Num dos seus mais belos poemas, o modernista brasileiro Carlos Drummond de Andrade questiona em verso: “E agora José, que a festa acabou?”. Toda festa um dia acaba, ainda que seja para recomeçar outra, mas festa acaba sempre.

A do Atlético na Série A está muito próxima do fim, e o José poderoso do Dragão atende pelo nome de Adson Batista, e o fim da festa levou até ele uma surpresa: a torcida que sempre o venerou, fez uma manifestação pacífica, mas contundente, cobrando dele a situação onde o clube chegou, com um time incapaz de reagir no Campeonato Brasileiro, refletindo no espelho dos jogos, a imagem dos erros administrativos do seu presidente.

Como disse, esta mesma torcida já venerou Adson, nos seus momentos de acertos e como sua história no Atlético contém mais acertos do que erros, ele recebeu muito mais veneração do que cobrança, elogios do que críticas, aplausos do que vaias.

Mas a vaidade que, junto com a ingratidão, está abrindo uma cratera à frente do presidente atleticano, não lhe permite ser cobrado, mesmo quando ele admite seus erros e culpas, como é o caso do momento atual. Sendo muito honesto (virtude que ninguém nega que ele possui) falou por mais de uma vez que a culpa é dele. E não foi força de expressão, foi honestidade. Muito assertivo no planejamento anual, Adson errou demais no que fez para 2022. Esteve disperso na hora de elaborar os caminhos a seguir e os personagens com quem contar.

Esqueceu-se (inadmissível isto) que 2022 seria ano de Copa do Mundo (logo, com o calendário reduzido em dois meses), que o Atlético teria pela frente três competições pesadas após o Campeonato Goiano: Campeonato Brasileiro Série A, Copa do Brasil e Copa Sul-Americana.

Montou um elenco pequeno, insuficiente para as três competições paralelas e obrigou o time jogar sem treinar, já que na maioria das vezes os jogos ocorreram com três dias de intervalo de um para o outro, com viagens longas no meio.

Resultado: o elenco ficou estourado física e emocionalmente, já que o esforço repetitivo com excesso gera o estresse. Nas duas copas a equipe foi bem. A motivação e a fórmula de disputa favoreceram o bom desempenho em ambas, mas na principal competição do clube, o Brasileiro da Série A, o Atlético tem sido um desastre. O erro medonho no planejamento para o ano, poderia ser consertado quando veio a janela para contratações de reforços, mas Adson brincou de buscar reforços e trouxe jogadores sem nenhuma prerrogativa para receber a adjetivação de reforços.

Duas exceções: Willian Maranhão, que consertou a marcação no meio de campo, e o jovem Lucas Gazal, zagueiro que com o tempo tem tudo para se firmar e dar o retorno esperado. Os outros não têm justificativa para uma equipe de Série A contratar. Nenhum dos sete restantes. Os melhores ficam longe do que o Atlético precisava. Ou alguém acha que Camutanga, João Peglow, Ricardinho, Kelvin, Rhaldney estão prontos para jogar uma Série A? Um ou outro deles pode até, após o processo de maturação, vir a dar conta, mas até lá nenhum dá.

Isto apenas para falar dos melhores – os outros não vou gastar espaço para nominá-los… não merecem. Quem contratou estes atletas como reforços???? Adson Batista. De quem é a culpa???? Adson Batista. De quem a torcida tem de cobrar???? Adson Batista. E foi o que houve. Cobrança normal no futebol, ordeira como é o perfil do atleticano.

Mas a soberba de quem regozija com aplausos, não admite cobrança. E após ver que no erro no futebol, a idolatria dá lugar ao questionamento, o presidente do Atlético soltou os cachorros. Tentou desmerecer o atleticano que foi se manifestar, dizendo se tratar de “pedidores” de ingressos. Disse também que alguns dos que estavam ali não tinham envergadura moral para cobrar (como se ele conhecesse a conduta moral dos manifestantes, ou de parte deles), reclamou de ingratidão, coisa que ele conhece muito bem.

Ou alguém já viu alguma manifestação do senhor Adson Batista em agradecimento ao ex-presidente Wilson Carlos, que reconstruiu o clube, após uma quadrilha ter tentado roubar o patrimônio do Clube? Nunca, pelo contrário, pouquíssimas vezes Adson pronuncia o nome desta reserva moral da história do Atlético Clube Goianiense. Tem ainda a história do que houve com Omar do Carmo, sócio fundador do Atlético, que por ter esta condição foi à Justiça (num ato de heroísmo) e tomou de volta para seus sócios e conselheiros o Atlético Clube Goianiense.

Se não fosse a atitude do Omar (que em vida me confidenciou ter recebido até ameaça de morte) a quadrilha teria roubado o Estádio Antônio Accioly, o CTC do Setor Urias Magalhães e qualquer outro patrimônio que o clube tivesse. Omar ganhou na Justiça o clube de volta, Valdivino Oliveira reorganizou o Conselho e entregou à presidência executiva para o único corajoso que topou pegar, por amor ao Clube, o empresário Wilson Carlos. Desde que assumiu, Wilson se propôs a recuperar o Estádio Antônio Accioly, colocando-o em condições para o clube mandar os jogos do time lá, que voltaria às atividades profissionais na divisão de acesso. Também deixaria o Centro de Treinamentos em condições de ser usado. Àquela altura a receita do Atlético era zero, mas o que o Wilson se comprometeu a fazer, fez. Naturalmente contando com a atuação competente do Valdivino Oliveira à frente do Conselho. Após fazer o que propôs, Wilson Carlos deixou o Atlético.

Ele, dignamente nunca disse por que o atual presidente evita falar seu nome e o Adson raramente pronuncia o nome do Wilson. E o Omar do Carmo? Sei que já estão a pensar. O que houve com ele? O Omar do Carmo, graças a uma mexida profunda no estatuto do Atlético, comandada pelo Adson Batista, teve seu título de sócio fundador e de conselheiro do clube cancelado – foi esta a manifestação de gratidão atleticana para o homem já idoso, que enfrentou sozinho uma quadrilha poderosa e astuta e deu vida a um Atlético já tido como morto. Tem mais ingratidão que poderia ser descrita aqui, mas penso que estas tão absurdas, resumem as demais.

Então, de ingratidão, Adson Batista entende a fundo.

Mas o pior na sua malfadada entrevista após o fim da festa, na segunda-feira, 19, após a derrota do Atlético para o Internacional por 2×1, não foi o chororô. O pior foi quando chamou o Atlético de lixo, aludindo-se ao passado quando a quadrilha foi desmantelando o clube para se apossar do seu patrimônio. Época em que o modesto e humilde ex-zagueiro Adson presidia a empresa Grêmio Inhumas S/A. Lá ganhava honestamente pouco dinheiro e acabou achando o projeto inviável e vendendo a marca Grêmio de Futebol Goiano, para os portugueses, que levaram a empresa futebolística para a cidade de Anápolis e tocam ainda hoje o projeto, com o time do Grêmio Anápolis.

Vendida a marca, Adson era um talentoso executivo de futebol desconhecido e desempregado. Foi quando Valdivino Oliveira, que sucedeu Wilson Carlos na presidência executiva, o contratou para supervisor do Atlético. Naturalmente remunerado e com a responsabilidade de cuidar do futebol do novo Atlético, Valdivino utilizaria sua influência de homem público, experiência de gestor e criatividade para viabilizar um clube forte, à altura do passado do Atlético e o contratado, executaria o projeto, com liberdade para agir. Isto foi em 2005 e tudo funcionou como Valdivino programou. Novo conselho, novos conselheiros, gente nova na diretoria e o supervisor Adson dando show de competência na função.

Ficou conhecido graças ao bom trabalho, que tinha por trás a força do secretário da Fazenda do Distrito Federal, Valdivino de Oliveira. À medida em que o clube crescia, o prestígio de Adson crescia, e a ambição também. Inteligente como é, foi aumentando seu raio de ação dentro da hierarquia atleticana e mantendo o crescimento constate do clube. O carro popular merecidamente foi trocado por camioneta de luxo, as roupas modestas por marcas de prestígio e a humildade (incluindo a educação) foi sendo deixada de lado. Fez muito pelo Atlético e recebeu muito do clube também, inclusive a presidência e a capacidade centralizadora de não deixar nenhuma decisão ser tomada sem sua aprovação.

Meticuloso, soube escolher bem novos nomes para a diretoria e conservar os antigos que são úteis ao seu projeto. Acho que citar o extraordinário Sebastião Santana, entre os que vieram, e o não menos extraordinário Jovair Arantes, entre os que já estavam, sintetiza sua capacidade de articulação. Com Valdivino Oliveira a relação teve atrito e reaproximação. Valdivino tem documentos que atestam sua legalidade no quadro de conselheiros e todos sabem que tem peito pra montar chapa de oposição no momento que achar que deve, com enorme prestígio com a imprensa, torcida e conselheiros, então o melhor é conciliar.

Negar a importância de Adson Batista na reconstrução do prestígio atleticano e da grandiosidade que o Atlético alcançou, é ser com ele, o que ele foi com o saudoso Omar do Carmo (meu querido amigo e de muitas pessoas) e com o Wilson Carlos. Mas deixar ele bater no peito e dizer que fez tudo sozinho não é salutar, porque isto é faltar com a verdade. Na mesma malfadada entrevista disse que pode, após devolver o Atlético à Série A (já considera o time rebaixado para a Série B, mesmo com 33 pontos em disputa) e depois deixar o Atlético. Pode sim, afinal como o José do poema, está vivendo pela primeira vez, o fim da festa, quando o planejamento mal feito, as contratações de jogadores incompletos técnica e emocionalmente e o crédito que Eduardo Baptista, um técnico de capacidade limitada desse conta de comandar o Atlético na Série A e na Copa Sul-Americana, mesmo sendo avisado que ele não dava, estão sendo cobrados do presidente.

Como perdeu a humildade, sabe bem o que é ingratidão, se tornou afeto a desconhecer o respeito que as pessoas que zelam pelo nome merecem, ele pode mesmo sair. Mas muito distante de ser o lixo que ele tachou, o Atlético é maior que tudo isto e todos os personagem que passaram pela sua história, inclusive o Adson.

Haverá sempre um Omar do Carmo para buscar de volta o clube para o clube, e mesmo quando a mais doída festa acabar, José, no Atlético ela recomeça. Clube que sobreviveu às mortes de nomes como Antônio Accioly, Valdir Sampaio, Frei Nazareno Confaloni, mestre Egídio Linhares e Omar do Carmo e muitos outros, não morrerá se o Adson Batista sair. O Adson tem seu valor, o Atlético também.

Em tempo: “De todas as dores humanas, a que mais machuca é a da ingratidão”. (Euclides da Cunha)