12, 24, 36 horas usando todo tipo de proteção e cuidando de uma vida totalmente vulnerável em meio a pandemia de uma doença que gera incertezas e que já levou milhares de vidas sem cerimônia. A atuação do profissional de saúde talvez nunca tenha sido vista com tantas lupas e valor. Não é uma tarefa fácil. É pesado para quem é experiente e também para quem teve como primeiro emprego a linha de frente de combate à Covid-19.

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“Existiu muito receio e muito medo no início. Quando falavam que os pacientes poderiam ser assintomáticos ficamos angustiados porque a gente não sabia se aquela pessoa que estava sendo atendida estava contaminada. Eu fiquei preocupado com minha família, porque tenho uma sobrinha pequena e minha mãe tem comorbidades. Mas não hesitei. Queria ajudar porque houve desfalque de profissionais e eu continuei mesmo com receio”, relata Pedro Henrique, de 23 anos.

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O estudante do 9º período de medicina é estagiário voluntário na Maternidade Dr. Adalberto Pereira, de Anápolis, e atua como auxiliar da equipe de plantonistas e de enfermeiros. Quando a pandemia passou dos noticiários internacionais para a realidade brasileira, jovens como ele e médicos experientes dividiram a mesma preocupação: Que doença é essa?!

“É algo novo e desconhecido pra todo mundo. Eu lembro que, no início da pandemia, os módulos que tive que estudar praticamente eram baseados em literatura nova, de 2019 e 2020. A gente teve que estudar imuno, padrão radiológico, entre outros assuntos. E todos os dias se descobre coisas novas que vai ser nova pra mim, que sou jovem, e até para o mais experiente”, reforça Pedro.

Pedro faz parte de um time de jovens que atua na linha de frente do combate à Covid. Eles passam por treinamentos e capacitações antes de assumirem funções de tamanha responsabilidade. Em 2020, a Superintendência da Escola de Saúde de Goiás qualificou 4.610 profissionais da saúde para lidarem com a doença de forma direta e indireta. Boa parte deles havia acabado de se formar.

“Esses profissionais têm um interesse muito grande porque estão iniciando sua carreira profissional. Mesmo vindo de uma academia com bastante qualidade, esse recém-formado requer aprimoramento. A pandemia trouxe questões que muitas vezes os profissionais acadêmicos ainda não estavam preparados”, revela a superintendente da Escola de Saúde de Goiás, Viviane Cassimiro.

Profissional de saúde no Hmap. Foto: Hmap

No último credenciamento de profissionais de saúde realizado pela prefeitura de Goiânia, em março desse ano, 45 profissionais convocados eram recém-formados e iniciaram os trabalhos em novos leitos de UTI que foram abertos devido ao aumento da demanda de forma repentina. Goiás e a capital viviam naquele mês recorde de mortes e lotação de leitos. A presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Goiás, Edna de Souza Batista, lembra que a contratação desses novos profissionais foi necessária para repor o quadro de funcionários – desde o início da pandemia, Goiás registrou 6.800 enfermeiros e auxiliares de enfermagem contaminados e 32 mortes de trabalhadores dessa categoria – e aumentar a assistência de saúde tanto na primeira quanto na segunda onda da Covid. Além de treinamento, todos que entram para a linha de frente são supervisionados.

“Mesmo com a redução dos profissionais com experiência, aqueles que ficaram conseguiram subsidiar os que estavam chegando. Em nenhum momento, esses profissionais de saúde recém-chegantes em relação ao mercado de trabalho e também recém-formados ficaram sozinhos. A equipe de enfermagem é uma equipe grande que acompanha o profissional 24 horas por dia e aqueles jovens não realizaram procedimentos sem acompanhamento de um trabalhador experiente”, pontua Edna.

No primeiro Hospital de Campanha de Goiás (Hcamp), que fica em Goiânia, todos os profissionais de saúde passaram por uma simulação realística antes da unidade receber o primeiro paciente. Ao longo do trabalho, as incertezas da doença, o aumento de casos graves e o volume de trabalho, os profissionais chegaram a exaustão mental. A infectologista e diretora médica da unidade, Marina Roriz, explica que esses profissionais que ingressaram no primeiro emprego já em um hospital de campanha receberam suporte psicológico.

“A gente tem psicólogos só pra atender nossos profissionais de saúde. Exercemos algumas atividades junto com eles justamente para aliviar essa pressão, além de darmos apoio e o exemplo. A gente cobra um atendimento humanizado, mas também oferecemos isso a eles”, reforça Marina.

Simulação realística no Hcamp. As fotos foram feitas antes da obrigatoriedade do uso de máscara, em março de 2021. Foto: Hcamp

O Hospital de Campanha de Goiânia é referência nacional no tratamento de Covid-19 e a unidade com mais leitos exclusivos para pacientes com a doença (180 leitos). Entre março de 2020 e o dia 28 de maio de 2021, entraram na unidade de saúde 34.470 pacientes. Em média, são 100 pessoas diagnosticadas com Coronavírus, que dão entrada no Hcamp todos os dias. Grande parte sai curada, mas alguns perdem essa batalha – 1.365 vidas perdidas no hospital -, mesmo com esforço de todos os profissionais de saúde sejam jovens ou experientes. É uma guerra entre a medicina e um vírus altamente letal.

“É uma guerra, uma batalha, dentre tantas outras que a gente trava todos os dias. Temos que exercer nossa profissão com muita técnica, muito amor e dedicação. Temos uma equipe engajada, unida e fortalecida. (…) A população pode contribuir com esse trabalho se cuidando, mantendo os cuidados e o distanciamento. A irresponsabilidade nas ruas prejudica aqui dentro, porque uma UTI lotada gera um desgaste grande para os profissionais”, alerta a infectologista.

A médica Anna Eugênia, de 25 anos, trabalha no Hcamp desde que a unidade abriu as portas. Lidar com a pior pandemia da última década a fez entender mais sobre vulnerabilidade e fragilidade do ser humano. “O paciente acometido com a Covid é diferente dos outros. Ele fica sozinho, em um quarto branco, num momento de total vulnerabilidade. Ele tem medo da morte. Além disso, tem a angústia dos familiares. Alguns não tem acesso ao celular e a família demanda atenção. Foi difícil aprender a lidar com isso”, lembra.

E a exaustão chega para eles também…

Anna Eugênia. Foto: Pimenta / Sagres

“Quando eu cheguei aqui, eu disse pra uma amiga que queria ser a última a sair, queria ser a pessoa que desliga todas as luzes, indicando que a pandemia acabou e já não há mais pacientes. Mas tem dia que eu estou tão exausta, que eu penso: ‘não vou conseguir’. É bem difícil, mas a gente tira forças da esperança de que vamos vencer”, relata a médica.

Outro médico que vive esse cansaço é o Kevin Koshiba, de 26 anos. Ele faz plantões em cinco hospitais de domingo a domingo e chega a ficar 36 horas diretas em UTI. A pandemia trouxe para ele, um jovem profissional de saúde que assim como todos os outros colocam o próprio futuro em risco, uma lição de vida. “Essa doença pegou todo mundo de surpresa. Não importa seu poder financeiro, seu poder de influência, ou os bens que você tem. A doença atingiu todos, desde o mais rico ao mais pobre. Lotou leitos de UTI em hospitais públicos e privados. E isso nos fez pensar que a gente não é nada. Estamos aqui nesse mundo de passagem”.

E enquanto essa passagem durar, esses profissionais vão lutar para ajudar quem está no hospital a voltar pra casa. E cada alta hospitalar que um paciente recebe, muita comemoração pela nova chance. Aplausos também para quem, ao se despedir de um paciente na porta do hospital, precisa voltar para contribuir com a vitória de mais uma vida.

Robis Pierre, 61, e a esposa Zilda Maria, 50, deram entrada no Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia no mesmo dia e deixaram o hospital juntos