ANA CAROLINA AMARAL E PHILLIPPE WATANABE / SÃO PAULO, SP, E SHARM EL-SHEIKH, EGITO (FOLHAPRESS) – Após emplacar com dificuldades na previsão da agenda da COP27, a negociação sobre a reparação por perdas e danos climáticos ficou estagnada nas consultas informais aos países na primeira semana da Conferência do Clima da ONU, que vai até o dia 18, no Egito.
O racha entre países ricos e o bloco em desenvolvimento, representado por G-77 e China, permanece profundo.
O cenário internacional, logicamente, pesa nessa questão, diante das tensões geradas pela guerra na Ucrânia –e as consequentes discussões relacionadas a energia e segurança–, a falta de cumprimento de promessas anteriores dos países desenvolvidos e, ainda, a ausência de novos compromissos significativos para financiamento climático.
Na mesma semana em que a ONU lançou uma recomendação de critérios para evitar greenwashing em anúncios de compensação de emissões de carbono, os Estados Unidos propuseram o uso de dinheiro de créditos de carbono como uma fonte financeira para a transição energética em países em desenvolvimento.
Os créditos teriam origem no próprio fim de operação das usinas movidas a combustíveis fósseis. Ou seja, pararia de haver essas emissões.
A ideia –que foi destacada pelo enviado especial para o clima dos EUA, John Kerry, como passível de discussões e aperfeiçoamentos– não foi muito bem recebida e levou países e observadores a falar em “real financiamento” para o clima.
Os americanos têm enfatizado publicamente que não há dinheiro suficiente para reparar perdas e danos climáticos.
Em uma tímida passagem pela COP, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, falou sobre números de suas ações climáticas, anunciou que deve dobrar a contribuição ao Fundo de Adaptação para US$ 100 milhões (R$ 531 milhões) e evitou mencionar as perdas e danos.
A ausência da agenda no discurso reflete uma negociação estagnada. A CAN (Climate Action Network, que engloba diversas organizações internacionais) aponta que a primeira semana de conferência teve muito “ruído” tanto de poluidores –com uma grande presença do lobby de combustíveis fósseis– quanto de anúncios fracos.
Países têm reafirmado suas posições já conhecidas durante as consultas informais nos últimos dias, levando diplomatas do bloco de países mais vulneráveis (o V20, que inclui 58 nações) a temer que as negociações se tornem “palestras” sobre as diferentes perspectivas, sem ofertas, barganhas e possíveis avanços.
Esse é um momento, teoricamente, mais técnico. Na próxima semana, ministros chegam à conferência –entre eles, Joaquim Leite, da pasta ambiental brasileira– para tentar destravar possíveis nós políticos das negociações. Mas, sem muito progresso para apresentar, há o risco de não se conseguir convergência suficiente entre os blocos.
Os países em desenvolvimento pedem o reconhecimento da lacuna existente entre as ações necessárias e o pouco suporte disponível, sugerindo também a criação de um órgão operacional para lidar com a reparação de perdas e danos.
Já os países desenvolvidos têm lançado uma série de recomendações paralelas, como workshops, encontros regionais, documentos técnicos, mesas redondas ministeriais, entre outras. A “tempestade de ideias” é vista pelo bloco em desenvolvimento como descomprometida com a urgência da crise, que já causa perdas em todo o mundo.
Os países negociam ainda uma meta global de adaptação, o programa de mitigação que permita atualizações e monitoramento anuais e o preparo para o Balanço Global (previsto para 2023, quando países devem reavaliar o progresso das metas climáticas acordadas em Paris).
Isso sem contar os complexos “detalhes” do artigo 6 ainda em negociação, que precisam ser acertados. Ou seja, há muito a ser resolvido e negociado.
O sábado (12) foi o dia em que a presidência egípcia da conferência pegou para si o controle político e dos processos que se desenrolam na COP.
Para a próxima semana, a expectativa é que a presidência construa, ao longo da próxima semana, uma decisão capaz de enviar uma mensagem política de confiança e esperança para o mundo –que acompanha a negociação com senso de urgência crescente.
Uma das saídas que os países têm considerado para transmitir otimismo com a agenda é o estabelecimento do teto de 1,5ºC para o aquecimento global.
O objetivo é mais restrito e comprometido do que o previsto no Acordo de Paris, que permite uma janela de aquecimento médio do planeta entre 1,5ºC e 2ºC até o fim do século. A diferença de meio grau implica, por exemplo, no desaparecimento de países-ilha, que estão sendo inundados com o avanço do nível do mar.
Vale mencionar que, neste ano, Sameh Shoukry, presidente da COP27 e ministro das Relações Exteriores do Egito, afirmou à Associated Press: “Nós podemos ver o gás como uma fonte de energia de transição com, certamente, menos emissões”. Em 25 de outubro, a cidade egípcia Cairo foi o local de reunião do GECF (Fórum dos Países Exportadores de Gás).
Respondendo a um questionamento, Kerry disse que há países que não querem que o 1,5ºC apareça no texto de decisão da COP. Em geral, economias emergentes têm refutado a proposta por considerar que ela seria uma renegociação do Acordo de Paris.
“Nós precisamos ter a meta de 1,5°C reiterada claramente”, afirmou, neste sábado (12), Laurence Tubiana, uma das arquitetas do Acordo de Paris.
Com o que está em ação no momento no mundo, a humanidade está longe de alcançar a meta de “só” aumentar 1,5°C a temperatura média da Terra –atualmente, já estamos em 1,1°C de aumento.
De toda forma, existe a possibilidade da COP27 terminar sem grandes “resultados”. Fala-se muito de essa ser uma conferência de processos, ou seja, de construção de caminhos para se chegar a decisões finalmente mais significativas. Um desses casos poderia ser, por exemplo, a questão das perdas e danos, com resoluções ocorrendo somente em 2024.
Mesmo assim, a “COP da implementação” parece estar deixando a desejar. Segundo Tubiana, se na próxima semana não se alcançar promessas mais significativas e concretas, “estaremos em uma situação muito difícil no fim da semana que vem”. “Isso está matando a esperança do 1,5°C.”
Não se pode esquecer ainda que, assim como se esperava, a COP27 tem sido marcada por questões de direitos humanos –afinal, vale mencionar, o direito a um meio ambiente limpo e sustentável é um direito humano. O Egito é governado por Abdel Fattah al-Sisi, que chegou ao poder após um golpe de Estado há quase uma década.
Estima-se que o país tenha dezenas de milhares presos políticos. Manifestações públicas são virtualmente proibidas, devido às diversas limitações impostas.
Na primeira semana do evento, ativistas sociais relataram monitoramento e constrangimento durante a conferência.
“Me parece uma COP bem silenciosa”, afirmou Laurence Tubiana, uma das arquitetas do Acordo de Paris. “Nós não vemos o espaço necessário para a sociedade civil. Nós não podemos ter um pacote ambicioso na COP se não tivermos a capacidade de a sociedade civil estar falando alto. Há claramente um problema de direitos humanos na COP.”
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.