Há dois meses a Companhia de Urbanização de Engenharia de Goiânia (Comurg) aumentou em 28% o número de pás carregadeiras com retroescavadeiras de pneus, totalizando uma frota de 54 veículos. O crescimento é resultante do contrato de arrendamento com a Locagyn Máquinas e Equipamentos, assinado no último dia 13 de setembro. A empresa pagará, em seis meses, R$ 1.720.145,45 pelo aluguel de 12 pás carregadeiras com retroescavadeira, marca JCB. Um custo mensal de R$ 143.345,46.
Para firmar o acordo, a estatal não apenas desconheceu a lei de licitação, mas se escudou no habitual subterfúgio da urgência, justificando ter uma infraestrutura insuficiente e uma demanda social extraordinária. A legitimação definitiva se deu ao revelar que a licitação, que poderia sanar o problema, estaria suspensa. Mas o processo de suspenção chama atenção.
O certame faz parte de uma megalicitação que vai recompor a frota de três órgãos da administração municipal (Comurg e secretarias de Obras e Assistência Social), por um valor de R$ 1.127.359.550,40. O processo terá validade de 48 meses, podendo ser prorrogado por mais um ano. Um valor global que representa cerca de 14% da receita anual da Prefeitura de Goiânia, que este ano foi de R$ 2,118 bilhões.
Os produtos, divididos em 13 lotes, serão registrados, inicialmente, na Secretaria Municipal de Administração (Semad), responsável pela licitação, na modalidade pregão presencial. Finalizado no último dia 14 de novembro, o certame deverá ser homologado na primeira semana de dezembro, ratificando, assim, o contrato com três empresas – Lig-Móbile, Ita e Tecpav (leia quadro).
Desistência
As firmas prestarão serviços de locação de caminhões, veículos utilitários, motocicletas, ônibus, equipamentos, com motoristas/operadores, rádios e serviço de gerenciamento de frota. O pregão, entretanto, esteve suspenso entre 22 de maio e 6 de novembro, por força de uma liminar concedida pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), depois da denúncia de um dos concorrentes, a Fóssil Saneamento.
A interrupção do processo foi um dos cinco argumentos apresentados pela Comurg para efetivar – sem licitação – o aluguel de 12 pás carregadeiras com retroescavadeiras de pneus com a Locagyn. Em síntese, a denúncia sugeria vícios de legalidade, questionando, por exemplo, a ausência de orçamento estimado em planilhas e preços unitários dos serviços.
O curioso é que no dia 23 de maio, oito dias após denunciar o certame ao TCM/GO, solicitando sua imediata suspensão, a Fóssil Saneamento, por intermédio da Procuradoria Geral do Município (PGM), voltou atrás e, sem se justificar, desistiu de apontar ilicitude no edital de licitação. A manobra para caçar a cautelar, concedida no dia 22, não foi acatada pelo tribunal, que enviou a matéria para a sua Secretaria de Licitações e Contratos.
Este departamento, em 3 de junho, considerou como inócuas as denúncias da Fóssil Saneamento e recomendou ao Pleno do TCM que permitisse o prosseguimento do pregão. Uma semana mais tarde, a Procuradoria de Contas do Tribunal rechaçou a análise da Secretaria de Licitações e Contratos e sugeriu aos conselheiros que anulasse o certame, diante de inúmeras impropriedades contidas no procedimento.
Economicidade
Entre as inadequações estaria o valor total da licitação. De acordo com o Ministério Público de Contas, os gastos com o pagamento de produtos semelhantes em 2012 não tinha superado a casa dos R$ 34 milhões. O que significava dizer que a Prefeitura de Goiânia gastou apenas 10% em 2012 do que pretenderia gastar em 2013 com a sua frota. A avaliação acabou sendo derrubada pela Secretaria de Licitações e Contratos. No último dia 6 de novembro, o Pleno do TCM não apenas caçou a cautelar, como considerou improcedentes as denúncias.
De acordo com a Comurg, a opção por alugar e não adquirir o maquinário se deve ao alto custo na compra do equipamento (na Locagyn cada veículo custa R$ 295 mil). No contrato com a Locagyn, cada pá carregadeira com retroescavadeira de pneus custará ao contribuinte R$ 23.890,91 por mês. Considerando a despesa mensal com o pagamento da locação, R$ 143.345,46, a estatal poderia ser dona dos 12 veículos em um ano. Bastaria, por exemplo, comprar na Navesa, onde a marca Massey Ferguson é comercializada por R$ 210 mil cada.
A empresa municipal adiantou, por intermédio da sua assessoria de imprensa, que o número ideal desse tipo de veículo seria de 90. Entretanto não há recursos para custear esta frota, assim como inexiste um quadro funcional capaz de operar todos os veículos. A estatal ressalta, porém, que apesar de não ser ideal, a atual frota é capaz de atender de maneira aceitável a demanda goianiense.
De acordo com o site da Comurg, atualmente a empresa atua na limpeza urbana dos logradouros públicos, coleta do lixo doméstico, coleta do lixo hospitalar, administração do aterro sanitário de Goiânia, execução do programa de coleta seletiva, construção e manutenção de praças e parques, troca de lâmpadas e execução de diversos programas de iluminação pública. O equipamento alugado será utilizado na execução diária dos trabalhos de remoção de entulhos, galhos, lixo, retiradas e reposição de terra dentro de praças e outros locais.
Operando há 16 anos no mercado, a Locagyn, que é de propriedade de Geraldo Lúcio da Silva Girundi, é considerada uma das maiores no segmento de locação de maquinário, equipamentos para construção e escoramento. Com filiais no Distrito Federal e Tocantins, a Locagyn é uma das 17 representantes oficiais de maquinários da JCB no Brasil. O fundador da JCB é o inventor da retroescavadeira.
Desordem
Para o titular da 89ª Promotoria de Justiça de Goiânia, com atuação na defesa do patrimônio público, promotor de Justiça Fernando Krebs, que investiga outros contratos para locação de veículos pela Comurg, supostamente lesivos ao erário municipal, aparentemente há uma ausência de planejamento nas aquisições e compras de maquinário.
Ele explica que quando acontece algum problema com o processo licitatório, o dirigente público tem a opção de realizar uma compra direta do produto demandado. Ao não fazê-lo, há uma opção por prorrogar um contrato de locação em vigor ou buscar um novo contrato, o que tende a se configurar em um ato antieconômico, resultando em prejuízo ao erário.
O promotor Krebs adianta que, em se constatando ações lesivas, os dirigentes da Comurg podem responder por improbidade administrativa. A estatal municipal, por sua vez, afirmou estar à disposição do Ministério Público para necessários esclarecimentos.
Fraude
Não seria a primeira vez que gestores da Comurg se veem a volta com a Justiça. Em agosto passado, o juiz da 4ª Vara Cível de Goiânia, Aureliano Albuquerque Amorim, cassou, por cinco anos, os direitos políticos dos ex-diretores da Comurg Neyde Aparecida da Silva e Paulo Cézar Fornazier. Eles haviam sido denunciados pelo MP/GO por gestão fraudulenta, ao contratarem, sem concurso público, mais de três mil servidores para a empresa. O caso foi apurado por auditoria do TCM. Também, como punição, a dupla deveria ter sido exonerada, proibida de contratar com o poder público e, ainda, pagar uma multa de aproximadamente R$ 960 mil, cada um.
Os dirigentes recorreram da sentença e continuam empregados na administração municipal. Neyde Aparecida permanece comandando a Secretaria da Educação e Paulo César Fornazier chefia a Diretoria Administrativa e Financeira da Comurg. Ambos, porém, são considerados fichas sujas e não podem concorrer a nenhum cargo público.