A ansiedade quase matava o povo àquela altura dos acontecimentos. Campinas inteira só falava no evento e o sábado nunca que chegava para a inauguração da Praça Ok. Embora quem tinha lote do lado direito, na Avenida Amazonas, estivesse pegando merda com a mão, com o prefeito, a Avenida morreu, eles perderam os imóveis e a Avenida Anhanguera rasgou Goiânia de um lado pro outro, saiu lá do cruzamento da estrada de ferro com a estrada de chão que ia para o distrito de Senador Canedo e para acabar lá na Capuava.

No final da Avenida também foi construída uma Praça e nela foi colocada a imagem do Padre Pelágio, figura amada, idolatrada e respeitada até pelos crentes que durante a vida dele desciam a lenha no Padre alemão. Zé Padeiro, entre um gole e outro no Bar Sertanejo, filosofava: “Ainda bem que o Padre não é Pastor, pois se fosse a coisa ficaria pior; iriam chamá-lo de pastor alemão e isto é raça de cachorro”. Toninho Ferreira, dono do Bar, corrigia: “Se ele fosse pastor os crentes não brigariam com ele, seu cachaceiro”.

Embora dono do bar que mais vendia pinga em Campinas, Toninho não bebia, passou pra crente e estava entre os que não suportavam a dureza do Padre. Ele era mesmo brabo, falava um português enrolado, gostava de dar sermão em mulher regateira, carroceiros que punham os cavalos para pastar na grama da matriz, homem fumador e beberrão e de quebra avisava os campineiros que o bairro era dos católicos e que ninguém deveria dar ouvido para o crentes, pois eles queriam desviar o povo da fé viva e verdadeira.

Mas o padre reconhecia que, no caso dos cachaceiros e fumantes, os crentes faziam um belo papel, pois quem passava pra creche parava de beber e fumar. Foi o caso do Toninho Ferreira. Parou de consumir mas não parou de vender: “Cada coisa no seu lugar. O pastor me disse que a Palavra de Deus diz que digno é o trabalhador do seu salário e tiro meu sustento do movimento do meu bar. É daqui que ganho o dinheiro para alimentar a Ditinha e nossos 12 filhos. Deus me deu uma mulher parideira e me deu o Bar para ganhar meu salário. Só não posso é deixar de pagar o dízimo e isto eu não faço”, falava justificando que estava tudo certo entre ele, o pastor e Deus.

Depois que passou pra creche não deixou mais o Vicente e o Tião da Elza cantarem moda caipira no Bar. Estas modas que falavam de paixão de mulher casada por outro homem, de homem casado que frequenta bordel e de quem rouba mulher, não eram coisas de Deus e no Bar não seriam mais cantadas. O Zé Padeiro era obrigado a concordar com o Toninho, pois embora não bebesse mais ouvindo moda gravada pelo Nenete e Dourinho, Niltinho e Adolfinho (que ele amava e os dois cantadores cantavam todo sábado), se o Toninho fosse considerar a cachaça como coisa do tinhoso, teria de procurar outro canto pra beber e o Bar Sertanejo ficava ao lado da Padaria do Chico Português, onde ele trabalhava, lá onde começava a Avenida Perimetral.

O fato é que toda a bondade que o Padre fez na vida, o tornou respeitado depois de morto e não teve quem ficasse contra fazer uma estátua pra ele e colocar o nome dele na Praça onde a Avenida Anhanguera se encontrava com as estradas que iam para Trindade e Inhumas. Não sabiam o Toninho Ferreira, o Zé Padeiro e os outros campineiros que futuramente a estátua do Padre seria engolida por um terminal de ônibus, onde quase ninguém nem nota que ele está lá, com a mão estendida pra cima, olhando do alto da Capuava, para Campinas inteira.

Mas o assunto era a inauguração da outra Praça Ok, que ganhou este nome justamente depois que tudo foi resolvido: os donos dos lotes que viraram a outra pista da Avenida Anhanguera receberam a indenização, os amazonenses lá da Capuava já tinham aceitado a mudança do nome da Rua e até os crentes concordavam que homenagear ao Padre Morto foi boa. Ou seja, estava tudo Ok, para o Iris.

Ela ficava onde a Avenida Amazonas começava e onde a Avenida Anhanguera terminava. Foi assim que virou tudo Avenida Anhanguera e de pista dupla. Seu Roxo, que era da UDN, duvidava que as pontes sobre os rios Capim Puba e Anicuns fossem de cimento, e foram, e depois viu que o asfalto prometido também foi realizado.

Tava mesmo tudo Ok e a Praça finalizava o projeto. A Praça era linda. Canteiro de flor, bancos de cimento, cheia de lanchonetes, bares e um restaurante em volta, onde também tinha um hotel. Pouco acima estava o Tênis Clube, pra onde os playboys e mocinhas iam dançar o Iêiêiê depois de fazer o vai e vem na Praça. Logo no primeiro cruzamento com a Catalão, no prédio do seu Miguel Mesquita, foi aberto o Cine Fátima.

O que mais chamava atenção para a inauguração da Praça Ok, era o telequete que ia acontecer. Tinha até um ringue de verdade. Grandão. O Garoto de Bronze, o Josias, e o Olho de Lobo iriam lutar. E o Golias batia no peito e dizia que este negócio de mulher bater em homem, só acontecia lá pelos lados de São Paulo, onde os machos não eram machos iguais aos daqui. Ele havia aceitado lutar com a Olga Zumbano, que não encontrava mais adversário nem no Telequete Rum Montila, maior audiência da televisão brasileira na época.

Olga Zumbano era tia do campeão mundial dos pesos pena do box, Éder Jofre. O pai do Éder, Kid Jofre era seu irmão. Pior ainda era que o seu marido e treinador era o mesmo treinador do campeão mundial, o Ralf Zumbano, era o seu treinador também. Mas o Golias garantia que iria esfregar o focinho da paulista na lona do ringue.

Se o clima já estava fervendo, a Rural do Barnabé Cego, com aquelas cornetas imensas pregadas no teto, punha mais lenha na fogueira. A voz do Cego era grossa e ele ainda impostava para chamar o povo para a inauguração da Praça, onde o Golias ia dar uma surra na lutadora que batia em homem, lá pelos lados de São Paulo. O Divinão que dirigia a Rural para Cego, falava: “Seu Barnabé, aquela mulher é o cão. O Golias vai entrar pelo cano e sair pela torneira”. “Cala boca, você não sabe nada de luta. Garanto que nunca assistiu o Telequete, pois na sua casa não tem televisão. Na minha tem e eu não perco um. É tudo marmelada. Aquele povo deixa ela ganhar, porque luta quase pelada e é bonita. Assim faz todo mundo se interessar pelo programa”.

O Divinao ficava imaginando como o Cego sabia que a mulher era bonita, se não enxergava? Mas o Cego sabia de tanta coisa que nem quem via enxergava que o Divinão acabou calado.

Enfim chegou o sábado. Campinas amanheceu diferente. Estava mais bonita do que já era. Pelo menos um de cada casa foi ver a inauguração da Praça, que começou com a alvorada da Bandinha do Mestre Egídio percorrendo as ruas do Bairro inteiro, na carroceria de uma Chevrolet Brasil, a partir das cinco da manhã, tocando músicas bonitas: Jardineira, Verdes Campos da Minha Terra, Calhambeque e até Adelita eles tocaram.

Às nove a praça já estava lotada. Leite com chocolate gelado, pão com manteiga e vários bules grandões com fogareiro em baixo para servir o café para o povo. Quem entrou na fila, comeu. Teve cantoria, a Banda do Pedro Gomes executou vários dobrados. Dia correndo e praça só enchendo, ainda que alguns se cansassem e fossem embora. Teve almoço, distribuição de doce cristalizado, carne assada e chuva de balinha para a molecada. Até o Zé Eduardo Moraes, bisneto do Joaquim Lúcio, que morava lá em Goiânia, pegou sua Caloi e foi. Pedalou em linha reta, pois morava na Anhanguera, depois da Avenida Araguaia.

Naquela época, menininho de tudo, já era metido a tocar flauta e jurava que seria maestro e acabou sendo muitos anos depois. Chegou a hora. O homem que falava no microfone anunciou e o Iris teve dó e falou pouco, declarando a Praça entregue ao povo. Um monte de balão azul, vermelho e branco subiu no céu campineiro e o Bairro inteiro ouviu o foguetório. Foi quando o homem que falava no microfone anunciou o início do Telequete.

O Ringue foi construído no ponto mais alto da Praça. Mesmo assim
muita gente subiu em cima dos prédios em volta pra ver melhor. Lá embaixo uns barris com uma bomba, igual a de encher pneu de bicicleta, distribuía chope pro povo. Era um bombando e outro enchendo o caneco o tempo todo. Tinha também uns homens de macacão verde, distribuindo Tatuzinho pra quem queria – pinga forte demais, muitos ficaram bêbados e nem viram quando o homem que falava no microfone anunciou que o Mestre Crispim seria o árbitro da luta principal e chamou com vibração: “Vem aí o lutador que representa a força do homem campineiro, de uniforme vermelho eu chamo Golias” – a Praça tremeu. “Para enfrentar nosso grande representante eu chamo a melhor lutadora de Telequete do Brasil, de uniforme preto, Olga Zumbano” – a Praça tremeu de novo.

Mestre Crispim autorizou. O Golias já foi logo pra cima da mulher com um dublinelson. Ela levantou os dois braços de uma vez, se abaixou e tirou os braços fortes dele debaixo dos seus e as mãos cruzadas sobre o pescoço, ficaram entrelaçadas sem nada entre elas. Ele voltou bufando para tentar uma gravata, ela enfiou o joelho entre as penas dele com tanta força que o Vitorino Gambá disse: “Vixe capou o homem”. Deve ter doído demais, pois ele embodocou e deu a cara pra ela aplicar uma gravata. Sair que jeito? Ovos doendo e pescoço apertado com a força de um elefante. Já tava roxo, quando o Mestre Crispim mandou parar.

Tempo pra beber água e ser abanado com a toalha. Golias suava e a Olga nem tanto. Os ovos doíam como a dor da morte. A vontade era descer tomar a faca do homem que cortava o churrasco e enfiar na barriga daquela cretina.

Hora de recomeçar. Golias mostrava para os presentes que não existe golpe mais baixo do que joelhada no saco. Quando espichou o corpo, só não chorou, de vergonha. Foi pra cima da Olga com tanto ódio que meteu os dois indicadores nos dois olhos dela, mas se esqueceu de fechar às pernas e ela meteu o joelho no meio delas outra vez e com mais força ainda. Lá em baixo o Vitorino Gambá até abaixou como se fosse nele: “Se os ovos não amassaram, agora não amassarão mais”.

A luta continuava e a mulher só ia diminuindo o Golias. Se afastou e pulou com os dois pés na cara dele – ele caiu. A dor nos ovos quase o deixou cego. Ela subiu nas cordas e o Vitorino pensou: “Se pular com os pés no saco, ela mata o homem de dor”. Não pulou. Foi bater com os pés no peito do Golias que aquela altura não sentia dor nenhuma a não ser no meio das pernas. Novamente ela o pegou numa gravata e quando ele já estava roxo, o Mestre Crispim mandou parar para mais um gole de água e abanada de toalha. Dar a luta por entregue seria desmoralizante: “Tenho de enfrentar esta desgraçada” – pensava o Golias com a dor da morte.

Aprumar o corpo foi duro. Às ordens do Mestre Crispim o embate recomeça. Golias leva Olga nas cordas, mete o pescoço dela entre a quarta e a quinta, a gira no ar e ela fica com o pescoço preso nas cordas. Vitorino pensou: “Vai matar ela”. Golias se afastou para dar uma voadeira na cara dela. Quando já estava no ar, a mulher saiu pra um lado e ele passou direto, caiu fora do Ringue e deu tempo pra ela sair das cordas. Quando ele voltou, ela ameaçou chutar sua canela, ele se curvou e abriu as pernas para evitar que o golpe fosse desferido. Ela aproveitou e meteu o joelho entre as pernas abertas. O Golias caiu e não se levantou mais. Fingiu estar desmaiado e saiu carregado. Não estava desmaiado, mas estava com os ovos sem condições de levar mais golpes. Melhor fingir desmaio do que morrer de dor nos ovos.

Os braços da Olga foram levantados pelo Mestre Crispim. Os retratistas bateram tanta chapa que teve foto vendida até na feira de quarta-feira e foi assim que Olga Zumbano fez como Davi, derrubou o Golias. O Dr. Goianésia atendeu o Golias, que andou um tempão com as pernas abertas, mas acabou curado e venceu muitas lutas depois daquelas. Só que jamais abria as penas nas novas lutas. O Cego Barnabé não aceitou o Divinão tocar no assunto e assim a Praça Ok foi inaugurada, num dos dias mais festivos de Campinas.