Após um 2024 marcado por extremos climáticos, como as enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, secas severas no norte do país e queimadas de grandes proporções na Amazônia, Cerrado e Pantanal, o Brasil se prepara para um novo capítulo de desafios meteorológicos.
Esses extremos climáticos, impulsionados pelo fenômeno El Niño, trouxeram perdas humanas, econômicas e ambientais significativas. Agora, em 2025, a transição para uma La Niña atípica promete reconfigurar os padrões climáticos do país, intensificando incertezas e preocupações.

Em entrevista ao Sistema Sagres, o professor da Uninter Anderson Roberto Benedetti, biólogo e especialista em mudanças climáticas, destacou os impactos dessa dinâmica no país. De acordo com o pesquisador, o Brasil enfrenta uma redistribuição nos padrões de chuva e temperatura, causada pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico na costa oeste da América do Sul.
“A La Niña ocorre devido à movimentação dos ventos que levam água quente para a costa da Ásia e trazem água fria do fundo do Oceano Pacífico para o litoral entre Peru e Chile. Essa mudança provoca alterações atmosféricas e no clima do nosso país”, detalhou.
Impactos regionais
As consequências dessa La Niña atípica já começaram a ser sentidas e devem permanecer até abril de 2025, conforme Benedetti. Sendo assim, para o norte e nordeste do Brasil, as chuvas devem aumentar significativamente, aliviando a seca que marcou o ano anterior.
Por outro lado, a região sul enfrentará estiagens severas, acompanhadas de um inverno mais rigoroso. “A região sul vai esperar, sim, um período de estiagem grande. Já no centro-norte, nordeste e norte, o aumento das chuvas será expressivo”, destacou o professor.
Ele também alertou para o risco de enchentes nessas áreas, especialmente no início do ano. O pesquisador explicou que o encontro de massas de ar no sul do país pode favorecer a formação de ciclones tropicais. “Na região sul, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, há condições propícias para a ocorrência de ciclones. Eles podem surgir longe da costa, sem causar grandes prejuízos diretos”, afirmou.
Além disso, Benedetti destacou as variações extremas de temperatura. “Enquanto o sul enfrentará temperaturas mais baixas devido à estiagem, no norte e nordeste, as temperaturas tendem a subir, seguindo o aumento das chuvas.”
Agricultura e a população
Para agricultores e pequenos produtores, que dependem da previsibilidade climática, os desafios são imensos. “É crucial entender esses fenômenos, porque o planejamento da produção agrícola depende diretamente da previsão do tempo. Com uma La Niña atípica, as incertezas aumentam”, alertou.
A transição climática de 2025 reforça a necessidade de políticas públicas de adaptação e mitigação aos extremos climáticos. Como destacou Benedetti, “essa dinâmica climática exige atenção constante e ações coordenadas para minimizar os impactos nas populações mais vulneráveis e na economia brasileira.”
Período neutro
Além disso, o professor explica que, por ser uma La Niña atual é atípica, devemos entrar em transição para um período neutro do ENOS (El Niño-Oscilação Sul) em abril.
“Quando falamos de La Niña, precisamos lembrar que ela é parte de um ciclo maior chamado ENOS, que oscila entre El Niño e La Niña. Normalmente, esses ciclos duram de um a dois anos, mas a La Niña atual começou no fim do ano passado e deve encerrar-se rapidamente, em torno de seis meses”, explica Benedetti.
Nesse sentido, ele também destaca que a duração e intensidade desses fenômenos estão sendo afetadas pelo aquecimento global, dificultando previsões exatas.
Impactos setoriais e desafios para a agricultura
Entre os setores mais vulneráveis às oscilações climáticas está a agricultura, que depende de condições climáticas equilibradas para altos índices de produtividade. “Se houver chuvas em excesso, isso pode adiantar ou até mesmo comprometer safras inteiras. Culturas como soja e trigo no Sul do Brasil, que já enfrentam condições de seca, são especialmente afetadas”, alerta Benedetti.
O professor também menciona o impacto na produção de café no norte do Paraná e sul de Minas Gerais. “Com frios intensos no passado e a seca prevista, os preços já elevados do café podem continuar subindo devido à escassez de grãos no mercado”, observa.
Ele destaca a necessidade de investir em variedades agrícolas mais resilientes. “No Norte, por exemplo, deveríamos optar por cultivares que tolerem maiores volumes de água para lidar com o aumento da pluviosidade”, sugere.
Investimentos e ações governamentais
Apesar da gravidade da situação climática, o Brasil ainda investe pouco em prevenção de desastres. “Em 2022, foram aplicados R$ 1,4 bilhão em prevenção. Para comparação, os Estados Unidos, que têm menos propensão a desastres climáticos, investem cerca de US$ 76 bilhões anualmente”, ressalta Benedetti.
O professor defende a remoção de populações vulneráveis de áreas de risco como uma medida urgente. “Não é suficiente apenas retirar as pessoas dessas regiões; é preciso oferecer moradias seguras e destinar essas áreas para reflorestamento ou transformação em parques”, explica.
Ele também aponta a necessidade de melhorar os sistemas de alerta de riscos climáticos, destacando que o Brasil possui centros meteorológicos de excelência, mas carece de uma distribuição eficaz dessas informações.
Enquanto o mundo enfrenta os desafios do aquecimento global, Benedetti reforça que a prevenção e o planejamento são cruciais para mitigar os impactos dos fenômenos climáticos. “Não podemos mais impedir esses desastres, mas podemos minimizar seus efeitos e proteger a população vulnerável”, conclui.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 15 – Vida Terrestre
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