Imagem de satélite mostra a barragem da mineradora a poucos quilômetros da cidade de Crixás (Foto: Reprodução/Google Maps)

A Justiça de Goiás determinou que a barragem da Mineração Serra Grande S.A. deve ser desativada até o dia 15 de setembro de 2021, sob pena de multa de R$ 500 mil por dia. A decisão liminar é do juiz Alex Alves Lessa, da comarca de Crixás, onde a mineradora está situada. A cidade fica na região norte do estado, a 320 quilômetros de Goiânia.

Na decisão, o juiz considerou que o empreendimento foi construído com método obsoleto, ou seja, ultrapassado, e coloca em risco a população local bem como o meio ambiente, podendo haver uma nova tragédia, a exemplo das que ocorreram em Mariana e Brumadinho, no interior de Minas Gerais. Segundo o entendimento do magistrado, a empresa deverá ainda comprovar a existência de funcionamento de sistema de monitoramento automatizado em, no máximo, dois meses.

Proposta pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), a ação expôs que a barragem foi construída pelo método de montante e, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), o modelo proporcionava “edificação de barragens com menor custo ao empreendedor. Contudo, os acidentes (exemplo de Minas Gerais) colocam em xeque a eficiência desse método construtivo e a estabilidade real das barragens construídas ou alteadas a montante”.

O órgão regulador estatal chegou a publicar, em 15 de fevereiro do ano passado, a Resolução nº 4, proibindo o método e fixando prazos para desativação ou descaracterização, com conclusão técnica de que “este método não pode ser mais tolerado”. Contudo, seis meses depois, a ANM dilatou os prazos administrativos para desativação dessas barragens. Para o magistrado, entretanto, há necessidade urgente de agir, diante da conduta caracterizada como “direito regulatório simbólico”.

O juiz Alex Lessa elucidou que há evidências de “comportamento contraditório e da possível interferência política em atos regulatórios que, em tese, devem seguir padrões estritamente técnicos, com base em uma discricionariedade técnica”. O magistrado falou que essa conduta gera ineficácia das normas, mas constrói “um álibi, como uma resposta aparente, pronta e rápida, com aparente solução para os problemas, que não tem efetividade e que, na prática, adia a solução de conflitos sociais com compromissos dilatórios”.

O magistrado ressaltou, ainda, que não significa dizer que a ANM não desempenha o seu papel, nem que a empresa requerida não seja uma entidade séria e compromissada, que busca cumprir o seu papel e respeitar as leis, mas quando se trata de atividade de mineração, estas considerações não são irrelevantes, principalmente em razão da força econômica que as empresas multinacionais possuem sobre diversos Estados nacionais do mundo, o que pode colocar em xeque o próprio pressuposto do Estado de Direito, em razão da pressão e influência exercida sobre o legislador, e, no caso, sobre a própria agência reguladora”.

Para exemplificar a hipótese de pressão política, Lessa citou a conduta do presidente da República, que assinou projeto de lei que autoriza atividade de mineração em terras indígenas, “ao arrepio da Constituição”.

Por meio de nota, a AngloGold Ashanti disse que “cumpre integralmente a legislação, prezando sempre pelo diálogo e transparência com órgãos reguladores e Ministério Público” e que “conforme já era previsto na Resolução n°13 da Agência Nacional de Mineração (ANM), realizará a paralisação da barragem Serra Grande até o prazo de 15 de setembro de 2021. Ressaltamos, ainda, que já foi realizado o cadastramento da Zona de Autossalvamento (ZAS)”.

Zona da Morte

Caso houvesse um rompimento nas barragens de Serra Grande,  parte da população de Crixás, que está apenas a 1,7 quilômetro da barragem, estaria em risco, além da possível contaminação das águas do Rio Vermelho, que deságua no rio Crixás-açu, que, por sua vez, joga suas águas no rio Araguaia. Ou seja, o impacto ambiental poderia ultrapassar os limites do território do município, impactando outras regiões do País, conforme aponta a petição do MPGO. O risco é acentuado pela estreita área de autossalvamento ou, como o juiz a denominou, “zona da morte”.

Segundo legislação, a área de autossalvamento deve ser feita em conjunto com a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros, a fim de minimizar riscos em caso de rompimento. Contudo, o magistrado frisou que não há qualquer estrutura mínima para evitar ou minimizar eventual tragédia, “o que reforça o argumento do MPGO de que a Barragem Serra Grande, construída pelo método menos seguro e de menor custo, método este similar ao das barragens de Mariana e de Brumadinho, que tem sim dano potencial associado alto, com risco de impacto ambiental alto e significativo que pode gerar a morte de milhares de pessoas. Por mais que se possa contestar a probabilidade do evento, o que está em jogo são milhares de vidas e a prevenção de desastre ambiental irreparável”.

Dessa forma, a decisão abrangeu, também, catalogação e realização de estudo socioeconômico de todas as unidades residenciais, agropecuárias e comerciais existentes na ZAS, no prazo de 60 dias. Além disso, a mineradora deverá, igualmente, comprovar o acionamento de sirenes instaladas fora da mancha de inundação e outros mecanismos adequados ao eficiente alerta na ZAS, instalados em local seguro, e dotados de modo contra falhas em caso de rompimento da estrutura até o dia 15 de dezembro de 2021.