No mês de junho, durante evento da Semana do Meio Ambiente, promovido pela Secretaria de Meio Ambiente do Goiás (SEMAD), Juão de Fibra era um dos nomes em destaque. Ele não estava entre as iniciativas premiadas, mas aparecia em cada vez que um nome era chamado. Isso porque os 25 troféus entregues foram de sua autoria, todos com capim colonião, minuciosamente construídos pelas mãos do Mestre Artesão.

“Eu me sinto como um guardião da natureza”, disse Juão, durante festa de premiação. Diante da plateia, os olhos não se intimidaram, e logo transpareciam a emoção.

Assim, após ouvi-lo, pouco parece poder intimidar o artista que ainda menino, veio do Ceará com a família para se instalar em Novo Gama, município do interior de Goiás, mas com uma distância de apenas 38 km para Brasília (DF).

O menino

Juão de Fibra afirma ser muitas coisas. Tantas que, para ele, é difícil decidir qual se sobressai. Ao longo de sua vida, foi abraçando novas causas, desenhando novos sonhos, e no meio da estrada, quase sempre da paisagem do Cerrado, foi se moldando em “muitos”.

“Ainda muito pequeno, com 7 ou 8 anos, já conseguia enxergar essa arte. Não foi uma coisa ensinada, ela brotou como um sinal dentro de mim. Existia alguma coisa que clamava por isso”, explica o artesão.

Um cipó no chão, virava cobra na mente de Juão. Uma pedra, era material para uma torre. A família ao redor não enxergava, mas no imaginário do menino Juão, estavam cercados por uma possibilidade quase infinita de obras de arte.

“Para nós, se descobrir nesse universo da natureza era muito bom. A cada dia aprendíamos com ela. Fazíamos caminhada, entrávamos mata adentro, comíamos dos seus frutos. Ali na natureza fomos nos moldando”, diz, ao relembrar a infância em Novo Gama.

Quando pensa nos primeiros anos naquele lugar, é possível notar certo saudosismo em seu tom de voz. Principalmente por carregar nas lembranças imagens de uma natureza que mudou intensamente ao longo tempo, quase que absolutamente pela ação do ser humano.

“Chegamos e ainda existia uma natureza muito perfeita, uma coisa muito linda”, completa. Nesse sentido, Juão explica que foi assim que a natureza se apresentava. Hoje, aos 54 anos, afirma que nem é preciso fechar os olhos para reviver aqueles cenários. Dessa forma, a arte que antes habitava na mente de uma criança, crescia junto a ele no passar dos anos.

O artista

“Ninguém entendia. Foi a vida inteira. Naquele tempo os artesãos eram marginalizados, vistos como pessoas vagabundas, que não queriam nada com a vida. Nenhum pai queria que o filho fosse artesão, porque sabiam que não iam dar conta de sustentar a família apenas com o artesanato”, explica Juão.

Ser homem apenas piorava a situação. Afinal, a noção de que artesanato era “coisa de muher”, ainda estava enraizada no pensamento e nos discursos das pessoas ao seu redor.

Juão de Fibra aparece trabalhando com a fibra (Foto:Arquivo Pessoa/Juão de Fibra)

“Vivi muitos sofrimentos e preconceitos. Mas, não adiantava o que falassem, adiantava o que eu dizia que iria ser. E eu não queria ser outra coisa”, conclui.

A conclusão de que viveria de arte chegou na casa dos 20 anos. Antes disso, usava do artesanato como forma espontânea de presentear pessoas e registrar lembranças. Mas, aos poucos, o seu destino profissional se tornava mais claro e, de certo modo, irresistível.

“Eu sempre quis viver da Arte”, afirma o Mestre Artesão. Todavia, o percurso do artista não foi uma “linha reta”. Antes de abraçar a identidade de artesão por definitivo, ele afirma ter passado por altos, baixos e queimadas.

“Eu me lembro muito bem de um dos momentos que me decepcionei com o artesanato. Depois de voltar de uma feira sem ter vendido nada, fiz uma montanha de quase 200 peças prontas e a queimei”, relembra.

“Naquele momento eu queimava a minha arte, mas a minha alma também queimava. O fogo subindo e as lágrimas descendo”, diz o artesão.

O guardião

Depois do acontecimento, foram 5 anos longe do artesanato. Buscou outros empregos, possuía uma família que precisava do sustento, mas uma parte significativa de si estava no passado. Ele que afirma não lembrar de um Juão onde alguma forma de arte não aparecesse nos pensamentos, passara metade de uma década a mantendo em silêncio.

Mas, hoje, Juão diz que foi um tempo necessário. Para ele, um dos seus grandes arrependimentos é olhar para trás e ver que até o momento em que fez a montanha de arte, ainda não tinha nascido um verdadeiro defensor da natureza.

“No início, não tínhamos consciência ambiental. Nós queimávamos o cerrado, lembro de uma parte cheia de orquídeas e eu as arrancava para depois ficar brincando. Então, era uma destruição de espécies que hoje nem existem mais”, lamenta.

“Após 5 anos distante, eu renasço das cinzas e retorno de uma forma mais fortalecida”, conta. Nesse sentido, um convite para enviar obras autorais para a Fenearte, considerada uma das maiores feiras de artesanato da América Latina, inaugurou uma nova fase no artesanato de Juão de Fibra.

“Depois desse trabalho, recebi uma proposta do Sebrae para uma visita ao Sebrae DF. Então, no começo da década de 2000, eles me convidam para capacitar pessoas e eu começo a desenvolver esse trabalho”, destaca.

Após começar a visitar outras áreas de natureza pelo país, Juão de Fibra passou a olhar para o ambiente que desde a infância estava ao seu redor, em Novo Gama (DF). “O Juão de Fibra nasce junto com o guardião”, conclui.

“Nesse capacitar pessoas, passo a ter acesso a muitas pessoas da zona rural. Nesse processo, eu comecei a ganhar consciência ambiental”, diz emocionado.

O professor

Hoje, o nome de Juão de Fibra já apareceu em renomadas publicações, revistas de arte e feiras espalhadas pelo país. Recentemente, foi convidado para fornecer capim colonião para o traje da primeira-dama Jaja da Silva, durante posse do atual presidente.

Mas, é no papel de professor que ele relembra seus grandes feitos. Ao longo dos anos, participou de vários projetos para ensino de suas técnicas de trançado. Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Tocantins são alguns exemplos de estados em que comunidades receberam o ensino do Mestre Artesão.

“Eu começo a fazer esse movimento com a arte utilizando a matéria prima pertencente às áreas onde moravam as minhas alunas. Elas pegavam o que tinham ali e transformavam em renda para sobreviver”, explica.

Juão de Fibra durante oficinas de artesanato (Foto: Arquivo Pessoal/Juão de Fibra)

Nesse sentido, grande parte das comunidades que visitava demonstrava algum grau de vulnerabilidade social. Desse modo, a arte aparecia como uma ferramenta para novas oportunidades, escassas em lugares marcados por desigualdades.

“Em alguns lugares, o machismo era muito grande e as mulheres sofriam violência doméstica. Eu comecei a abraçar uma causa que envolvia todo o contexto da natureza e também da sociedade”, reflete.

Para Juão, não é mais possível desassociar artesanato, natureza e pessoas. Um se liga no outro e assim, para ele, nasce um conjunto de causas.

“Acaba que se torna uma bola de neve muito grande. A renda das famílias, a luta para que esse artesanato seja valorizado e que não seja só mais um produto lançado no mercado. São muitas causas. E assim, eu vou envelhecendo com isso”, completa.

O Mestre

Juão de Fibra é reconhecido como Mestre Artesão de Referência Cultural. Dessa forma, um reconhecimento oficial que poucos artesãos receberam no país. Para obter o título, que Juão considera essencial para conceder autoridade para seu ensino e artesanato, foi preciso um longo caminho.

Nesse sentido, entre os critérios, o artesão deve ter se notabilizado pelo seu ofício e além disso, receber reconhecimento da comunidade e difundir seus saberes para novas gerações. “Eu tenho muito essa luta no estado de que mestres sejam reconhecidos”, ressalta Juão de Fibra.

Foto: Arquivo Pessoal/Juão de Fibra

“Acho que somos 7 mestres hoje no estado. Eu fico nessa luta, para que tenhamos mais mestres, porque existem vários que não tem reconhecimento e, às vezes, morrem sem ter”, lamenta. “Eu estou aqui, mas, ainda. E se amanhã eu não estiver? Para onde vai esse conhecimento? Quem vai absorver esse conhecimento? Faltam capacitações para isso”, afirma.

“Tem hora que eu penso, o que eu sou hoje? O mestre, o guardião da natureza, o artesão, articulador político, porque sem políticas a gente não consegue fazer nada, luto pela causa dos artesãos”, reflete. Logo depois, ele completa com a pergunta “O que eu sou realmente?”.

Entre as perguntas, também estão alguns medos. Isso porque, ainda que já tenha alcançado diversos lugares com a sua arte, o reconhecimento financeiro, em grande medida, ainda é um sonho que parece distante.

“O título de mestre a gente não se dá, recebemos isso como forma de reconhecimento e mérito a partir da comunidade, assim também está sendo a questão dessa liderança. As pessoas começam a ver em mim uma liderança para defender não só o artesanato, mas toda essa cadeia”, complementa.

O sonhador

“É assim que nasce esse Juão de Fibra que fala com tristeza do passado, mas com muita alegria porque consegui acordar a tempo de me sentir bem com o que eu faço hoje”, afirma, deixando escapar o otimismo.

Atualmente, o artesão mora em um terreno que antes era um “lixão”, segundo ele. Após adquirir o terreno, Juão investiu esforços para remover o lixo, recuperar a natureza e construir um espaço para a exibição de seus artesanatos. No entanto, ainda existe muito trabalho para o futuro.

“Hoje onde moro se chama Espaço Juão de Fibra, mas no futuro será o Instituto Juão de Fibra”, afirma. “Antes era um lixão, com três nascentes obstruídas por lixo, resto de construção e uma mata destruída. Até hoje estou tirando aos poucos o lixo do lugar, mas ali eu finco a minha bandeira, a desse movimento e dessa causa”, destaca o Mestre.

No Espaço Juão de Fibra, após processo de revitalização e retirada de lixo, nascem flores e novos tipos de vegetação (Foto: Arquivo Pessoal/ Juão de Fibra)

Para ajudar a colocar esse sonho em prática, atualmente Juão promove “vaquinha” virtual, a fim de que os recursos sejam reunidos e depois, investidos no local.

“Eu não me imagino velho passando fome, não penso nisso. Mas também não me imagino morrendo e ainda produzindo artesanato. Não me imagino morrendo brigando com o povo”, diz bem-humorado.

As raízes

No futuro, Juão deseja que seu espaço receba plantação do capim colonião, planta que aprendeu a amar ao longo dos anos. Além disso, espera que a sua casa seja preenchida por crianças de escolas públicas, prontas para explorar as trilhas ecológicas que o Mestre já consegue visualizar.

A vista do Espaço Juão de Fibra, local em que sonha transformar em Instituto para capacitação profissional e valorização da natureza pela comunidade (Foto:Arquivo Pessoal/ Juão de Fibra)

Ademais, na coleção de sonhos também aparece a Sapucaí. Para ele, a cultura goiana precisa alcançar a grande passarela do carnaval carioca. “Eu fico imaginando toda nossa cultura, nossa gente, dentro de um sambódromo, contando a história não pro estado, mas para o país inteiro”, visualiza.

Segundo Juão, quando esteve no Rio de Janeiro, já chegou até a “soprar no ouvido” a ideia para algumas pessoas ligadas à organização do espetáculo.

“Mas meu maior sonho mesmo é um dia ver que as pessoas não vão ter medo de fazer artesanato por medo de passar fome. Muitos artesãos matam a arte e o dom que Deus colocou dentro deles por conta disso”, afirma.

*Esse texto está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8, proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), para Emprego digno e crescimento econômico.