A luta dos profissionais de saúde, que passaram a atuar cara a cara com a Covid-19 na tentativa de salvar o máximo de vidas possíveis, é vista como um ato heroico. Mas, na prática, esses trabalhadores se sentem desvalorizados. Em entrevista à Sagres, a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Maria Helena Machado enfatizou que o comportamento da população ao menosprezar a pandemia provoca essa sensação.

“Na prática não são tratados como heróis. O sentimento maior é de desvalorização por causa do comportamento das pessoas quando elas defendem o não uso da máscara, quando não cumprem os protocolos sanitários ou quando vão em festas clandestinas. Isso é gravíssimo. Essas pessoas não pensam que os trabalhadores da saúde estão sofrendo, exaustos, e dando a vida deles para salvar alguém”, desabafou a pesquisadora.

Para ela, falta o sentimento de empatia. “A população precisa pensar em se resguardar e se proteger, porque assim ela preserva o profissional de saúde. Eles estão no limite, com medo da doença e com receio, claro, de não conseguirem fazer um atendimento de qualidade com calma e tranquilidade. Não podemos esquecer que o maior risco dentro da área de saúde está com os trabalhadores, que precisam ser preservados e protegidos”, complementou.

Ouça a entrevista na íntegra:

Maria Helena Machado coordenou a pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, realizada pela Fiocruz em todo o território nacional. O estudo mostrou que a pandemia da covid-19 modificou de modo significativo a vida de 95% dos profissionais da área da saúde que há mais de um ano atuam na linha de frente do combate à doença. Quase 50% admitiram excesso de trabalho ao longo da crise sanitária, com jornadas acima de 40 horas semanais.

A pesquisa mostrou que 45% precisam ter mais de um emprego para se manter e que 14% da força de trabalho que atua na linha de frente está no limite da exaustão. Os entrevistados apontaram ainda consequências graves e prejudiciais na saúde mental dos que trabalham na assistência aos pacientes com covid-19. As alterações mais comuns identificadas pelos profissionais no cotidiano são perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo, suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%).

“O pânico se alastrou. O profissional de saúde exerce um trabalho muito especial. É ele que cuia da vida de uma pessoa e estão o tempo todo, mesmo antes da pandemia, lidando com severas dificuldades de atendimento. O prolongamento da pandemia é assustador. Desde março estamos vendo muitos profissionais morreram. Um quarto dos profissionais de saúde já se contaminaram e muitos não resistiram”, explicou Maria Helena.

A pesquisa ainda mostrou que 43,2% dos profissionais de saúde não se sentem protegidos no trabalho de enfrentamento da Covid-19, e o principal motivo, para 23% deles, está relacionado à falta, à escassez e à inadequação do uso de EPIs. 64% revelaram a necessidade de improvisar equipamentos.

“Eles fazem vários atendimentos ao mesmo tempo. Muitos EPIs não são adequados aos profissionais. Faltaram muitos equipamentos no começo da pandemia e hoje ainda temos esse problema. O profissional tem que lidar com um paciente que precisa de UTI, com uma família que está desesperada e com o medo dele também se contaminar”, afirmou ao fazer um apelo para a população. “Vamos nos proteger, pensar nesse profissional que também tem família”.