico foi ficando esquecido e chegou a ser abrigo de pessoas contaminadas pelo Césio. Talvez, pelo desastre, não tenha saído tão célere da mídia. O tempo, por sua vez, falou mais alto. Assim como um senhor engelhado pelo tempo, não resistiu e faleceu em 2003.
Ouça a íntegra da reportagem de Juliano Moreira que foi ao ar na Rádio 730:
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As redes que chacoalharam inúmeros gols, as arquibancadas por onde sentaram torcedores ávidos foram embora com ele. Restaram apenas as lembranças e histórias de quem passou por ali. Pessoas que, hoje, preferem se manter distantes para que não sejam tomados pela tristeza.
Guilherme, ex-jogador do Vila Nova, é um deles. Ídolo da torcida colorada na época em que o Olímpico estava de pé, não esconde o sentimento que tem pelo gramado em que brilhou. “É muito difícil passar ali. Quando passo não olho pra dentro para não sentir. Ali tudo começou. Hoje sou conhecido por causa daquele estádio. Eu sinto saudades, dá até vontade de chorar. Não é brincadeira, não”, lamenta.
Assim como Guilherme, outros jogadores também fizeram história no Olímpico. O atacante Jair Porrete, que defendeu as cores rubro-negras no período de ouro do Dragão questiona a necessidade da demolição do estádio. “Eu fico triste quando passo na Paranaíba e vejo aquele monte de terra. Porque desmancharam o estádio? Poderiam ter feito uma reforma. O Olímpico era uma referência, era centralizado. Hoje acabou”.
Jair tem razão no que diz. O Estádio Olímpico acabou e não tem época, nem data certa para ser reconstruído. A história toda é complexa e difícil de entender. O Olímpico foi demolido em 2003. O objetivo era a construção do Centro de Excelência do Esporte, um misto que englobava, além do estádio de futebol, o Ginásio de Esportes, Laboratório de Capacitação e Pesquisa e Parque Aquático. Nem tudo foi concluído.
De quem é a culpa?
De acordo com o Presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), Jayme Rincon, todas as providências necessárias já foram tomadas pelo Governo do Estado. Ao menos, R$ 11 milhões, ainda estão garantidos em depósito na Caixa Econômica Federal. Esse, portanto, não é nem a metade do necessário para a retomada dos trabalhos.
“Houve uma precipitação do governo anterior na demolição do Estádio Olímpico. Para se ter uma ideia, eles não tinham recursos garantidos e nem projetos aprovados para a construção do novo estádio. Antes da demolição, deveriam concluir o laboratório. Os recursos hoje depositados na Caixa Econômica Federal [R$ 11 milhões] se destinam exclusivamente ao Parque Aquático e à conclusão do laboratório, mas não adianta olhar pra trás e ficar procurando culpados”, relata.
Mais que procurar os acusados pela demolição do Olímpico, o Procurador da República fez denúncias graves contra os executores. Segundo ele, nunca houve dinheiro para a construção do empreendimento com um todo. “Nós iniciamos uma investigação e descobrimos que foi feito um convênio para a demolição do Estádio Olímpico que custou cerca de R$ 1 milhão.Nós pedimos um histórico orçamentário remetido pelo Congresso Nacional e ele mostrou que nunca houve recursos. Esse dinheiro veio a conta-gotas e o empreendimento andou da forma que andou, ou seja, sem conclusão”, explica.
A Agetop garante que, não fosse o Ministério Público Federal (MPF), as obras seriam retomadas de imediato. Segundo o presidente do órgão, todos estão de pés e mãos atadas com a situação. “Foi um embate muito grande com a empresa responsável pela obra, partimos para uma rescisão unilateral e o assunto foi parar na Justiça. Vencemos todas as ações. Enquanto isso, atualizamos os projetos do laboratório, do centro de excelência e finalizamos os projetos. Já estamos com essa parte totalmente concluída. Só não iniciamos as obras amanhã, porque dependemos da decisão do Ministério Público Federal, que foi quem embargou”.
O MPF, por sua vez, ressalta que não irá liberar mais nenhum centavo enquanto não tiver em mãos todos os detalhes da obra e, daí, ser possível saber se todas as falhas foram sanadas. “A Agetop remeteu a documentação ao Ministério Público e esse material está sob análise do nosso departamento de engenharia. Foram muitos problemas encontrados, havia superfaturamentos e estava sendo cobrado por serviço não executado. Embora nós tenhamos interesse na conclusão da obra, por outro lado é nosso papel ser guardião do dinheiro público”, pondera o Procurador Raphael Perisse.
Para a Agência Goiana de Esporte e Lazer (Agel), a culpa de tanta demora é da Justiça. De acordo com o Presidente José Roberto de Athayde Filho, é necessária uma posição imediata para que nem a população, nem os detentores, sofram com o não andamento do projeto. “A justiça é muito morosa. Esse processo levou 10 anos se arrastando Justiça. A gente fica lutando pra não ter que devolver o dinheiro, mas parece que mexer com papel é mais difícil que colocar um tijolo. Enquanto a Justiça não se posicionar, a gente fica de pés e mãos atados com a angústia de concluir a obra”, alega.
Quem mais sofre são os que ajudaram a construir a história do Olímpico. História que, segundo o ex-árbitro de futebol Urias Crescente, foi enterrada com o patrimônio. “Ali apitei jogos decisivos e internacionais. Quando vi as máquinas destruindo, chorei de emoção e de tristeza. Se enterrou um patrimônio e ninguém toma providências. Praticaram um crime doloso e maldoso”, chora ao lembrar o grito incessante do torcedor que, segundo ele, está cravado em sua memória.
Abandono na Região Central
Vizinho dos entulhos, o ex-jogador do Goiás Lincoln também relembrou seus tempos de Olímpico. Ele garante que o Serra não é o palco maior, e é preciso fazer uma divisão de conceitos. “Quando olho, dá uma tristeza ver um patrimônio jogado para o mosquito da dengue. Dói ver que nada foi feito. Seria muito interessante que o Olímpico fosse resgatado e que se construísse ali uma arena de futebol para dividir com o Serra Dourada as glórias do futebol atual”.
Jair Porrete tem o mesmo ideal e não vê a hora de tudo voltar a ser como antes. “Às vezes paro pra pensar, quantos torcedores me aplaudiram ali, quantos foram ver nós, jogadores. A gente sente saudade. O coração balança. Eu queria ter o Estádio hoje. Se por acaso voltar a construir, se eu ainda estiver vivo, não vou deixar de assistir aos jogos”, confessa.
Mágoas e lembranças de lado, essa volta ainda pode demorar. Para o Procurador Raphael Perisse, nunca houve empenho [nome técnico para a reserva do dinheiro]. Com isso, tudo continuará parado até alguém assumir o projeto, a vontade ou até mesmo, a culpa. O caso é tão sério que, nem o Estado, nem o Governo Federal, sabem dizer ao certo, quanto foi gasto até hoje na obra.
“O dinheiro para a construção nunca existiu e isso contribuiu para que não desse certo. Hoje é impossível saber quanto foi gasto no empreendimento e quanto será necessário gastar até o final. Para evitar que se diga que são R$ 20 milhões e amanhã R$ 28 milhões, queremos saber exatamente quanto será gasto”, concluiu.
Enquanto torcedores, atletas e interessados em ressuscitar o Olímpico não veem o sonho realizado, ex-jogadores como Líbano, do Goiânia, fazem apenas um pedido. Uma súplica para que outros olímpicos não se despeçam da Terra por antipatia, aversão ou simplesmente, jogo político.
“Não destruam nada o que é do povo sem perguntar para o povo. Têm muitas pessoas assim como eu, profundamente magoadas. Essa mágoa não vai acabar nunca. Isso machucou o cidadão goiano. Eu estou marejado, calejado. Destruíram a minha alegria dentro do futebol. É uma dor profunda no coração”.
Crédito das Fotos de Arquivo: (Foto 001-Sebastião Macalé / Foto 002-Talvane Meirelles / Foto 003-Líbano / Foto 004-Divulgação)