Um estudo recente, apoiado pela FAPESP e publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, sugere mudanças importantes na legislação da Mata Atlântica para melhorar a conservação e simplificar o processo de licenciamento ambiental. Os pesquisadores observaram que os critérios atuais para definir a supressão de áreas de Mata Atlântica são ambíguos, o que pode levar ao desmatamento de áreas que desempenham funções ecossistêmicas vitais.
O estudo propõe alterações que tornariam o processo de licenciamento mais claro e eficiente para os proprietários de terras, ao mesmo tempo em que reforçariam a eficácia das políticas de conservação.
“A legislação, de modo geral, determina que florestas em estágio inicial, com exceção das inclusas na área obrigatória de conservação [Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente], podem ser suprimidas em até 100%, a depender do caso”, explica Angélica Resende, primeira autora do estudo, realizado como parte de seu pós-doutorado, com bolsa da FAPESP, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
“No entanto, resoluções como a do Estado de São Paulo não determinam um método para fazer uma classificação do estágio da floresta que realmente meça os atributos mais importantes dessas áreas, o que dá margem a distorções”, completa.
Estágio de sucessão florestal
Atualmente, um dos principais critérios, o estágio de sucessão florestal, exige um alto grau de especialização devido à grande diversidade de espécies no bioma. Para abordar essa complexidade, os pesquisadores sugerem que o inventário da flora, que avalia a diversidade de espécies e a presença de espécies ameaçadas, seja realizado apenas após uma fase inicial de autorização.
A proposta dos pesquisadores inclui a eliminação do inventário da flora na primeira etapa do pedido de autorização, aplicando-o somente nas fases subsequentes para áreas que receberam aprovação preliminar. Esses levantamentos seriam conduzidos por técnicos certificados ou pelo governo, garantindo a precisão e a eficiência do processo.
O projeto, intitulado “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza – NewFor”, é coordenado por Pedro Brancalion, professor da Esalq-USP, e faz parte do Programa BIOTA da FAPESP. Ele destaca a importância de manter 20% da propriedade como Reserva Legal, conforme estabelecido pelo Código Florestal de 2012 e pela Lei da Mata Atlântica de 2006, que regula os estágios de sucessão florestal e os usos permitidos dessas áreas.
“Existe uma necessidade de conservar e restaurar mais, por conta dos compromissos firmados pelo Brasil e pelo Estado de São Paulo em cumprir metas de emissão de gases de efeito estufa, sem falar na prestação de outros serviços pelas florestas, como a polinização das lavouras e a proteção de mananciais de água”, conta Brancalion.
Serviços ecossistêmicos
As florestas primárias ou em estágios mais avançados, que são prioritárias para a conservação, oferecem inúmeros serviços ecossistêmicos, como regulação do clima, geração de água, sequestro de carbono e polinização. As mudanças propostas visam proteger essas áreas enquanto facilitam o cumprimento das leis ambientais pelos proprietários de terras.
As propostas do estudo prometem aprimorar a legislação da Mata Atlântica, garantindo a conservação de ecossistemas críticos e simplificando o processo de licenciamento para os proprietários. Com a implementação dessas mudanças, espera-se uma maior proteção das florestas e uma gestão ambiental mais eficaz e sustentável.
Como a legislação não especifica os critérios fundamentais para medir o estágio da floresta, alguém que esteja cumprindo a regra pode, no limite, classificar erroneamente uma floresta como em estágio inicial.
Problemas
Isso porque um dos critérios para determinar o estágio de sucessão florestal é a média de diâmetro dos troncos em uma determinada área, sem que a legislação defina nem mesmo o tamanho mínimo dessa área a ser inventariada. A legislação nem sequer estabelece o diâmetro mínimo na altura do peito, parâmetro usado em trabalhos científicos, por empresas florestais e mesmo em leis de outros Estados.
“Com isso, quem está fazendo o inventário florestal pode escolher o diâmetro mais baixo, mesmo que esteja cercado de árvores centenárias, baixando a média e alcançando o patamar para que o desmatamento legal seja autorizado”, aponta Resende.
Num exemplo apresentado no estudo, outro grupo de pesquisadores avaliou remanescentes conservados e matas secundárias na Serra do Mar, uma das maiores áreas contínuas de Mata Atlântica do Brasil. Foram encontradas árvores com uma média de 12,7 centímetros de diâmetro e 9,1 metros de altura, considerando todos os indivíduos acima de 4,8 centímetros de diâmetro.
“Se fossem seguidos os parâmetros do Conama, essa floresta rica em biomassa poderia ser classificada como em estágio inicial ou intermediária”, exemplifica Resende.
Propostas
Para superar deficiências como esta, os pesquisadores propõem alterações na resolução do Conama seguida no Estado de São Paulo. Uma delas é separar os tipos de floresta (fitofisionomias), reconhecendo as diferenças naturais entre essas formações. A partir daí, estabelecer um diâmetro mínimo para as árvores a serem inventariadas.
Outra proposta é definir uma área mínima de amostragem para determinar o estágio da floresta, como toda a área em locais com menos de meio hectare ou 1% da área em terrenos acima de 5 hectares, por exemplo. Hoje, uma área desse tamanho pode ser avaliada com apenas uma parcela de 10 metros quadrados, por exemplo.
Para uma revisão, um dos possíveis caminhos a seguir seria a proposta apresentada na última parte do artigo, que sugere que a avaliação seja feita em duas etapas. A primeira, pelo próprio dono da terra, sem necessariamente precisar de um técnico.
O órgão ambiental estadual então verificaria o histórico de uso e cobertura do solo dos últimos 40 anos daquela área por meio de ferramentas disponíveis gratuitamente, como MapBiomas e Google Earth, além de fotos feitas pelo requerente.
Biodiversidade
O órgão ambiental então aprovaria ou não o pedido em primeira instância, encaminhando os aprovados para uma segunda avaliação. Na segunda etapa, técnicos indicados pelo governo fariam a avaliação florística, a fim de verificar o grau de biodiversidade e a presença de espécies ameaçadas. Dessa forma, pouparia o proprietário de pagar por um serviço que poucas pessoas têm condição de realizar com excelência.
Por fim, seriam avaliados aspectos sociais e de paisagem, adotando um ou mais serviços ambientais como indicadores. O foco seria não apenas na sociedade de modo geral, mas na população local, mais afetada pela remoção da floresta, com a perda de serviços ecossistêmicos como água, bem-estar e regulagem do clima.
“A Lei da Mata Atlântica foi uma grande vitória para a sociedade brasileira. No entanto, um novo escopo técnico é necessário para reforçá-la quase duas décadas após sua promulgação e mais de três décadas depois da resolução estadual. O conhecimento sobre a Mata Atlântica aumentou dramaticamente nos últimos anos e está disponível para desenvolver regras mais efetivas e baseadas na ciência”, encerram os autores.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática
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