Apesar de todos os esforços da Justiça para coibir o nepotismo, essa prática ainda é muito frequente no poder público goiano. Um dos casos mais acintosos se encontra no Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE). O presidente Edson José Ferrari mantém a própria mulher, Maria da Graça Silva, nos quadros da instituição como funcionária comissionada. Ele e quase todos os conselheiros adotam a prática, apesar de haver um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público (MP) proibindo a contratação de parentes.
Todavia, quem deveria fiscalizar o TAC faz vistas grossas quanto ao nepotismo no TCE. O caso do presidente Edson Ferrari chegou ao MP para ser apurado, mas o procedimento foi arquivado. O promotor Umberto Machado de Oliveira, então coordenador do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público, foi quem investigou a denúncia de nepotismo envolvendo a esposa do presidente do TCE em 2011. De acordo com a acusação, Maria da Graça Silva, além de ser funcionária comissionada e esposa do presidente do TCE, Edson José Ferrari, acumulava cargo em comissão na Agência de Esporte e Lazer, (AGEL).
Apesar da evidente irregularidade, Umberto Machado sugeriu, em seu parecer, pela improcedência dos fatos. O promotor pediu a remessa dos autos ao então procurador-geral de justiça de Goiás, Benedito Torres, que despachou o pedido de arquivamento, no dia 27 de junho de 2011. A denúncia foi arquivada.
Nos meses seguintes, o promotor Umberto Machado passou a ser cotado para o cargo de secretário de Estado do Meio Ambiente. O grupo do bicheiro Carlos Cachoeira era contra a indicação, pelo que revela a gravação feita pela Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo. No dia 28 de fevereiro de 2012, por volta do meio dia, o ex-vereador de Goiânia Wladimir Garcez e a então chefe de gabinete do governador Marconi Perillo, Eliane Pinheiro, combinaram uma estratégia para evitar a nomeação do promotor. Eliane diz que Umberto foi indicado pelo “conselheiro Ferrari”.
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Um mês depois da conversa gravada pela PF, no dia 28 de março de 2012, o promotor Umberto Machado assumiu a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos.
Indícios de irregularidades
A suposta indicação denunciada por Eliane Pinheiro sugere alguma proximidade entre Edson Ferrari e Umberto Machado. Se ela realmente existe, a promotor Umberto Machado não poderia ter atuado na ação, visto que o presidente do TCE era parte no procedimento. O artigo 138, I, do Código de Processo Civil aponta como um dos motivos de impedimento e de suspeição de integrante do Ministério Público ser íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes. Machado teria sido indicado para o cargo de secretário de Meio Ambiente, a princípio, por Ferrari, de acordo com a gravação da polícia federal. Portanto, ambos manteriam uma relação que impedia Umberto de atuar na ação.
O promotor afirma que foi indicado pelo próprio governador Marconi Perillo, não por Edson Ferrari. Ele acrescenta que o grupo de Carlos Cachoeira tentou prejudica-lo e, por esse motivo, houve especulação do nome dele às vésperas da escolha do novo titular da pasta.
Mas além da suposta proximidade entre o promotor e o presidente do TCE existem outros elementos que chamam a atenção no procedimento. No TCE, o cargo ocupado por Maria da Graça Silva é o de Assessor de Assuntos Contábeis, Financeiros, Jurídicos e Orçamentários. Pelo título, é possível intuir que se trata de cargo em comissão, mas não era preciso suspeitar disso. Nos Relatórios Consolidados de Pessoal do Estado da época esse cargo é tratado pelo próprio TCE como em comissão. O que explica o fato de Maria da Graça contribuir para o Regime Geral de Previdência Social e não para o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos.
Como ocupante de cargo em comissão do TCE, confirmado pela documentação do próprio tribunal, o nepotismo é evidente. E mais, Maria da Graça, ocupando uma vaga em comissão do TCE, não poderia ser colocada à disposição de outro órgão e muito menos acumular outro cargo, na Agel. A Governadoria do Estado solicitou, mais uma vez, a permanência de Maria Graça à disposição do Governo para o período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2013. A solicitação foi deferida no dia 14 de janeiro de 2013 pelo próprio marido-conselheiro Edson Ferrari.
O que depreende do arquivamento do procedimento acerca do nepotismo existente entre Ferrari e sua mulher, Maria da Graça, é que o Ministério Público teria ignorado os princípios legais. Tanto que outras duas denúncias com o mesmo teor vêm sendo investigadas no Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que tramita no Supremo Tribunal Federal questiona o quadro suplementar em que Maria da Graça foi lotada supostamente para driblar a Lei do Nepotismo.
O promotor Umberto Machado, em entrevista à Rádio 730, nega sua participação no arquivamento, apesar de assinar a sugestão, e diz que foi mero coadjuvante no processo. Segundo o promotor, o arquivamento é de responsabilidade do procurador de Justiça, Benedito Torres. Já Benedito Torres afirmou à reportagem que arquivou de acordo com a sugestão do parecer de Umberto Machado e que as justificativas deveriam ser cobradas do promotor. Ou seja, ninguém assume o arquivamento do caso.
A prática de nepotismo no TCE é tão comum que o Ministério Público Federal de Goiás abriu representação em conjunto Ministério Público de Contas Estadual para combater vários casos dentro do tribunal. Dos sete conselheiros, seis tem funcionários comissionados, com algum grau de parentesco na instituição.
Segundo o procurador federal Hélio Telho Corrêa Filho, a pratica atinge, além do presidente Edson Ferrari, que tem como funcionária a mulher Maria da Graça Silva; a vice-presidente Carla Cíntia Santillo, que tem como funcionária a irmã Elídia Célia Santillo Gomes; o corregedor-geral Kennedy Trindade que tem, em cargo em comissão, a mulher Tarssys Costa Araújo Gomes; o conselheiro Milton Alves Ferreira, que possui o maior número de familiares no TCE: a mulher Célia Campos Ferreira, o filho Gustavo Campos Ferreira, o irmão Odailton Alves Ferreira e duas noras Renata Machado de Aguiar Fonseca Matis Campos Ferreira e Tatiane Alves de Souza Campos Ferreira; o conselheiro Sebastião Tejota emprega a nora Priscilla Norgan de Sousa Rocha e a irmã Vuquiconia Alves Pereira.
Todos os casos de nepotismo citados aguardam julgamento dos auditores do Tribunal de Contas do Estado de Goiás.