De acordo com pesquisa divulgada no fim de 2022, cerca de 33 milhões de brasileiros sofrem com a insegurança alimentar. O dados são do Segundo Inquérito sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN). No combate à fome, o aproveitamento das Plantas Alimentícias não Convencionais (PANC) pode ajudar a amenizar tal problema, indo ao encontro dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU. Neste caso, o ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável.

Pesquisa

As PANC são uma opção além dos vegetais comercializados em hortas, feiras e mercados. É o que mostra uma pesquisa feita pela nutricionista Isabella Borges. Quando era estudante do CEUB (Centro Universitário de Brasília), ela mostrou que grande parte desses alimentos não convencionais possui valor nutricional igual ou superior às hortaliças, raízes, tubérculos e frutas. Na ocasião entrevistou 303 pessoas – entre 18 e 75 anos – sobre o aproveitamento de partes comestíveis de alimentos, espécies mais consumidas e formas de preparo. Questionados sobre o conhecimento do que são PANC, 53,5% dos entrevistados responderam não conhecer, enquanto 46,2% possuíam algum tipo de conhecimento.

Nutricionista Isabella Borges Foto: divulgação

“Uma professora nos instigava sobre o que nós poderíamos fazer e ajudar a população. Vi muitos vídeos de pessoas em vulnerabilidade, pedindo ajuda, então resolvi me aprofundar no tema das PANC, que muitas vezes são descartados, tratadas como invasoras e daninhas pela população por falta de conhecimento e divulgação. Então quando comecei a estudar a fome e as plantas não convencionais, entendi que os dois juntos seriam muito fortes”, explica Isabella.

Ao todo, 5 mil espécies de plantas e vegetais podem ser utilizados para a alimentação, mas apenas 130 são cultivadas e consumidas, enquanto 30 suprem as necessidades básicas da alimentação da população. Ao apresentar uma lista de PANC, foram reconhecidas as seguintes espécies: aipo (58,6%), taioba (46%) e a ora-pro-nóbis (45,4%).

“Quando a gente vai ler o Guia Alimentar para a População Brasileira, que inclusive é disponibilizado de graça para a população, a gente entende que a base da nossa alimentação deve ser “in natura” ou minimamente processado, ou seja, o alimento que vem da natureza é o que devemos explorar. As PANC tem um alto valor nutricional, como fonte de proteína, além das vitaminas mineiras que são essenciais. elas enriquecem nossa nutrição e ainda aumenta a variação de sabores. A PANC enriquece gastronomicamente as nossas refeições”, destaca a nutricionista, que também fez questão de salientar o potencial econômico das plantas alimentícias não convencionais.

“Pra quem cultiva é uma ótima opção, porque elas crescem facilmente e muito rápido em locais não planejados, por isso são confundidos com ervas daninhas. precisa de baixo custo, não demanda muitas condições climáticas, então para o produtor é algo produtivo, além de ser algo novo. Já para o consumidor, é um ótima alternativa pra quem não tem muito dinheiro e quer ter uma alimentação de qualidade”.

Confira folder da pesquisa sobre as PANC feita pela nutricionista Isabella Borges:

Alerta aos pais

Cozinheiro e cultivador das PANC, Alcyr Viana é um defensor do alimento, que segundo ele próprio, perdeu espaço com a globalização da alimentação, afinal não são colocados nas prateleiras dos mercados como os processados e industrializados. Aliás, um alerta aos pais, que se preocupam com a alimentação dos filhos.

“Se olharmos os livros didáticos, nossos alimentos não são ensinados às crianças. Na verdade, elas aprendem aquilo que o sistema quer, a mesma alimentação vendida em todo mundo”, pondera Alcyr, que assim como a nutricionista Isabella Borges, também enumerou aspectos importantes para o consumo das PANC.

Alcyr Viana na feira do Mercado Popular da 74

“Em primeiro lugar por não ter agrotóxicos, pois são adaptadas; em segundo lugar, pela sazonalidade, pois comer algo que acompanha seu ciclo natural é mais saudável que um alimento melhorado industrialmente; em terceiro lugar, por contribuir com a segurança alimentar, pois num pequeno terreno podemos plantar diversas PANC, além de outras que aparecem de forma espontânea, que podem contribuir com a alimentação diária de muitas pessoas e diminuir a desnutrição”.

Onde encontrar

Em Goiânia, existem algumas feiras de produtos orgânicos que acontecem em vários dias da semana. Uma delas é no Mercado Popular da 74, todo sábado de manhã. No local, Alcyr dá dicas sobre as espécies e como manuseá-las. São centenas de PANC que podem ser encontradas em todas as regiões do Brasil. No cerrado, especificamente, são mais conhecidas e potencialmente utilizadas: pimenta-de-macaco, a banha-de-galinha, o buriti, o taperebá, a cagaita, a mangaba, o Murici, a guariroba, o araticum, o cajuzinho-do-cerrado e muitas outras frutas, folhas, flores e raízes”, concluiu Alcyr.

Políticas públicas

O Brasil está entre os países com a maior biodiversidade de fauna e flora no mundo. Entretanto, o seu sistema agroalimentar ainda é agrícola convencional, com boa parte do consumo voltada para o industrializado. Dessa forma, há a necessidade de uma política pública que estimule não só a produção das PANC, como também a sua divulgação.

“Não tem ainda uma política pública voltada a isso. Inclusive o meu objetivo, agora formada, é continuar com os meus professores, que me deram incentivo na pesquisa, quero continuar os meus estudos e expandir o conhecimento e divulgação pra que todos tenham acesso”, finalizou Isabella Borges.

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