A decisão do Ministério Público de Goiás (MP-GO) de instaurar só agora inquérito civil público para investigar o nepotismo no Tribunal de Contas do Estado (TCE), mesmo tendo ciência histórica que casos como esses ocorrem no órgão desde 2008, trouxe à luz novas perguntas. Quantos indícios e acusações de favoritismo dado a familiares quanto à contratação para cargos públicos tramitam hoje no MP-GO? Mais: quantos procedimentos resultaram na exoneração destes servidores comissionados contratados irregularmente?
São, ao todo, 146 denúncias, feitas apenas na capital, e que se referem ao nepotismo. Há procedimentos datados desde 2004, antes mesmo da delimitação jurídica de nepotismo feita pelo Supremo Tribunal Federal, que aprovou em 2008, a Súmula Vinculante nº 13, vetando a prática em todo o poder público brasileiro. A Súmula abarca todos os casos, inclusive os de 2004, porém, muitos procedimentos já foram arquivados pelo MP-GO.
Além disso, o levantamento do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público (CAOPP) não confere com os dados fornecidos individualmente por cada promotoria. O sistema de consulta é arcaico e, dessa forma, não é possível saber o andamento de cada processo ou mesmo se há repetição de acusações ou se um determinado indivíduo está envolvido em outras denúncias de nepotismo.
Na 50ª Promotoria, por exemplo, da promotora Leila Maria de Oliveira, no levantamento informado pela CAOPP constam 35 procedimentos. Já na própria promotoria são informados 11 inquéritos civis em tramitação. Outros procedimentos não informados ainda aguardam a publicação da Portaria no Diário Oficial do MP-GO. Na 90ª Promotoria, comandada pela promotora Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, constam 11 procedimentos com a instauração de cinco inquéritos já publicados por portaria. Outros documentos estão em processo de análise ou aguardam esclarecimentos dos órgãos questionados, sobre a contratação irregular.
Se foi possível mensurar o número de casos de nepotismo que são alvo do Ministério Público, o mesmo não se pode dizer do andamento ou resultado dessas denúncias, ou seja, se o órgão conseguiu reverter estes atos que violam o princípio da moralidade pública. Dos 146 procedimentos existentes, o CAOPP conseguiu informar apenas 21 casos de nepotismo que tiveram a resposta do órgão questionado, resultando na manutenção do servidor por não configurar a prática do nepotismo ou sua exoneração.
A dificuldade para obter informações mais detalhadas sobre cada procedimento é maior ainda nas promotorias. A justificativa é que o ultrapassado sistema de consulta exige um trabalho manual e demorado para realizar o levantamento de cada caso.
Questionamentos
Como se não bastasse esse obstáculo, a recente instauração de inquérito civil público para investigar o nepotismo no TCE sugere outro problema que estaria rondando o Ministério Público: a falta de celeridade do órgão para analisar cada denúncia. Por que só agora o MP-GO resolveu instaurar inquérito civil público para investigar o nepotismo no TCE, uma vez que o órgão fora alertado em 2008 sobre outras recorrentes práticas da Corte?
O procurador Fernando dos Santos Carneiro, do Ministério Público de Contas do TCE, enviou em 2008, ofício ao MP-GO questionando irregularidade na admissão de parentes de conselheiros no órgão. Para ele, a irregular situação de pessoal na Corte é publicamente conhecida pela sociedade goiana desde 1997, porém, nenhuma medida efetiva foi tomada pelo MP-GO.
“Embora amplamente conhecida pelos cidadãos goianos há mais de 10 anos, a injurídica forma de recrutamento de pessoal no TCE-GO vem se propagando ao longo do tempo, seja pelo déficit de espírito republicano de membros da Corte de Contas, seja pela ausência de implementação da propalada necessidade de ‘respostas mais adequadas e céleres’ do MP-GO”, descreve Fernando no documento.
Em março, o Portal 730 revelou o arquivamento de denúncia da prática de nepotismo envolvendo o presidente do TCE, Edson José Ferrari. A mulher dele, Maria Graça Silva, era comissionada no órgão. Outro caso de arquivamento diz respeito à companheira do conselheiro Kennedy Trindade. O procurador da República, Hélio Telho, prefere não julgar como omissão a decisão do MP-GO. Para Telho, ele, pessoalmente, e o MPF entendem os dois casos como nepotismo, porém, o MP-GO concluiu à época do arquivamento que a permanência das duas esposas é legítima.
Ainda na época do arquivamento, o promotor Umberto Machado, coordenador do CAOPP, negou ter participação no engavetamento do procedimento, enderençando a responsabilidade ao procurador de Justiça, Benedito Torres. No entanto, Benedito esclareceu que a medida foi tomada por sugestão de Machado, em parecer encaminhado pelo promotor, conforme noticiou o Portal 730.
O coordenador da CAOPP, promotor Rodrigo César Bolleli Faria, explica que o caso do nepotismo no TCE não chegou ao MP-GO em 2008. “A representação (caso Edson Ferrari e sua esposa Maria Graça) chegou ao MP-GO no ano passado e não em 2008”, defende.
Burocracia e falta de estrutura
Rodrigo esclarece ainda que a falta de celeridade para apurar as denúncias sobre casos de nepotismo esbarra na burocracia e na relutância dos órgãos investigados em fornecer as informações solicitadas e também na limitação orçamentária do MP-GO. “Quando o MP-GO instaura inquérito, ele precisa ter informações, dados, documentos. Ele requisita essas informações, o órgão questionado tem prazo para cumprir e muitas vezes não cumpre. Às vezes o Ministério Público tem até que propor ação judicial para conseguir aquele documento. É uma série de fatores”.
O coordenador justifica ainda que cada uma das cinco promotorias de Defesa do Patrimônio Público trabalha com cerca de 400 procedimentos que englobam o Estado e a capital e que abordam diversos casos. “São mais de dois mil procedimentos tramitando na área do Patrimônio Público. É um número altíssimo e durante a investigação há uma série de contratempos e obstáculos”.
Para Rodrigo, a solução seria o MP-GO realizar concurso público para a seleção de novos promotores, já que o número atual é insuficiente para cuidar de todos os casos de forma célere. “A gente esbarra nesta questão porque apenas 2% da receita orçamentária do Estado é destinada ao MP-GO. A demanda sempre aumenta e o orçamento não”.
Órgãos na mira
Orgãos estaduais como a Secretaria de Saúde, de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Detran, Saneago, Metrobus estão na mira dos promotores. Outras instituições como Assembleia Legislativa, Câmara Municipal de Goiânia, Procuradoria Geral do Município e a Prefeitura de Goiânia também estão sob investigação.
Vale ressaltar que muitas denúncias que chegam ao MP-GO são arquivadas, uma vez que o órgão alvo de investigação, informa que tal contratação seguiu os preceitos da lei. Dos 21 casos de nepotismo que tiveram resultado, a maior parte das nomeações foi mantida por uma série de razões: nomeações tornadas sem efeito, dissolução do casamento ou da união estável não havendo motivos para exonerar determinado (a) servidor (a), parentes que foram exonerados do cargo antes da apuração da própria denúncia, entre outros motivos.