Dados da Secretaria de Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás (SSPJ) demonstram o aumento de quase 32% nos números de atos infracionais – crimes cometidos por menores de 18 anos – sob o percentual dos dois primeiros meses do ano passado. Em 2012, foram contabilizadas 2.329 ocorrências envolvendo adolescentes na Delegacia de Apuração de Atos Infracionais de Goiânia (Depai). Apenas de janeiro a maio deste ano, 1082 episódios foram registrados, uma média de 215 ocorrências mensais.
Os dados apontam uma estatística ainda mais chocante: a idade dos menores que cometem crime está diminuindo. A titular da Depai, Nadir Cordeiro, explica que alguns anos atrás a média da faixa etária dos adolescentes que passavam pela delegacia era de 17 anos. Contudo, nos dias atuais, essa média caiu para 13 anos de idade. “Temos menores com 12 anos de idade donos de bocas de fumo e com 13 anos assassino e, também, muitas mulheres envolvidas. Eles entram cada vez mais cedo no mundo do crime e com atos cada vez mais graves”, descreve a delegada.
As cinco infrações mais cometidas pelos menores são ameaça, direção de veículo sem carteira de habilitação, posse de narcóticos para consumo próprio, lesão corporal e tráfico de drogas, que totalizam 547 casos. Em todo o Estado já são quase 400 adolescentes, entre 12 e 21 anos, que cumprem medidas socioeducativas. A internação por três anos é a sanção punitiva mais rigorosa do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Os 60 menores internos no Estado estão abrigados no Centro de Internação Provisória (CIP), no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) e, ainda, no Centro de Internação para Adolescentes (CIA). Outras punições ainda podem ser estabelecidas aos infratores, como reparação do dano causado, prestação de serviços sociais e liberdade assistida.
Em caso de infrações com maior austeridade, assim que apreendido pela Depai em flagrante, o Ministério Público realiza uma representação e o Juizado da Infância e Adolescente decreta a internação provisória do jovem no CIP e, a partir daí, o processo tem andamento. Porém, em casos que o menor não é reincidente, ele é entregue a família sob remissão e advertência. O promotor de Justiça da Infância e Juventude, Alexandre Mendes, alerta para o aumento da criminalidade infanto-juvenil e certifica que o uso de drogas, sobretudo o crack, é o principal causador desse crescimento.
A juíza da Infância e da Juventude de Goiânia, Maria do Socorro de Sousa, associa como fator determinante para a delinquência juvenil, a falta de programas políticos específicos voltados para adolescentes. Ela explica que, enquanto criança, o menor têm muitas atividades voltadas para o desenvolvimento social e intelectual, como por exemplo, os Centros Municipais de Educação Infantil (Cmei). A partir dos 11 anos de idade, período em que se inicia a puberdade, já não há muitas políticas de aprendizagem, socialização e inclusão, além das escolas que não são em tempo integral.
“Teve uma época em Goiânia, independente de partidarismo, que a cidade era limpa e bonita, não se via uma criança pedinte. Mas, hoje Goiânia está encardida”, reforça a opinião da juíza a delegada Nadir. Com nostalgia, ela lembra os programas políticos que o poder público direcionava às crianças e aos adolescentes. Segundo a delegada, projetos como o “Trabalhando com as mãos” e “Cidadão 2000” contribuíam inegavelmente para o desenvolvimento dos participantes que, envolvidos nas atividades, ganhavam um auxílio financeiro e, por conseguinte, se mantinham distantes das ruas e criminalidade.
Apesar de o promotor Alexandre Mendes vincular, fundamentalmente, o uso das drogas a menores infratores, ele não deixa de enfatizar a importância das políticas públicas direcionadas para adolescentes. Segundo Mendes, a prevenção é a melhor aliada no combate aos narcóticos e, consequentemente, à criminalidade. Não há, por exemplo, ações conduzidas desde a infância à educação sobre os efeitos causados pelo uso de entorpecentes. “A única política pública que temos, atualmente, contra o uso das drogas é prender o usuário e o traficante.”
Mendes afirma que não existem locais adequados ao tratamento do menor usuário de drogas. O promotor recrimina, especialmente, o Centro de Referência e Excelência em Dependência Química (Credeq), programa elaborado pelo governo estadual. De acordo com ele, o Conselho Regional de Psicologia condena a atuação de clínicas especializadas, uma vez que essas entidades isolam o dependente do meio social. O ideal é que os usuários fossem tratados pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
A Portaria de número 615 do Ministério da Saúde estabelece que a cada 200 mil habitantes é necessário um Caps com atendimento destinado ao tratamento do alcoolismo e dependentes químicos. No entanto, na capital apenas sete entidades dessas estão em funcionamento e, dentre elas, somente uma atende menores de idade usuários de drogas. “As famílias e os usuários de drogas não têm, ao menos, conhecimento sobre essa política de Caps. Isso acontece porque o poder público não divulga a existência dessas entidades, justamente para não sobrecarregar os centros que não teriam capacidade de acolher todos os dependentes”, argumenta o promotor de justiça.
Constantemente alvo de críticas na sociedade, Maria do Socorro acredita que o ECA é eficaz. “Se o Estatuto fosse empregado como a lei propõe e houvesse programas que busquem a eficiência dessa lei, não teríamos tantas situações de aflições e risco como temos atualmente envolvendo menores de idade”, ilustra a juíza. Criado na década de 1990, Nadir julga o estatuto como arcaico. A delegada explica que o adolescente de 23 anos atrás não tinha acesso a todo tipo de informação como hoje. Com a chegada da internet e outros meios de comunicação globalizados as crianças têm desenvolvimento intelectual mais avançado e rápido. Porém, a titular ainda acredita na eficácia da lei, desde que se seja colocada em vigor como é no papel e que passe por reformulações e adaptações.
Nadir Cordeiro contou a reportagem da Rádio 730 um dos casos que mais a chocou durante os nove anos a frente da Depai. À época, um rapaz menor de idade, que já havia praticado diversos homicídios, inclusive o de um policial militar, atirou por cinco vezes em uma vítima e depois passou com a moto por cima do corpo diversas vezes. Em junho daquele ano, o menor foi encaminhado pelo Juizado à internação, porém, em agosto do mesmo ano, ele estava de volta à delegacia acusado de outras infrações. “Isso acontece porque o Estado não tem estrutura adequada para receber todos os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas”, argumenta.
Alexandre Mendes critica a sensação de impunidade que a Justiça brasileira proporciona. Segundo o promotor, há casos em que o adolescente chega até o juizado já consciente de que nada acontecerá e de que ele voltará para casa, acompanhado dos pais. Ele estima que a cada 100 casos, um ou dois terão condenação sentenciada. “A sensação de impunidade não pode permanecer. Há um sentimento de desprezo quanto à justiça, o criminoso não acredita na punição”, censura.
Sempre que um crime hediondo é cometido por um menor, surge o debate da redução maioridade penal. Em setembro do ano passado três travestis foram executados no bairro Santa Luzia, na região metropolitana de Goiânia. Em novembro do mesmo ano, a Polícia Civil apresentou os acusados do triplo homicídio. Entre os três suspeitos, um menor de idade. Uma gravação feita por um sistema de segurança mostrou que o único menor de idade do trio foi o autor dos disparos. De acordo com a polícia, o menor queria vingança. Tempos antes, uma das travestis havia sido roubada pelo menor, que foi levado à Depai. O adolescente planejou, então, uma arapuca na porta de um motel para a vítima e cometeu o triplo assassinato. O menor foi encaminhado a Depai e os demais suspeitos foram indiciados por participação.
Questionado se a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos resolveria o problema da criminalidade no país, o promotor Alexandre foi cético. Ele justificou que, em casos de crime mais austeros, como o caso citado, seria uma possibilidade analisar o regimento. Contudo, o sistema carcerário do Brasil é de péssima qualidade e arruinaria a vida de um adolescente ainda em formação mental e social. “A redução da maioridade penal é uma questão de justiça para o crime e uma injustiça para a realidade social”, finaliza.