O Ministério Público Estadual (MPE) abriu inquérito civil público para investigar irregularidades em processo de contratação feito pela Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE). A irmã da procuradora-chefe Paula Pimenta Félix Curado, da Procuradoria-Administrativa, é dona da empresa vencedora que ministrou curso para procuradores, de março a maio do ano passado. À luz da legalidade, a pecha está no fato de que a empresa T. Pimenta Félix Wolkart Eireli só foi constituída depois que a primeira aula havia sido dada.
O memorando número 7 do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur) da PGE circulou pelo órgão, em fevereiro de 2012, anunciando oferta de cursos de pós-graduação em quatro institutos de educação: Fundação Getúlio Vargas (FGV), Atame, Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).
Parte dos cursos, informa o memorando, seriam custeados unitariamente em até $10 mil pelo Fundo de Manutenção e Reaparelhamento da Procuradoria-Geral do Estado (Funproge), cabendo ao inscrito custear eventual valor ultrapassado.
Das quatro instituições supracitadas, o Ibet seria responsável por uma especialização em Direito Tributário e um minicurso intensivo de ICMS (conforme documento 1). No portal de compras do governo do Estado (www.comprasnet.go.gov.br) aparecem solicitações de aquisição de ambos, especialização e intensivo; a primeira (conforme documento 2) trata por objeto cinco inscrições “para o curso de pós-graduação lato sensu ministrado pelo Ibet” e o CNPJ da empresa ganhadora – conforme consulta de inscrição e situação cadastral da empresa no site da Receita Federal (conforme documento 3) – corresponde ao do Ibet Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Na primeira página do contrato (conforme documento 4) é possível verificar que Talita Pimenta Félix Wolkart representa o instituto em Goiás.
A segunda solicitação de aquisição (conforme documento 5) descreve como objeto a “contratação de 13 inscrições para o curso intensivo de ICMS ministrado pelo Ibet para a formação continuada dos procuradores de Goiás”. Apesar de ficar clara a especificidade do contratante, isto é, o Ibet, a empresa ganhadora é identificada por outro CNPJ, que, na checagem da Receita Federal, diz respeito à empresa T. Pimenta Félix Wolkart Eireli, concebida enquanto “matriz” (não caracterizada, portanto, como filial do Ibet Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) (conforme documento 6).
Diferente do primeiro registro, o site de compras do governo não disponibilizou o contrato do segundo serviço: o “curso intensivo de ICMS ministrado pelo Ibet” que o Ibet não ministrou, mas a empresa de Talita, irmã da procuradora-chefe da Procuradoria-Administrativa, Paula Pimenta Félix Curado.
Outra contradição apontada no inquérito apresentado pelo Ministério Público é que as aulas do intensivo de ICMS foram dadas aos sábados, de 31 de março a 25 de maio. A empresa T. Pimenta Félix Wolkart Eireli, cujo nome fantasia é Casa de Estudos Jurídicos, foi constituída 11 dias depois de iniciado o curso – vencedor por meio de um processo de contratação que dispensa concorrência: a inexigibilidade.
Sem licitação
Em reação à Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), o site da Procuradoria-Geral do Estado disponibilizou dados sobre a referida “contratação de 13 inscrições para o curso intensivo de ICMS ministrado pelo Ibet para a formação continuada dos procuradores de Goiás”, onde a inexigibilidade aparece como forma de aquisição. O critério, pormenorizado no parágrafo primeiro do artigo 25 da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), é invocado quando a competição (ato licitatório) demonstra-se inviável, tal a distinção da empresa. A avaliação de inexigibilidade considera, dentre outros, o “desempenho anterior” da candidata, de modo a concluir que “o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato” – o curso intensivo de ICMS conduzido pelo Ibet, no caso. Na segunda página da portaria do Ministério Público, a promotoria considera que a empresa de Talita “só foi ‘aberta’ depois do início do processo licitatório” e que “a primeira aula foi ministrada sem ter sido finalizado o processo”
Direcionado
O valor do contrato para a pós-graduação lato sensu em Direito Tributário firmado entre o Ibet e a PGE (no qual Talita é apresentada como representante do instituto) é de R$ 43.950 e a duração do curso é de dois anos. O montante pago pelo intensivo de ICMS, em quatro sábados consecutivos, foi de R$ 13.520, de acordo com informação do portal de compras do governo do Estado. Outras duas solicitações de aquisição foram divulgadas em razão de contrato para o qual a PGE também dispensou concorrência. Um documento expõe pagamento de 25 inscrições de procuradores do Estado para curso sobre formas legais para ampliar a arrecadação de ICMS, ao custo total de R$ 30.950; o documento seguinte indica 10 inscrições de servidores da PGE para a mesma formação, pelas quais pagou-se a monta de R$ 12.380.
A promotoria cobrou esclarecimentos ao Procurador-Geral do Estado e aguarda cópia do contrato feito pelo órgão com Talita Pimenta Félix Wolkart, irmã da procuradora-chefe Paula Pimenta. O Ministério Público apura se houve direcionamento nos contratos e se os fatos levantados constituem-se infração às leis de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) e de Licitações.
A reportagem entrou em contato com o gabinete da procuradora-chefe da Procuradoria-Administrativa, mas ela preferiu não gravar entrevista. A empresária Talita, irmã de Paula, respondeu que, sobre a abertura da empresa ter acontecido depois do curso intensivo de ICMS, a criação do empreendimento é um processo demorado e que o curso foi destinado a toda comunidade jurídica, e não à PGE, que a procurou manifestando interesse pela formação. Posteriormente, a assessoria da empresária enviou nota dizendo que o pedido de abertura na Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg) foi realizado no início de fevereiro, mês anterior ao começo das aulas do curso de ICMS que, ainda conforme a nota, não é de responsabilidade do Ibet. Talita nega que a irmã tenha facilitado acordos contratuais que a beneficiassem. “Nos dois primeiros contratos que eu realizei com a Procuradoria, a Paula, minha irmã, não era chefe da Procuradoria-Administrativa, além de em nenhum momento ela ter opinado ou participado de nada.”
Talita Pimenta atribui à Procuradoria-Geral do Estado a responsabilidade de explicar a contradição apresentada na solicitação de aquisição destacada na reportagem, em que o Ibet aparece como detentor da oferta do curso intensivo de ICMS ao passo que o CNPJ da T. Pimenta Félix Wolkart Eireli identifica a empresa vencedora do processo. “O que eu posso fazer é responder pela minha empresa. Você está me fazendo uma pergunta sobre um procedimento interno na PGE. Nesse caso, para ter uma resposta satisfatória, eu acho que seria conveniente você falar com a Procuradoria do Estado.”
O procurador-geral do Estado, Alexandre Tocantins, disse que o caso já está em averiguação pela Corregedoria da PGE e, da mesma forma que a procuradora-chefe, optou por não comentar o caso. A promotora de Justiça Villis Marra está de férias e não foi encontrada.