Levando em consideração que as constantes interrupções de energia elétrica ocorridas atualmente no Estado, a maioria com prazo superior a 3 horas, coloca em risco a vida de inúmeras pessoas, o juiz Eduardo Perez Oliveira, em substituição na 2ª Vara Cível de Goiânia, determinou a Companhia Energética de Goiás (Celg) que restabeleça o seu fornecimento em no máximo seis horas, em área urbana e rural, até 30 de abril deste ano. Contudo, se o serviço for interrompido no setor rural em período noturno o acréscimo será de uma hora, contado a partir da ocorrência do evento.
A partir de 1º de maio, conforme estipulou na decisão, o referido prazo passa a ser de três horas para a área urbana e quatro para a rural. Com relação aos serviços ou atividades consideradas essenciais aos consumidores e cuja interrupção coloque em perigo iminente a sobrevivência, a saúde e a segurança da população, o prazo para restabelecimento de energia, de acordo com o magistrado, é de 3 horas até 30 de abril e de 2 horas a partir de 1º de maio, uma vez que nem todos os locais contam com gerador próprio e não podem estar sujeitos a longas horas sem energia elétrica. Em caso de descumprimento da decisão, o juiz fixou multa de R$ 100 mil, com o aumento de R$ 25 mil para cada hora adicional além daquelas determinadas nos referidos períodos.
Segundo estabelece a Resolução nº 414/2010 (parágrafo único, do artigo 11, com exceção do inciso XIII) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), observada pelo juiz em sua decisão, são consideradas atividades emergenciais a assistência médica hospitalar, tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, unidades hospitalares, institutos médico-legais, centros de hemodiálise e de armazenamento de sangue, centros de produção, armazenamento e distribuição de vacinas e soros antídotos e serviços funerários.
Também estão inclusos nesse rol as unidades operacionais de transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto e lixo, de serviço público de telecomunicações, guarda uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares, processamento de dados ligados a serviços essenciais, centro de controle público de tráfego aéreo, marítimo e urbano, instalações que atendam a sistema rodoferroviário e metroviário, unidade operacional de segurança pública como Polícia Militar, Civil e Corpo de Bombeiros e instalações de aduana.
Em razão da necessidade de aferir eventuais descumprimentos a decisão e por se tratar de documentos públicos e provas referenciadas, além de ater-se a saúde e segurança da coletividade e considerar a existência de autarquia reguladora do setor, Eduardo Perez mandou oficiar a Agência Goiana de Regulação (AGR) e a Aneel para que informem trimestralmente ao juízo a existência de autos de infração ou equivalentes lavrados contra a Celg pela falta de manutenção ou atualização de equipamentos e instalações, desde que se trate de consulta pública.
Deficiência
Um dos aspectos avaliados pelo juiz para deferir parcialmente as liminares requeridas pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) em ação civil pública, foi a situação notória da Celg com relação a deficiência dos seus equipamentos e a prestação inadequada dos serviços, divulgada frequentemente pela mídia e sentida pela população nos períodos de chuva com a queda de árvores causada pela ausência de podas. “Sem discutir o mérito de gestões passadas, já que existe desde 1956 e se trata de continuidade e autonomia da pessoa jurídica, a ré, ao que tudo indica, deixou de investir na atualização de equipamentos e em sua manutenção, ocasionando a situação frágil a que ora estão submetidos todos aqueles que dependem da prestação de seus serviços, ou seja, milhões de pessoas, diversos hospitais, casas de repouso, comércios e até o setor público”, ponderou.
Ao citar a recente Resolução Normativa nº 469/2011, da Aneel, que estabeleceu alterações nas normas a respeito dos casos de interrupção de serviço aos consumidores, criando ainda a Duração da Interrupção Individual Ocorrida em Dia Crítico (Dicri) por unidade consumidora ou ponto de conexão, Eduardo Perez esclarece que o objetivo da norma é justamente incentivar a concessionária a bem atender os consumidores e, muito embora com aparente boa vontade, admite como razoável em dias críticos, interrupções de horas. “Não há como se falar em dia crítico no contexto da própria Aneel, ou de excludente de responsabilidade pela figuras mencionadas, quando se está diante de um fato plenamente esperado, que se repete todo o ano com período de chuvas na cidade”, advertiu.
Defesa
Além de uma extensa análise sobre as resoluções da Aneel, que deixa clara a obrigação das concessionárias de prestarem um serviço regular, contínuo, eficiente, seguro e atualizado para todos, inclusive quanto a modernidade de técnicas, equipamentos e instalações, bem como sua conservação, o juiz entendeu que também deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) devido ao desequilíbrio contratual, lesão à boa fé objetiva e indícios de enriquecimento ilícito por parte da empresa. “Em aparente lesão ao artigo 39 do CDC a concessionária, valendo-se de sua posição superior e monopólio de mercado impõe aos consumidores serviço parcialmente inadequado, ciente de que não há como a população dele abrir mão, pagando sem informações quanto a sua correta prestação, sujeita ao regime de interrupções inopinadas diante de situações previsíveis. Prática abusiva, em termos gerais, é aquela que destoa dos padrões mercadológicos, dos usos e costumes e da razoável boa conduta perante o consumidor”, pontuou, citando trecho do CDC.
A seu ver, a interrupção desse serviço essencial traz consequências nefastas a coletividade como, por exemplo, a sinalização de trânsito, hospitais, centros de hemodiálise, unidades policiais, transportes, telecomunicações, entre outros. O fato da Celg estar passando por um momento financeiro delicado, embora forneça de forma monopolizada a energia elétrica em Goiás, não é motivo, na opinião do juiz, para sua suspensão, especialmente quando o fato se torna reiterado e previsível.
“Admitir que a situação financeira da concessionária seja razão para a prestação inadequada do serviço, ainda que parcialmente, é deixar que os consumidores sejam lesados pela falta de zelo da empresa, descortinando a possibilidade de todos os fornecedores de serviços e produtos justificarem eventual falha por falha de investimentos que são, em última análise, fundamentais para o próprio negócio. É óbvio que se havia a necessidade de manutenção e atualização dos equipamentos, da realização de podas corretas e tal medida não foi tomada, a consequência inevitável seria o impacto na prestação do serviço de energia elétrica”, asseverou.
O magistrado também lembrou que a Constituição Federal (CF) já fixou como pilar da ordem econômica a defesa do consumidor (artigo 170, V) e, na hipótese das concessionárias, adicionalmente, a defesa dos usuários, a existência de política tarifária e a prestação de serviços adequados. “É oportuno recordar os direitos e garantias fundamentais expressos na Carta Magna como a vida e a segurança (artigo 5º, caput, CF) e que a ordem econômica se funda no respeito aos direitos do consumidor”, frisou.
Do Tribunal de Justiça do Estado