A fiscalização eletrônica está de volta às ruas de Goiânia, desta vez com reforço tecnológico de ponta. Além da reativação de radares tradicionais, câmeras com inteligência avançada estão multando motoristas em tempo real por infrações como uso do celular ao volante, avanço de sinal vermelho e falta de cinto de segurança.
A medida, implantada pelo novo Centro de Controle Operacional da Prefeitura, reacende não só a discussão sobre segurança no trânsito, mas também sobre a privacidade dos motoristas. As novas câmeras, equipadas com zoom de alta precisão e visão 360 graus, são capazes de identificar infrações com nitidez em diversos pontos da cidade.
A professora Patrícia Margon, especialista em mobilidade urbana e docente do Instituto Federal de Goiás (IFG), analisou o impacto da medida durante o programa Pauta 1 do Sistema Sagres. “É uma boa iniciativa. A fiscalização visa fazer cumprir regras que já existem, não criar novas. Muita gente fala em ‘indústria da multa’, mas estamos falando de regulamentação de infrações que colocam vidas em risco”, afirmou.
No entanto, ela aponta pontos sensíveis da nova tecnologia. “A segurança é indiscutível, especialmente com o uso do celular ao volante, que é extremamente perigoso. Mas fico preocupada com os motoristas de aplicativo. Como será feita essa distinção? Precisamos pensar também na adaptação a novos hábitos”, ponderou.
Olhar mais amplo
As câmeras de alta definição também permitem um olhar mais amplo sobre o trânsito e seus diferentes protagonistas. “O carro não é o único ator. Quando se multa estacionamento irregular, por exemplo, você está liberando a passagem de pedestres e ciclistas. É uma mudança de cultura”, explicou a professora.
Apesar dos avanços, muitos motoristas questionam se essa mesma tecnologia poderia ser usada de forma mais ampla para organizar e otimizar o trânsito da capital, como na sincronização de semáforos. Para Patrícia, essa expectativa precisa ser confrontada com a realidade da cidade.
“Temos uma mancha urbana extensa, com deslocamentos longos, diferente das cidades europeias onde o transporte público é usado por 75% da população. Aqui, quase todo mundo usa carro. Investimentos altos para sincronizar semáforos com sensores, como se faz em Rotterdam, geram melhora de apenas 10% na fluidez. Será que é esse o investimento mais necessário agora?”, questionou.
Onda verde
Ela ainda criticou a idealização da chamada “onda verde” – o sincronismo semafórico que permitiria um fluxo contínuo de carros. “É utópico pensar que inteligência artificial vai nos levar a um trânsito ótimo. Não vai acontecer. Ainda mais com o transporte público em déficit e a baixa adesão da população”, concluiu.
Enquanto a fiscalização eletrônica retorna com força total e levanta questionamentos, a promessa da prefeitura é garantir mais segurança nas vias e reduzir o número de sinistros, como prefere chamar a professora. “Acidente parece algo fora de controle. Mas a maioria desses eventos é causada por violações. As câmeras ajudam a mostrar isso com clareza”, finalizou.
De acordo com o secretário de Engenharia de Trânsito, Tarcísio Abreu, o sistema vai além do controle de velocidade. “Hoje, os novos radares, que incluem câmeras, estão capturando imagens de todas as placas que passam em qualquer faixa. Temos também câmeras panorâmicas de 360 graus, o que amplia nossa capacidade de monitoramento”, explicou.
Reforçar a segurança
A tecnologia tem como objetivo principal reforçar a segurança viária e pública. “O prefeito tem falado muito sobre isso: Goiânia será a cidade mais segura do país”, destacou Tarcísio. O sistema possibilita, por exemplo, a identificação de veículos com mandado de busca ou apreensão, o que permite a rápida atuação das forças de segurança em parceria com a Guarda Civil Metropolitana (GCM).
Mas o avanço tecnológico não se resume à segurança pública. A fiscalização também está atenta ao comportamento dos motoristas, especialmente quanto ao uso do celular durante a condução. “Se você estiver dirigindo e pegar o celular na mão, isso é infração. Agora, se estiver utilizando a multimídia do veículo ou o celular no suporte, não há problema”, esclareceu o secretário.
A questão, porém, é mais profunda. Mesmo com o uso do suporte, o desvio de atenção pode gerar riscos. “Se você estiver a 80 km/h e desviar o olhar por cinco segundos, percorre 100 metros sem ver nada”, observou Tarcísio. Patrícia também ressaltou a importância do controle de velocidade: “É impopular, mas necessário. A velocidade é o principal fator em sinistros graves.”
Privacidade
Além da segurança, a implantação das câmeras reacende o debate sobre a privacidade. O advogado Rafael Maciel alerta para os cuidados legais. “Não é porque o objetivo é combater a criminalidade que se pode ignorar a proteção à privacidade. É necessário informar ao cidadão como os dados são coletados, armazenados e quem pode acessá-los”, afirmou.
De acordo com ele, não há informações públicas sobre políticas de privacidade relativas ao novo sistema. Por outro lado, Patrícia pondera: “Estamos lidando com imagens de pessoas em vias públicas, e eu imagino que a prefeitura tenha esse cuidado. Mas o carro, ainda que seja um espaço privado, está em uma rua, e isso já muda a lógica.”
Ela lembra que qualquer divulgação indevida pode gerar implicações legais para o poder público. Por ora, 12 câmeras já estão em operação, com a meta de chegar a 100 unidades. A promessa é de mais segurança para todos. Mas, o secretário ressalta: “não queremos punir. Queremos a compreensão do motorista para um trânsito mais seguro”.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis
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