A cidade convive com as calçadas repletas de mendigos e o fato não mais incomoda. Aos poucos, pessoas em andrajos passaram a fazer parte da paisagem, invisíveis ante a indiferença dos passantes. O transeunte vê os farrapos, não quem os habita.

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O mendigo pede uma moedinha para comprar comida, como se fosse suficiente para um marmitex, como se o trocado fosse mesmo para o almoço, não para o crack. As autoridades não o veem.

O morador de rua é gente como a gente, mas a gente o ignora, faz de conta que é um molambo embolado sob a marquise. Por isso, quando alguém o mata, não há indignação generalizada, ninguém faz passeata, não há piquete na porta da delegacia. O recado é que não morreu uma pessoa, mas um mendigo e mendigo não conta como gente, não respondeu ao questionário do IBGE, não é habitante, não é pessoa, não é humano.

As pessoas que se arvoram em representantes dos direitos humanos estão se lixando para os mendigos. Querem mesmo é lucrar politicamente com eles, tanto que não planejam tirá-los da rua, desejam mantê-los lá, como símbolos esfrangalhados de uma ideologia rota.

Enquanto as autoridades se reúnem para discutir o assunto, os moradores de rua se reúnem para fumar pedra e os assassinos se reúnem para exterminá-los. As autoridades se reúnem em torno da mesa, os moradores de rua em torno do cachimbo e os assassinos em torno da impunidade. Uns tomam café com biscoito, outros se alimentam de subproduto da cocaína e os demais se nutrem da omissão.

Trinta moradores de rua foram assassinados nos últimos dias. Mas não são gente, são mendigos, então, não conta. Não são goianienses, então, não conta. São viciados em droga, então, não conta. Não conta para ninguém porque é vergonhoso Goiânia conviver com esse morticínio e nenhuma autoridade dar as caras para resolver. Quem dá a cara para bater é o mendigo, mas ele não conta, porque é usuário de droga e usuário de droga não é gente. Desvie dele na calçada, entre no palácio e vá viver sua vidinha de gente, porque viciado a gente marca, tange, ferra, esmaga e mata, mas com gente é diferente.

Meu Deus!, é essa gente que se diz à Sua imagem e semelhança?