Fernando Silva (nome fictício) ficou sabendo de lotes que estavam sendo vendidos, pela entidade, próximo ao Jardim dos Ipês, que fica depois do Madre Germana, por R$ 59,50 mensais, em 60 parcelas e, uma entrada de R$ 300, que ainda podia ser dividida em três vezes. Desconfiado do preço muito baixo, ele resolveu verificar se o negócio era mesmo confiável. E, para surpresa, descobriu que o loteamento, comercializado pela Associação Beneficente Exército Missionário Atalaia de Cristo (Emac), não existe.
Segundo o titular da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Defesa Civil de Aparecida de Goiânia, Juliano Tadeu Moreira Cardoso, a área que está sendo vendida é de preservação ambiental e rural e, sendo assim, não pode ser urbanizada. E na Secretaria de Regulação Urbana de Aparecida não foi encontrado nenhum documento do loteamento, intitulado Residencial Candini. O secretário de Regulação, Jório Rios, garante que não há nenhum pedido de uso do solo na secretaria para o local.Junto com a equipe de fiscalização da secretaria, a equipe de reportagem foi até o residencial, e lá encontrou uma placa com o nome do empreendimento e menos de cinco barracões, alguns feitos de lona e outros até mesmo inacabados, pois há 25 dias os fiscais tinham interditado as obras.
De acordo com o coordenador de Fiscalização de Postura da Secretaria de Regulação Urbana, Elias Faleiro, o loteamento não existe no papel, ou seja, não é legalizado e documentado, além disso, a área é imprópria para habitação. “O terreno é de preservação ambiental e o lençol freático é contaminado, pois aqui era o antigo lixão”.
No local estava Elson Alves, que comprou um pedaço da terra há cerca de um ano e dois meses. Ele é um dos poucos que já estão morando no local. “Eu pagava aluguel e estava ficando muito difícil, depois fiquei desempregado e resolvi mudar para cá, pois não tinha onde morar. Entrei no negócio porque era barato”.
Elson ficou sabendo desses lotes em uma reunião, realizada pela Associação Beneficente Exército Missionário Atalaia de Cristo (Emac), que tem como presidente José Paulo Candini da Silva. Quando o informamos que a área não podia ser habitada, ele assegurou que não sabia. “A gente não tem muito estudo para entender, mas eu estou esperando o Paulo resolver isso, pois as promessas dele sempre são boas”, garante.
Outro morador, que não quis ser identificado, conta que já pensou em sair de lá, mas que toda vez que toca no assunto com José Paulo ele sai e nem dá conversa. “Fico até com medo de mexer com ele”.
Ao ser questionado sobre a questão, o presidente da associação, José Paulo, alegou que, se alguém não quiser mais fazer parte do projeto, o dinheiro é devolvido. “Cada associado tem um contrato e este lote não é meu, e sim de cada um que comprou, e a única coisa que a pessoa vai perder é o sinal, que foi de R$ 330”.
Documentação
Candini explica que o objetivo da Associação Beneficente Exército Missionário Atalaia de Cristo é promover condições necessárias para amparar os desprovidos das mínimas condições básicas de sobrevivência e conta que a entidade tem cerca de 1.300 famílias.
Ele reclama que os órgãos públicos responsáveis para promover a melhoria de vida dos cidadãos, conforme exigido pela Constituição Federal de 1988, não fizeram qualquer esforço para promover igualdade e dignidade humana. “Isso nos motivou a buscar oportunidades de melhoria, pois o governo federal repassa para os municípios verbas para edificar obras e construções aos que necessitam, mas ninguém faz nada”.
O presidente do Exército Atalaias de Cristo apresentou o Atestado de Viabilidade Técnica Operacional (AVTO) da Celg, todavia, o documento da Saneago reza que não há viabilidade para atendimento ao empreendimento e que o construtor poderá optar por um sistema independe desde que comprove à empresa de saneamento a garantia quantitativa de vazão e qualidade do manancial, suficiente para atender à futura população.
Paulo admite que realmente não há nenhum documento na Secretaria de Regulação, que é responsável por liberar as áreas a serem construídas. Ele informou que cortou caminhos para tentar resolver o problema, com mais agilidade. Segundo o presidente da Emac, o engenheiro Afonso Boaventura, diretor de obras da Secretaria de Regulação, é quem estaria cuidando de toda a documentação para legalizar o terreno, mas o engenheiro nega qualquer participação nisso. “Não tem nenhum documento na secretaria e isso é conversa deste sujeito. Não o conheço e nem tenho conhecimento sobre este loteamento”. Afonso alerta, ainda, que as pessoas devem tomar cuidado, antes de comprar qualquer imóvel, para não serem enganadas.
Reuniões para agregar pessoas
No dia 21, José Paulo Candini, presidente da associação, fez uma reunião no Setor Tiradentes para apresentar o loteamento e conseguir agregar pessoas ao projeto. Segundo testemunhas, ele entregou uma ficha, para que cada visitante preenchesse, contendo: nome, contatos, estado civil, endereço, documentações e até o valor salarial.
As reuniões, segundo José, são feitas com convidados das pessoas que já são associadas. “Se eu chamasse qualquer pessoa, os bandidos também iam querer, por isso, abrimos apenas para pessoas conhecidas dos integrantes do grupo.”
No penúltimo domingo, Elson, que é membro da associação, contou que aproximadamente 80 pessoas estiveram no loteamento para comprar. “Está vendendo muito”, afirma.
A reportagem tentou falar com alguns associados, mas ninguém quis dar entrevista, pois, segundo testemunhas, os integrantes da entidade acreditam nas explicações de José Paulo, que fala que o documento está com o prefeito Maguito Vilela, para ser assinado. Todavia, a coordenadora de Análise de Projetos da Secretaria de Regulação Urbana de Aparecida de Goiânia, Carolina Gontijo, explica que “não tem como esperar um parecer da prefeitura e nem fazer um decreto para o prefeito assinar porque fere a lei principal do município, que não permite a habitação daquele território”.
Parecer sobre área não foi aprovado
A coordenadora de Análise de Projetos da Secretaria de Regulação Urbana de Aparecida de Goiânia, Carolina Gontijo, esclarece que José Paulo protocolou e solicitou, no primeiro semestre de 2009, a aprovação de um loteamento, mas no parecer foi descrito que o terreno está fora do perímetro urbano e não pode ser aprovado.
Na ocasião, José Paulo também informou que já havia um pedido de legalização da área no Instituto de Planejamento Urbano de Aparecida de Goiânia, com o presidente do órgão, Fábio Passaglia. Porém, o presidente negou que haja qualquer documento com ele e esclareceu que José tentou pleitear a área como de interesse social e não foi autorizado. “Eu o comuniquei, pessoalmente, que é impossível fazer o loteamento. A única condição que tem para construir, sem olhar a questão do meio ambiente, é havendo a revisão do Plano Diretor para abrir loteamentos, o que é um processo demorado. E já existe uma decisão da Justiça, que impede a urbanização daquele território, que é rural”.
Fábio também informou que o Ministério Público entrou com uma ação proibindo qualquer construção no local, em 3 de setembro de 2009, e o juiz deu uma liminar par que não seja realizada nenhuma venda do loteamento.
História
José Paulo explica que eles resolveram comprar o terreno, que era uma fazenda, em 2007. “Reunimos todos os associados e decidimos juntos, por meio de assembleias, que compraríamos o lote”. Ele alega que, se o trabalho que eles realizam fosse de má-fé, estariam invadindo as terras. “Adquirimos o lugar com nosso dinheiro”, afirma ao acrescentar que o lote, que tem quase dez alqueires, custou R$ 3 milhões, para serem pagos em cinco anos.
Fonte: Hoje Noticia: texto de Flávia Moreno disponível em hojenoticia.com.br