Ao começar escrever esse conto, não imaginei que ele teria o tamanho que hoje tem. Na verdade nem sei como isso acabou acontecendo, mas, para não desperdiçar o tempo de quem se prestar a lê-lo, decidi publicar o conto em duas partes. Hoje vem a primeira e na próxima segunda (24), a parte II com a conclusão. Tendo explicado, vamos à história:

O social nunca foi seu forte. Era muito tímida, padecia de um pânico social raro e, por isso, não conseguia se relacionar com ninguém. De início aquilo a irritava muito, passava noites em claro imaginando como seria sua vida se tivesse no meio das brincadeiras, gritos e correrias que as outras crianças protagonizavam nos recreios da escola. Tinha até uma melhor amiga, a Clara, que personificava em uma boneca de pano loira que havia ganhado de sua avó.

Mas com o passar dos anos aquilo foi ficando para trás. Cansada de sofrer e sonhar com dias e coisas que não aconteceriam, ela decidiu aceitar sua condição e se adaptar. Foi então que conheceu a grande paixão da sua vida: os livros. Foram eles que a levaram para suas maiores aventuras, coloriram seus dias e embalaram toda sua existência. E acabaram por finalizá-la também.

Os seus preferidos eram os romances, principalmente os de aventura. Vez ou outra se deixava seduzir pelos títulos da moda ou best-sellers e experimentava alguns, mas a maioria de suas escolhas ficavam nas últimas estantes dos sebos. Passava tardes inteiras em livrarias do centro, vasculhando prateleiras empoeiradas atrás de um título que lhe chamasse a atenção.

Certo dia, indo para a faculdade, notou em uma esquina uma livraria nova. Pequena, ainda se acomodando em um espaço que antes funcionava uma loja de jeans. O letreiro não havia sido posto, estava no chão. Mas ela notou que seria uma livraria pelas várias estantes enfileiradas nos cantos da sala e as caixas com livros e revistas espalhadas pelo chão.

Toda vez que ia para a faculdade ela observava a movimentação do lugar. No terceiro dia o letreiro já posto e as estantes recheadas denunciaram que o estabelecimento estava aberto. Ela desceu um ponto depois e, enquanto caminhava até a loja, pensava no que poderia encontrar. A sala realmente era tão apertada quanto parecia ser da janela do ônibus e a proximidade entre as prateleiras deixavam ainda mais acentuado o cheiro de livro.

Quando ela entrou, um senhor a recepcionou. Era bem velho, de olhos amarelos e com uma aparência adoentada. Falava com um sotaque estranho, parecia ser estrangeiro. Os cabelos eram totalmente brancos e escassos, principalmente na parte frontal, o que ressaltava bem a avantajada testa. Ofereceu café e ela aceitou. Enquanto o velho foi para dentro buscar a bebida, ela se virou e pôs os olhos a correr pelas estantes.

Pouco tempo depois ele voltou equilibrando um pequeno bule e duas xícaras. Sentou-se em uma poltrona colocada ao final da loja e chamou-a, apontando que se sentasse na poltrona oposta. Na mesa que interpunha os assentos, serviu as xícaras. Percebeu que ela havia escolhidos dois títulos e, educadamente, puxou assunto sobre os temas. A menina estranhou um pouco todo aquele tratamento, mas acabou cedendo e entrando de vez no papo.

Após a segunda xícara de café, ela disse que precisava ir e pagou pelos livros escolhidos. O velho recebeu, se levantou e foi até uma das prateleiras. Na última fileira, quase no chão, puxou uma edição velha de capa dura e voltou para a poltrona. Estendeu o livro para a menina e o ofereceu como brinde pela compra dos outros dois. Na capa não havia uma letra sequer, a não ser um couro gasto e desbotado…