A imagem do nó cego que as articulações alicerçadas no pragmatismo do jogo político são capazes de produzir não é nova, ainda mais associada à campanha deste ano.

E considerando-se que no Brasil ninguém é de ninguém – é cada político no se galho, bola pro mato que o jogo é de campeonato e seja o que Deus quiser -, que as conversas estão abertas ao infinito em todas as direções, e que os partidos fazem negociações por atacado no varejo de cada Estado, fica fácil entender como isso pode produzir situações complicadas, engraçadas, bizarras.

Aquela coisa: abertura demais nos cenários fechando além da conta as explicações racionais, com tudo amarrado em nome de… sei lá eu. Enfim.

O centrão anunciado em apoio a Geraldo Alckmin presidente da República é a porta da esperança para o tucano e coisa do outro mundo aqui em Goiás. Por exemplo.

Vejam só. O senador Ronaldo Caiado (DEM) é candidato batendo duro no ex-governador Marconi Perillo (PSDB), nos seus 20 anos de poder, nos seus desmandos administrativos. Novesfora o fato de que o DEM e Caiado estavam no mesmo grupo de Marconi até quatro anos atrás, entra agora o elemento novo: eles convergem em direção a Alckmin.

Efeito dessa química das ambiguidades perdidas, ou encontradas, já se tem notícia, pelo Estadão, de que o DEM de Goiás vetou o ex-governador no comando de campanha do candidato conjunto a presidente.

Vamos entender. Caiado vetou Marconi no estafe de Alckmin, mas ambos estarão na linha de frente de Alckmin. Este é o ponto 1.

Ponto 2: vão louvar e agradecer em nome de Alckmin em Goiás ao mesmo tempo em que destilarão raiva e ódio mútuos nos palanques pelo Estado.

Ponto 3: um ou outro perdendo ou ganhando, ainda assim o outro ou o um estará garantindo vida política ao um e ao outro, desde que ambos não percam juntos e misturados, o que se daria na seguinte situação: Alckmin derrotado no País, Marconi/José Eliton e Caiado derrotados em Goiás.

Confuso? Aprendi a ver com outros olhos: o confuso, em política, é o outro nome do divertido.

Nessa história, o pré-candidato do MDB, Daniel Vilela, tem oportunidade de ouro. Isso, claro, se o seu partido não entrar na conta de Alckmin, o que não está de todo descartado.

Consideremos que sim, que o MDB manterá firme a candidatura de Henrique Meirelles à Presidência, e que então o partido ficará à margem dessa construção de alquimia paulista inusitada.

A oportunidade para Daniel: está aí a prova cabal e irrefutável de que é ele, e mais ninguém, a “verdadeira oposição” em Goiás, o que ele, convenhamos, vem pregando sem ninguém botar muita fé, diga-se. A “verdadeira oposição” com chance de vitória, claro.

Porque, se Caiado e Marconi se opões aqui mas estão juntos lá, logo estão juntos pelo menos em 50% dos interesses. E se Daniel é contra o PSDB aqui e é também contra Caiado – que, ao mostrar sua chapa, já era acusado de ter montado chapa ‘marconista’, vestindo “camisa (governista) do avesso”, como disse Maguito Vilela -, logo temos que Daniel é 100% oposição.

Ah, mas o MDB também tem conchavos com o PSDB, que foi avalista da derrubada de Dilma Rousseff e, por conseguinte, chegada do emedebista Michel Temer ao poder. Você tem razão. Mas quem disse que razão ganha eleição?

Quer dizer. Tá valendo o discurso de Daniel, que anda mesmo precisando de um. Ok que é um discurso mambembe, porém é justo dizer que menos mambembe que o de Caiado e Marconi/José Eliton a partir de agora. Ou não.

Já estou me confundindo aqui. Lembro nessas horas do poeta Paulo Hindemburgo. “Paulo, estou muito confuso”, eu dizia a ele. No que ele me respondia: “Ainda bem. Pior seria se estivesse sem fuso.” Com disse, um poeta esse Paulo.

Estou escrevendo tudo isso e você provavelmente veio até aqui esperando que eu chegue a algum lugar. Que eu mostre a lógica de tudo, que eu desate o nó político brasileiro. Pois falo com propriedade: esse nó é indesatável, a não ser por si mesmo.

E o outro nó, o do entendimento das coisas, esse é que não tem jeito mesmo. Vem daí a alternativa da diversão. Rir de tudo é um modo de não ser vencido por completo neste jogo bruto dos políticos profissionais.

Mas não rir para esquecer e deixar tudo como está. Rir para não ficar alheio ao que há e ao que tudo é. Ao mesmo tempo, sabendo que o Brasil da mudança depois da Lava Jato é exatamente o Brasil que nos levou à Lava Jato. Tudo mudando para continuar do mesmo jeito.

Alckmin junta alhos com bugalhos em um centrão onde estão quase todos os alvos centrais de casos escabrosos de corrupção recentes – menos o PT, que brilha por si só neste quesito. E faz isso pregando renovação, lisura, moralidade, modernidade.

O centrão é a soma de todos os medos ao PT. A fé na vitória sem Lula. A ideologia de uma classe política que olha o povo como promessa de campanha, legitimando seus objetivos altaneiros de se perpetuar no poder em nome de causas dignas, porém nunca praticadas. O centrão é o contragolpe, a legitimação do golpe como discurso e como razão de ter sido. E vamos em frente.

Caiado e Marconi, que se excluem por mesmas alegadas razões, se unem pelas razões mesmas obedecidas na busca pelo poder. E, fim da ilusão, Daniel, em vista da oportunidade bater à sua porta, bate com a cara na porta no instante em que a radiografia da notícia do centrão estabelecido de Alckmin revela suas digitais irrefutáveis.

O centrão virou centrão porque Temer assim o quis. Amém. E amém para Daniel também, que de toda forma tem outra oportunidade ainda: reencontrar-se com Caiado e Marconi/Eliton lá, bem no alvo.

No fim das contas – e já são muitas -, o eleitor é o fiel dessa balança. Não tem o poder de desatar nó nenhum como imagina, mas desatará de todo jeito, como agente da transformação, ou, pra variar, como massa de manobra.

Estamos entrando nas eleições como entramos na Copa da Rússia. Desde já, posso dizer, de minha parte: “Estou tão Titi”. De verdade. Só que não.

 

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