Mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) tendo declarado, em diversas ações, a inconstitucionalidade de benefícios fiscais concedidos pelos Estados sem o acordo prévio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o Tribunal de Contas do Estado (TCE/GO), em sessão do Pleno da última quinta-feira (07), decidiu arquivar a representação do Ministério Público de Contas que questiona os créditos de ICMS concedidos pelo governo estadual desde 2009, dentro dos programas contemplados no Termo de Acordo de Regime Especial (Tare). A quantia de concessões calculada chegaria a quase R$ 1,5 bilhão.
Considerando que a anulação dos termos já assinados entre governo e empresas causaria “nefastos” efeitos econômicos e sociais no Estado e verdadeira insegurança jurídica, em seu voto, o relator Sebastião Tejota pediu o indeferimento do pedido de instauração do incidente de inconstitucionalidade e propôs o arquivamento da representação do Ministério Público de Contas.
Dos seis conselheiros com direito a voto, quatro acompanharam o entendimento do relator. Somente a conselheira-substituta, Heloísa Helena Antonácio Monteiro Godinho, foi contrária. Ela apresentou voto-vista convergindo com o entendimento de Tejota e propondo o reconhecimento da representação. Além disso, a conselheira pediu à Corte que se comunicasse à Assembleia Legislativa determinação da suspenção do Tare.
Para o relator, o TCE deveria aguardar decisão no STF, que propôs em abril de 2012, a edição de uma súmula vinculante para tratar da guerra fiscal e impedir novos incentivos. Mas, por enquanto, não há previsão da apreciação da súmula pelos ministros. Embora não seja de competência dos tribunais de contas a declaração de inconstitucionalidade de lei, a eles lhes são assegurados o direito de negar a aplicabilidade da mesma. E foi justamente essa postura que a Corte tomou: preferiu ignorar o direito de julgar a ilegalidade da medida do Estado e passar a bola para o STF.
Questionado se o TCE foi omisso, o relator negou: “Não é fugir da raia. Nós não podemos agravar uma situação econômica do Estado. A lei (do Confaz que convalida os benefícios) tem que se aprovada por unanimidade e ela ainda é da Ditadura Militar, é arcaica. Não podemos anular os contratos já assinados sob pena, inclusive, do Brasil se tornar um país que não respeita os contratos”.
O conselheiro acredita que quando o STF decidir a questão de forma perene, a repercussão sobre a guerra dos incentivos fiscais será geral. “E aí o Congresso Nacional obrigatoriamente vai ter que discutir essa matéria e procurar maneiras de contemplar os Estados que estão nas regiões periféricas”.
Em seu voto, Tejota colocou como exemplo a empresa Suzuki – inclusive, alvo da representação do Ministério Público de Contas -, que pertence ao grupo Mitsubishi, e está instalada na cidade de Catalão. “A Mitsubishi está posicionada como a 8ª maior contribuinte de ICMS do Estado e emprega mais de 3 mil trabalhadores na cidade. A receita do município é composta por 57% dos incrementos trazidos pelo grupo”, diz em seu adendo ao voto-vista da conselheira Heloísa Helena.
Críticas
O procurador do Ministério Público de Contas e autor da representação, Fernando dos Santos Carneiro, não poupou críticas à decisão da Corte. “Cabe dizer que a decisão do TCE foi ao sentido de que o tribunal, no juízo de oportunidade e conveniência, decidiu por não fiscalizar a uma renúncia fiscal. Ele tem uma competência constitucional, portanto, não deveria e não cabe se furtar”.
Fernando explica que cabe recurso, no entanto, disse que não vai “desperdiçar forças” para recorrer ao plenário. O procurador pretende encaminhar uma representação no Ministério Público Estadual, que pode, inclusive, entrar com uma ação de improbidade administrativa contra todos os responsáveis pelo ato. “Bem como encaminhar ao Procurador-Geral da República, para que entre com mais uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei do Estado”.
O procurador também entende que não tem a mínima razoabilidade a compreensão dada pelo TCE, de que deveria aguardar posicionamento no STF sobre os incentivos fiscais. Ele acredita que o Supremo vai redigir uma súmula vinculante consolidando que os benefícios fiscais, sem prévia aprovação do Confaz, são inconstitucionais.
Fernando rebate também os argumentos do relator a respeito dos prejuízos sociais e econômicos que a anulação do Tare implicaria ao Estado. “É uma renúncia fiscal de R$ 1,5 bilhão. Não é uma renúncia de R$ 1,5 mil. Quantos empregos são gerados pela Suzuki a este custo de R$ 1,5 bilhão?”, questiona.
O procurador enumera também outros argumentos, como o fato de que com a anulação do Tare, o Estado perderia arrecadação. “Ele (Estado) perde sim quando renuncia à receita. E outra: a demanda por serviços cresce e a arrecadação não. A arrecadação cresce em progressão aritmética, enquanto a demanda por serviços cresce em progressão geométrica. A demanda por serviço cresce numa progressão maior que a arrecadação. Daí porque o Estado nunca dá conta de pagar e fazer o que precisa”.