(foto: divulgação)
Outro dia topei com um filme bem bacana na Netflix – coisa difícil de acontecer, porque parece que a gente perde mais tempo escolhendo filmes do que propriamente assistindo. O filme é “Enquanto somos jovens” (2014), escrito e dirigido pelo Noah Baumbach.
Os personagens principais são interpretados por Ben Stiller (Josh, um cineasta em crise de produtividade) e Naomi Watts (Cornelia, uma produtora cultural), um casal quarentão perfeitamente acomodado na vida, sem grandes pretensões nem grandes problemas. Levam uma vida boa só os dois, sem filhos. São antenados, têm boa condição social, carregam seus notebooks, smartphones e outros gadgets para todos os lados. Uma boa representação da classe média atual.
Dai acontece de toparem com um casal bem mais novo, interpretado pelo ótimo Adam Driver e pela Amanda Seiyfried. No caminho oposto aos protagonistas, os jovens fazem o estilo retrô. Gostam de ouvir fita k-7, evitam computadores e celulares. São desconectados, adeptos do analógico.
Essa premissa inicial é usada para construir um questionamento sobre o amadurecimento. Porque o casal jovem chega balançando todas as estruturas do casal mais velho. Do nada, a vida estável de Josh e Cornélia passa de um porto seguro a um caixão, um sintoma de estagnação e tédio. Cada atitude, cada escolha, cada esquina da rotina vira um desafio: você quer viver e ser feliz, ou quer morrer lentamente e cair no esquecimento? O relógio está rodando, a cada dia você fica mais velho e se aproxima da morte. Do quê quer se lembrar quando a hora de partir chegar?
Bom, como eu disse, a obra é sobre amadurecimento. Que tem sua parte divertida mas que, na vida real de carne e osso, em sua maior parte, é composta de partes chatas. É um saco amadurecer. Às vezes dói. E essa parte chata, no filme, é retratada de forma concreta (e também patética), na maior parte das vezes, por um casal amigo de Josh e Cornelia. Esse casal tem mais ou menos a mesma idade deles, um casamento desgastado e filhos recém nascidos. Para o diretor, essa é a metáfora para amadurecimento chato: casamento e filhos.
E olha, não posso dizer que ele está totalmente errado não. Veja bem, não estou dizendo que esses fatos importantes da vida de todo mundo – casamento e filhos – sejam chatos em si mesmos. Até porque é o sonho de vida de todo mundo. É o símbolo de uma vida plena e realizada. E é mesmo. Mas mexem com a gente. Por isso são considerados tão importantes: porque abalam as estruturas.
Casar e ter filhos pesa na bagagem. São fatos que forçam a gente a amadurecer, queiramos ou não. É pré-requisito deixar de olhar para o próprio umbigo e passar a olhar para o outro, se preocupar com o outro, cuidar do outro. E no caso do filho, se você não fizer isso, a criança morre! Ou sua ausência pode resultar num assassino, um pária, um boçal. Isso é pesado pra caramba!
A questão não para por aí. Esse processo de amadurecimento é tão pesado (se a pessoa já não passou por ele de alguma outra forma) que não é incomum perder-se de si mesmo. São muitos os casais que não aguentam um casamento, ou que perdem a cabeça depois que vêm os filhos. Caem na depressão, mudam radicalmente o jeito de ser, se esquecem do que gostam na vida. Deixam de lado os hobbys e o jeito leve de encarar a vida. Posso estar parecendo meio pessimista, mas é isso mesmo o que acontece.
Tem uma fala de um dos personagens, a certo ponto, que reflete bem isso. Josh, que não tem filhos, fofocando com um terceiro sobre o amigo que já é pai, fala que é frustrante sair com ele porque os filhos o infantilizaram. O amigo de Josh só fala de crianças, só faz coisas de crianças (com os filhos), só ouve música de crianças no carro. E não deixa de ser verdade também. Faça um teste você, leitor: abra o facebook ou o instagram de algum amigo que teve filho recentemente. Está lá, escancarado. Do nada, não existem mais fotos do adulto. O que existe são dezenas, centenas, milhões de fotos do bebê. Com legendas infantis, frequentemente escritos em “linguagem de bebê”. Eu mesmo, 7 meses depois do nascimento do meu pequeno André, passo o dia todo com as musiquinhas do Mundo Bita na cabeça (e olha, são lindas mesmo! Experimente ouvir “Voa voa passarinho!”. Humilha qualquer funk! – mas, enfim, não me chame de infantilizado, por favor!). É um caminho perigoso!
A grande questão é o equilíbrio. E o filme trata muito bem disso! Porque o casal jovem chega como questionamento a um modo acomodado de se viver – e temos de nos questionar mesmo! Mas as conquistas que vamos acumulando na vida, as experiências, a alegria vinda da superação de problemas é o que nos define. Nossas cicatrizes são o que nos torna quem somos. E abdicar disso para levar uma “vida louca” é simplesmente deixar de lado essa parte das nossas identidades.
Assim, o casal jovem, a seu modo, acaba virando símbolo de um desespero da vida nômade, da falta de vínculos, de raízes. Não vou me alongar mais nessa transição de papéis e de significados no filme, porque acabaria entregando coisa importante da trama. Mas a mensagem que fica é: equilíbrio.
E o cartaz do filme é belíssimo, porque Stiller e Naomi sentados, meio bêbados, meio sonolentos, na escada da varanda de uma casa desconhecida é o que o filme faz também com o espectador: oferece uma cerveja, bota na sarjeta e lança algumas boas questões para levar pelo resto da semana.